Por João Batista Damasceno –
Todo ser vivo se alimenta. Isto é natural; decorre da própria natureza. Os humanos se alimentam de coisas diferentes dependendo do tempo e do lugar onde vivam. Isto é cultural. Judeus e islâmicos jamais se alimentam de carne de porco ou camarão. Camarão é a barata do mar. Mas, no Ocidente, a maioria de nós os come apetitosamente. Os povos africanos e orientais têm hábitos alimentares que nos embrulham o estômago e não comem algumas das nossas iguarias. Suas culturas são diferentes das nossas. Uma amiga coreana, na Inglaterra, me relatou a delícia que é cabeça de cachorro cozida e dizia sentir saudades da comida de sua terra. Comer é natural. O que comer e como comer é cultural.
Cultura é um conjunto de valores que permeiam as relações sociais e caracteriza um povo num determinado tempo. São ideias, comportamentos, símbolos e práticas sociais reiteradas por gerações. Cultura é parte da herança social que dá a dimensão da humanidade. Só o ser humano é capaz de produzir cultura.
As expressões culturais distinguem-se dos comportamentos naturais ou biológicos. A cultura é aprendida com a socialização, desenvolvida e transmitida. É um complexo de comportamentos e conhecimentos; são crenças, artes, normas de conduta e costumes. Cultura é a forma de viver, de interagir e de se organizar de um povo, transmitida de geração para geração a partir de vivência e tradição comuns. É a identidade do povo.
A democracia não é natural. Trata-se de um valor social que compõe a cultura de determinados povos. Nem todos os povos primam pelos valores democráticos. Nem todas as pessoas a desejam. Nem todo poder é exercido pelo povo ou em seu nome. O exercício do poder pode ser justificado pela tradição, pela crença nos dons espirituais do líder ou no consenso sobre o que é melhor para o grupo. O poder tradicional é inquestionável.
O respeito ao passado eterno nos faz reverenciar a quem devemos. O poder mítico igualmente é inquestionável, pois questionar o líder corresponde a confrontar a origem divina de seus dons. Só o poder constituído pela vontade da sociedade organizada pode ser questionado pelos cidadãos. Mas, isto numa democracia. Ditaduras usam a força contra os que as questionam.
Quem segue um líder carismático na qualidade de rebanho não preza pela democracia. Mas, por ser rebanho. A democracia se caracteriza pela razão da maioria. E nem sempre a maioria é justa. O julgamento de Cristo fundou-se na razão da maioria, mas foi injusto porque não respeitou o direito do indivíduo sujeito ao julgamento. Aliás, não houve propriamente um julgamento. Mas, um linchamento. Desde antes da apresentação a Pilatos o justo já estava determinado ao sacrifício. E não bastou que o governador lavasse as mãos. Os sacerdotes, sedentos pelo dinheiro que o templo rendia, promoveram a tortura e a crucificação do inocente.
A cultura democrática é algo que se constrói e que se lega a gerações posteriores. E, somente pode ser construída com valores democráticos. Democracia é uma prática reiterada que vira costume e valor social.
A existência da democracia pressupõe um acordo prévio de que todos aceitem que a sociedade seja democrática e que as deliberações sejam fundadas na razão da maioria, com respeito às minorias. Os mecanismos de acomodação social pela repressão são incapazes de contribuir para a democracia. Mas, as democracias vivem um dilema: que fazer com os que não queiram a democracia? Que fazer com os que atentem contra a democracia? É democrático punir quem não deseja participar do pacto pela democracia?
Numa sociedade democrática, aqueles que atentam objetivamente contra a democracia devem ser responsabilizados. Mas, a responsabilização deve se limitar aos atentados à ordem democrática. As discussões sobre os rumos da sociedade fazem parte do ajuste inicial, pois sem liberdade não se pode construir a cultura democrática.
Os excessos de linguagem podem ser controlados por meios diversos que não sejam o repressivo.
JOÃO BATISTA DAMASCENO – Professor da UERJ, Doutor em Ciência Política (UFF), Juiz de Direito substituto de Desembargador do TJRJ, membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia, colunista do jornal O Dia, conselheiro efetivo da ABI, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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