Por Ricardo Cravo Albin –
Como sempre observo aqui, ainda pouco celebrei o aniversario do Rio.
E convém registrar agora que Mem de Sá foi o verdadeiro fundador do Rio de Janeiro. Também por aqui ele inauguraria a dinastia dos Sá, que por muitas gerações governaram o Rio, tendo a Baía de Guanabara como pano de fundo.
Eu costumo dizer que não há família de ascendência mais nobre e mais carioca que os Sá. Não é à toa que M. J. Gonzaga de Sá, conhecido personagem de Lima Barreto, dizia: “Eu sou Sá, sou o Rio de Janeiro”. O Desembargador Mem de Sá, nomeado o terceiro governador-geral do Brasil por D. João III, governou o Brasil durante catorze anos, de 1558 a 1572. Foi ele que desfez o sonho da França Antártica e conseguiu derrotar as hostes de Villegaignon em 1560, eliminando os seus remanescentes em 1567.
Pretendem alguns historiadores que a cidade do Rio tenha sido fundada em 1565 pelo capitão-mor Estácio de Sá, jovem de menos de vinte anos, que geralmente se afirma sobrinho de Mem de Sá. Estácio, contudo, havia chegado ao Rio a 1º de março de 1565 com a incumbência do governador-geral, seu tio, de varrer os franceses que ainda teimavam em aqui permanecer. Aqui ele permaneceu em lutas constantes, a maioria delas malsucedidas, até que, por interferência do Padre José de Anchieta, o Governador-geral Mem de Sá se dispôs a vir em socorro do sobrinho, ou primo. Mem pôs termo à aflitiva situação em 20 de janeiro de 1567, quando se tornou efetiva a fundação da cidade, sob a invocação de São Sebastião, seu padroeiro.
E também com o sacrifício de Estácio de Sá, flechado em frente ao Rio Carioca hoje Flamengo e trazido para a vila do Cara de Cão, na Urca, onde morreria logo depois.
Fundada a cidade, seu primeiro governador foi Salvador Correia de Sá, um excelente administrador, que governou entre 1568 e 1572 e depois de 1577 a 1598, quando conquistou a confiança de Felipe II, durante a dominação espanhola.
A Ilha do Governador passou a ser assim denominada por haver Salvador Correia de Sá construído ali um engenho de sua propriedade e era tão pobre que Mem de Sá chega a confessar no seu Instrumento: “Deixei, por Capitão da dita cidade do Rio de Janeiro a Salvador, meu sobrinho, o qual ainda sustento às minhas expensas”. A dinastia só fez engordar a fortuna dos Sá. Martim Correia de Sá, seu filho, governou a cidade de 1602 a 1607 e de 1623 a 1632, quando morreu (está sepultado na igreja do Convento do Carmo).
Martim fez fama, mas não se deitou na cama, tanto que defendeu a cidade das possíveis investidas dos holandeses sediados em Recife, construindo várias fortalezas, como a de Santa Cruz, de onde escreveu carta (5/11/1624) em que se referia à cidade ganhada aos inimigos e povoada por seu pai. E acrescentava, com justo orgulho, que “esta cidade, dos Sás ganhada, não é bem que em tempo de um Sá se perca”.
Outro Sá importante foi Salvador Correia de Sá e Benevides, filho de Martim, e que governou o Rio por três vezes, entre 1637 e 1661. O carioca Sá e Benevides viveu uma vida agitadíssima e sempre foi considerado um dos vultos mais atraentes da história luso-brasileira no século XVII.
O último da única dinastia familiar carioca foi o capitão-general Artur de Sá e Menezes, cujo governo medeia entre 1697 e 1702. O domínio dos Sá no Rio, portanto, foi longo e poderoso, perdurando por quase um século.
O historiador Andrade Muricy, aliás, estendeu-se muito convenientemente sobre os Sá e tambem foi muito agudo ao deitar observações sobre os delitos impostos ao Rio, a propósito tão justos que cada dia mais atuais. Vale transcrever algumas de suas impressões “A Ilha de Villegaignon, plantada em frente ao centro da cidade do Rio, era uma massa elegante, com as modestas ruínas de um forte e esbeltas palmeiras. Era uma sugestão de passado e um elemento perene de beleza. Em outras terras conserva-se e, quando muito, e mui discretamente, melhora-se. Aqui no Rio, em virtude de um simples parecer técnico e administrativo e nunca se sabe muito bem por quem emitido, suprimiu- se, em meio de geral indiferença, a Ilha de Villegaignon. E não só a ilha formosa desaparece. As montanhas vão sendo arrasadas para loteamentos à mercê da ganância imobiliária, ou vão sendo tratadas como simples pedreiras de fácil rendimento.
Corrige-se, assim friamente, a obra natural de Deus; corrige-se, com falsos critérios desdenhosos de beleza, a beleza única que desde tempos imemoriais o homem tenazmente procurou. “E, apressadamente, às cegas, os administradores vão destruindo a insuperável beleza do Rio”.
Andrade Muricy poderia ter escrito este texto hoje, que seria tragicamente atual. Cabe lembrar Muricy. E o faço como dever. E com orgulho.
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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