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A Guerra de Canudos (07/11/1896 a 05/10/1897)
Colunistas, Memória

A Guerra de Canudos (07/11/1896 a 05/10/1897)

Por José Macedo

Na guerra, o exército brasileiro necessitou de 4 expedições, para destruir o Arraial de Canudos e assassinar cerca de 25.000 sertanejos. Do lado do governo, entre militares, voluntários e mercenários, foram mortos 5.00O. O governo arregimentou entre 12 a 15.000 pessoas para a guerra genocida, envolvendo 12 Estados brasileiros, escrevendo uma página de sua história, até hoje, não absorvida e nunca será comemorada, como espero.

As armas dos sertanejos eram rudimentares, facões, foices, espingardas etc, contrastando com as do exército, as mais sofisticadas da época, incluindo canhões (utilizados na guerra do Paraguai), que os sertanejos deram o nome de “matadeira”, canhão alemão da marca Krupp, do exército, usado para matar os sertanejos de Canudos.

Prisioneiros do arraial de Canudos após o confronto com o Exército retratado em “Os sertões”; a foto fez parte da exposição “Euclides da Cunha. Os sertões — testemunho e apocalipse”, na Biblioteca Nacional. (Foto: Divulgação)

Essa Guerra deve ser lembrada como genocídio de uma comunidade solidária e fraterna, de um povo que ali se uniu, no final do século XIX, com objetivo de trabalhar, plantar, criar seus animais, rezar e viver em paz uns com os outros.

Aquela comunidade, às margens do leito do Rio Vaza Barris, no interior do Nordeste da Bahia, em pleno Sertão, acometido por constantes secas, seria a configuração de da Utopia, um modelo imaginado por Thomás Morus (1478-1535). Assim, era o Arraial de Canudos, o Belo Monte de seu líder popular e religioso, António Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro.

A guerra aconteceu no momento difícil de consolidação da República, sob a presidência de seu primeiro presidente civil, Prudente de Morais, eleito pelo voto direto.

A recém República estava em aguda crise política e econômica e, em continuada disputa entre monarquistas, florianistas (militar) e os civis, estes representados pelo presidente, Prudente de Morais. O país encontrava em crise financeira, desde a Guerra do Paraguai (1864-1870) e grande seca (1877-1879), cujos efeitos foram devastadores para as finanças públicas.

O interior do Brasil, vis-à-vis, o Nordeste brasileiro, o ambiente era fértil para insurreições e revoltas, uma Região oprimida, cuja população, composta de maioria pobre e de ex-escravos, espoliada pelo latifúndio, proprietários “coronéis”, senhores que, tudo podiam e faziam, criavam leis e ainda obrigavam os demais as cumprirem. Assim, a lei do mais forte prevalecia.

Os “coronéis”, formavam seus populosos jagunços (espécie de milícia), para defesa de seus interesses e prática de arbitrariedades; do outro lado, estavam os miseráveis, ex-escravos e oprimidos sob o jugo pesado desses poderosos, donos da terra, dos poderes político, militar e da justiça. Vê-se que, quem estuda nossa história, sabe da luta e das mortes pela posse da terra que, sempre, foi sangrenta, perduram, até os dias de hoje.

O governo Central dava sustentação aos donos da terra ou, omitia-se, até porque, necessitava deles, de seu apoio político, quando das eleições. Era uma terra sem lei, “a Terra de Malboro”, onde predominava a Lei do mais forte e os fortes eram os donos da terra, não importando, se improdutivas.

Nesse cenário de crise, na política, na economia e no poder da recém República, para Antônio Vicente Mendes Maciel (O Conselheiro) exercício de sua liderança sobre um povo abandonado e miserável, sem terra para plantar, não foi difícil. O povo vulnerável e sofrido estava consciente do que queria e, assim se deixou atraír pela promessa, que se materializaria em Canudos, a “Terra Prometida”. Antônio Conselheiro, um nômade, talvez nem percebesse sua liderança política que, já a exercia, sobre aquele povo, que demandava um líder político, um Moisés e o Conselheiro, um asceta e religioso, preenchia esse vazio, na perspectiva da transformação em um ambiente fraterno e solidário, condições de trabalho e posse da sonhada terra, há tempos, reivindicada.

Enfatizo que, Canudos não era uma comunidade com objetivos religiosos, mas composta por pessoas, também, religiosas, nem eram fanáticos; eram, antes de tudo, trabalhadores, cumpridores de suas obrigações familiares, que fugiam da opressão e da fome. O Conselheiro era instruído, ex-comerciante, rábula (advogado prático) e professor. Suas pregações atraiam uma legião de pessoas, ouvindo-o, com contrição e respeito. Muitos que desconhecem o povo nordestino e aquela gente que seguiu os passos do Conselheiro cometem equívocos, chamando-o de louco e de um mero fanático.

O Conselheiro acenou, firmando-se líder, quando ficou do lado do povo, contra o pagamento de impostos e de sua municipalização. Os pobres e miseráveis largaram tudo, seguiram-no, acreditaram na possibilidade de que teriam dias melhores, milhares seguiram seus passos.

