Por Jeferson Miola –
Assim como [i] o capital/mercado/finanças, [ii] as cúpulas partidarizadas das Forças Armadas e [iii] a pressão geopolítica dos EUA, a deputadocracia é outro vetor de ameaça constante à governabilidade do governo Lula e à democracia.
A Deputadocracia [deputado + cracia] é o que se pode designar como o governo de deputados, por deputados e para deputados.
Mas atenção: deputadocracia não se confunde com parlamentarismo, o sistema de governo em que parlamentares escolhem o primeiro-ministro para exercer a função de chefe de governo.
Deputadocracia é um invento bem brasileiro, embora possa se encontrar similares ou variantes mundo afora. Em breve síntese, pode-se dizer que é um sistema de assalto aos fundos públicos e de gestão corrupta dos negócios públicos para favorecer minorias saqueadoras.
A voracidade por ministérios, cargos em estatais, orçamento e verbas públicas é intrínseca ao governo de deputados, independentemente da orientação ideológica e programática dos governos aos quais aderem e nos quais se mimetizam.
A deputadocracia é uma colossal deformidade do sistema eleitoral brasileiro. Cumpre o mesmo papel outrora exercido pelo peemedebismo, conceito estabelecido pelo filósofo e cientista social Marcos Nobre: é um fator de “imobilismo em movimento”; uma trava para impedir mudanças sociais e aprisionar o Brasil ao atraso, ao conservadorismo, ao reacionarismo.
É o “sistema de governo” que sucedeu aquilo que até meados da segunda década deste século se chamava presidencialismo de coalizão, outro invento nativo.
A deputadocracia ganhou melhor forma e corpo durante o processo do impeachment fraudulento da presidente Dilma.
O orçamento impositivo, instrumento criado em 2015 pelo então presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha para sequestrar atribuições do Poder Executivo e comprar apoios parlamentares para derrubar Dilma, foi decisivo neste processo. Ali o sistema deputadocrático de governo ganhou forte impulso para sua rápida consolidação no período seguinte.
Durante o governo fascista-militar Bolsonaro/Mourão, a deputadocracia foi beneficiada com um importante upgrade: o bilionário orçamento secreto.
O partido dos generais aperfeiçoou essa excrescência para pagar ao governo dos deputados pelo apoio ao plano de pilhagem do Brasil e pela blindagem do Bolsonaro em relação aos mais de 100 pedidos de impeachment com robusta fundamentação jurídica, ao contrário da farsa que perpetraram contra a presidente Dilma.
Como consta no nome de batismo da moeda de troca da deputadocracia – orçamento secreto –, o sistema deputadocrático não tem nada de republicano. E menos ainda de transparente. E terá um orçamento de R$ 46,3 bilhões em 2023 em emendas manuseadas pelos deputadocratas junto a seus currais eleitorais.
Na campanha, Lula denunciou que “Bolsonaro não manda nada, ele é refém do Congresso. O Bolsonaro sequer cuida do orçamento; quem cuida é o Lira, é ele que libera a verba. Os ministros ligam pra ele, não ligam pro presidente da República”.
O método de governo da deputadocracia é a chantagem e a extorsão do presidente da República, que foi eleito com 60.345.999 votos.
O chefe atual da deputadocracia, Arthur Lira, que foi eleito deputado federal com 219.452 votos, menospreza a magnitude da votação do Lula, que é 275 vezes maior que a dele.
Lira prefere dizer que Lula foi eleito com “margem de votos mínima”, como se isso retirasse a autoridade e a legitimidade do presidente eleito para governar executando o programa escolhido nas urnas.
Lira se refere à deputadocracia eufemisticamente como “um Congresso com atribuições mais amplas”. E ameaça que o governo “eleito com margem de votos mínima precisa entender que temos Banco Central independente, agências reguladoras, Lei das Estatais …”.
A posição de Lira é a prova maior do papel chantagista e imobilista desempenhado pela deputadocracia, que aprisiona o Brasil ao atraso, ao conservadorismo, ao reacionarismo.
O sistema eleitoral brasileiro está concebido para impedir as forças progressistas governarem o país com o programa eleito soberanamente pelo povo.
Não é razoável que o presidente eleito com mais de 50% dos votos tenha uma base de sustentação tíbia no Congresso, sempre inferior a 20%. Isso não é obra do acaso, foi concebido para ser assim.
Mudar este sistema antirrepublicano e carcomido é um imperativo para a democracia. Mas, é possível acabar com a deputadocracia? Sim, é possível, por meio de mudanças no sistema eleitoral brasileiro, que podem ser feitas com maioria simples no Congresso.
Ocorre, no entanto, que mesmo assim estas mudanças dificilmente acontecerão sem uma irresistível pressão popular, porque os deputadocratas resistirão à morte para manter seu sistema intacto.
A razão é muito simples: a deputadocracia é um grande negócio; dos mais rentáveis e sólidos negócios, como será demonstrado em artigo próximo.
A democracia direta, com o orçamento participativo e formas plebiscitárias de decisão sobre temas sensíveis, políticas públicas e prioridades do orçamento nacional, é um importante passo para contrabalançar o império da deputadocracia.
É preciso haver controle público e republicano do Estado e da gestão dos fundos e negócios públicos à luz do interesse comum.
JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.
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