Ora, a recém República passou a ser, duramente, criticada, mas não é o suficiente para afirmar que Conselheiro formou um núcleo monarquista, antirrepublicano, como alguns, equivocadamente, aventuram em afirmar.

Por que, a guerra? A resposta está no texto.

Foi no Morro da Providência que surgiu a primeira favela do Rio de Janeiro, criada em 1897 por combatentes da Guerra de Canudos que voltaram ao Rio para conseguir a casa que o estado tinha prometido como recompensa pela atuação na revolta. (Reprodução/arquivo Google)

A guerra nasceu do conluio entre a igreja católica conservadora, que não mais aceitava as pregações daquele religioso leigo, andarilho, salvacionista, concorrente dos padres, adversário dos coronéis donos da terra, que perdiam aquela mão de obra vassala, quase de graça, escravizada, além de temerem a invasão de seus latifúndios. Por sua vez, o governo, omisso e ausente, transformava-se no maior responsável pelas revoltas, violência e fome, em um Brasil profundo e abandonado.

Nessa guerra, por ordem do governo Central, doze Estados envolveram-se, com cerca de 12.000 a 15.000 militares, vários generais, contra mais de 30.000 sertanejos, desarmados, liderados pelo Conselheiro.

Mas, eis a surpresa: foram necessárias 4 expedições para derrotar e destruir, de forma cruel, aquele povo, pobre e valente, mas consciente do que teria de cumprir e ser feito, a busca de sua utopia: construir uma comunidade, igualitária, solidária, sob a bandeira do trabalho, da paz e da fé.

É preciso dizer com ênfase, Carnudos não foi uma comunidade religiosa, foi a busca de um povo por um sonho: ter um pedaço de terra, trabalhar e ser feliz. A religião existiu, ali, porque aquela gente era também religiosa. Canudos, com a guerra, tornou-se um inferno e foi queimada pelo criminoso exército brasileiro.

Após fim da guerra, com a destruição da “Cidadela” do Conselheiro, segundo projeções de estudiosos morrerem 25.000 sertanejos conselheristas e 5.000 militares. Para a época, nas circunstâncias da guerra, prevaleceu a estupidez, o impulso e a especialização daqueles militares que era a de matar.

Há dias, ouvi do atual presidente da República, ex-tenente do exército, expulso e promovido a capitão, uma afirmação idêntica, ao ser questionado sobre dado assunto, disse: “minha especialização é a matar”.

Porém, pelas projeções de estudioso, Canudos chegou a abrigar 35.000 habitantes, sendo a segunda cidade do Estado da Bahia, após Salvador. Os sertanejos não se renderam, muitos desertaram por força da guerra e da destruição, outros entregaram-se e, covardemente, foram assassinados à queima roupa. Diante da forma e da desproporcionalidade das armas utilizadas pelas forças do governo, o que houve, foi comprovado genocídio.

Os herdeiros de seus mortos, descendentes dos sobreviventes, olham para o atual açude, construído, no início da ditadura de1964, com a clara finalidade de submergir a Cidadela, o cenário (Canudos antiga), que ê motivo de vergonha, todos olham com tristeza, sentem cheiro de pólvora e gosto de sangue.

Debaixo daquelas águas estão os mortos do massacre criminoso, massacre de um povo pacífico e sofrido, numa injusta e fratricida matança.

Estive em Canudos, por várias vezes, a primeira, nos meus 8 anos e, há dois anos. Em todas às vezes, em meu imaginário, senti a presença de espíritos, de choro, de gritos, gritos de socorro, choro de crianças, correrias, tiros, vozes inaudíveis, cães em desespero e cheiro de pólvora.

O tema é árduo e longo por sua importância e motivações.

A literatura sobre a guerra é ampla, mas poucos livros abordam com profundidade e autenticidade suas causas e efeitos. Mas, querendo um livro com instrumental de análise preciso, revisito “Cangaceiros e Fanáticos”, de Rui Facó, para mim um clássico.

Sugiro a leitura de “Os Sertôes”, do escritor, Euclides da Cunha, lendo com cuidado, até por sua influência de Lombrosiana, positivista, Darwin, Nina Rodrigues e o positivismo, teorias da época, seguidas por muitos intelectuais.

O livro de Euclides está dividido em três partes, a Terra, o Homem e a Guerra. A última parte, a Guerra, é uma narrativa, um documento e um marco do jornalísmo. Euclides esteve em Canudos, no final da Guerra, como emissário do Jornal Estado de São Paulo. A título de guia, tenho o livro de José Aras, um autodidata, descendente de sobreviventes da Guerra, nascido na Região. Seu livro: “Sangue de Irmãos”.

Temos muitos escritores, a maioria narra fatos, às vezes, fantasiosos, não aprofundam as causas e os efeitos, na perspectiva de seu contexto geográfico, histórico, econômico e político. Meu Interesse pelo assunto vem de longa data, quis mostrar neste texto um pouco de nosso Brasil profundo, complexo e sofrido.

Pretendo continuar refletindo sobre Canudos e o Brasil, sempre o faço, sobremodo sobre temas esquecidos, como são os de nosso Nordeste brasileiro.

JOSÉ MACEDO – Advogado, economista, jornalista e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


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