Redação

Nos últimos anos, o continente asiático passou por diversas mudanças com a ascensão econômica e política de países como Japão, Coreia do Sul e mais recentemente, a China. A Ásia Oriental é a região central em torno dessas mudanças. O Japão, uma das nações pioneiras em tais mudanças é um ator estratégico para compreendermos melhor como ocorrem as relações políticas e econômicas desta parte do mundo, em especial sua cooperação com países como China, as Coreias e Rússia.

Levando em conta este cenário, a Revista Intertelas solicitou ao cônsul-geral do Japão no Rio de Janeiro Tetsuya Otsuru, que respondesse algumas perguntas. Aqui o diplomata esclarece questões sobre as relações entre Japão e seus vizinhos, sobre os desafios que a sociedade japonesa enfrenta hoje, como o fato do país estar adaptando-se à pandemia do coronavírus e ele ainda conta sobre sua atuação nas redes sociais, promovendo uma aproximação inédita do consulado com o público local. Confira a entrevista abaixo.

O evento “Impressões do Japão”, parte do “Mês do Japão”, contou com a participação do cônsul geral da China no Rio de Janeiro Li Yang. Crédito: Alessandra S. Brites/Revista Intertelas.

Hoje países como China e Coreia têm maior destaque no cenário internacional, como acha que o Japão poderia colaborar com ambos, para uma maior estabilidade no Leste da Ásia?

A China é um dos parceiros mais importantes para o Japão. Antes da pandemia eclodir, houve contatos de alto nível entre os chefes de governo e ministros das relações exteriores. Além disso, havia iniciativas conjuntas em desenvolvimento nas áreas de esporte e cultura.

Nossas relações econômicas com a China são muito fortes, especialmente em comércio e investimento. Nossos países são interdependentes. O caminho é seguir construindo uma relação ainda mais sólida e madura, além de ampliar e aprofundar os contatos nas mais diversas áreas, contribuindo para a prosperidade na Ásia e no mundo.

Na relação com a Coreia do Norte, assinamos em 2002 a Declaração de Pyongyang, onde concordamos em resolver de forma abrangente os temas pendentes, como os sequestros, o programa nuclear e os misseis balísticos, visando normalizar as relações diplomáticas. Porém, sem solucionar a situação dos sequestros, não será possível alcançar a normalização das relações com a Coreia do Norte.

A Rússia é outro país estratégico para a Ásia Oriental, vizinha do Japão e que nos últimos anos retorna a fortalecer a sua posição no cenário internacional. As pessoas em geral pensam que a relação Japão-Rússia é marcada somente por conflitos. Sabemos que não é. Que exemplos de cooperação entre os dois países o senhor destacaria?

É verdade que existem algumas questões abertas com a Rússia como a de território. Por outro lado, é frequente a comunicação de alto nível, entre chefes de governo e ministros das relações exteriores. Isso faz as relações avançarem em áreas importantes como segurança e intercâmbio de profissionais e jovens.

Como exemplo do objetivo de ampliar as trocas entre os países, e como consequência de acordo bilateral com a Rússia, em 2018 e 2019 ocorreram o “O ano do Japão na Rússia” e “O ano da Rússia no Japão”. Foram mais de 600 eventos relacionados a esse calendário e 1,6 milhões de pessoas participaram.

Em 2018 e 2019, Rússia e Japão realizaram a iniciativa de cooperação cultural “O ano do Japão na Rússia” e “O ano da Rússia no Japão”. Em 2018, o presidente russo Vladimir Putin e o primeiro-ministro japonês Shinzo Abe lançaram o ano transcultural russo-japonês em uma cerimônia no Teatro Bolshoi em Moscou. Crédito: Prime Minister´s Office of Japan.

A Ásia vem tornando-se um polo econômico bastante forte, o que países como o Brasil, localizados em outras regiões distantes do continente asiático, poderiam aproveitar desta nova realidade que o continente está apresentando ao mundo?

Existe um fórum inter-regional para promover o intercâmbios entre os países dos dois continentes, o Fórum Para a Cooperação do Leste da Ásia e da América Latina (FEALAC). No âmbito da FEALAC são discutidos diversos temas como as experiências de desenvolvimento econômico da Ásia e projetos de cooperação.

A FEALAC é um fórum que não trata só de economia, mas também de programas de intercâmbio cultural e projetos relacionados à mudança climática, em um esforço para aumentar os benefícios mútuos. Queremos seguir utilizando esse foro como um mecanismo para alcançar prosperidade para as duas regiões.

Como o senhor avalia o impacto do grupo BRICS para o mundo? E como o Japão poderia colaborar com eles?

Os países dos BRICS conseguiram desenvolver suas economias empregando seus recursos naturais e mão-de-obra abundantes. Para o Japão, onde temos o fenômeno da baixa taxa de natalidade e do envelhecimento populacional, a força que os BRICS demonstram é muito atraente. Daqui em diante, queremos aprofundar a relação tanto nos canais econômicos, quanto na diplomacia cultural e nas iniciativas de intercâmbio de estudantes e jovens líderes destes países.

O Brasil participou em Santo Domingo da “XX Reunião de Altos Funcionários do Foro de Cooperação América Latina- Ásia do Leste. que celebra os 20 anos do Foro. Crédito: Facebook da Embaixada do Brasil em São Domingos.

Sobre as relações Brasil e Japão, o que o senhor apontaria como bons resultados e o que poderia ser aprimorado?

Como foram realizadas três reuniões entre os chefes de governo no ano de 2019, a relação do Japão e o Brasil está consolidada como nunca antes. Desde 2014, nos baseamos na premissa dos “Três Juntos (Progredir Juntos, Liderar Juntos, Inspirar Juntos)”, com cooperação ativa nas áreas de economia e de programas de intercâmbio. No futuro, queremos desenvolver ainda mais essa relação e ao mesmo tempo, queremos focar em fortalecer os laços com a comunidade Nikkei, descendentes de japoneses, no Brasil, que é maior fora do Japão.

Com o advento do coronavírus, infelizmente, vemos uma onda de preconceito contra asiáticos no ocidente, como o Japão vem respondendo a este desafio?

Antes de surgir na Europa ou América Latina, a expansão de novo coronavírus ocorreu na Ásia. Porém, lamento que isso tenha instigado a discriminação e o preconceito contra os asiáticos, incluindo os japoneses. Aqui no Rio de Janeiro, houve o caso de um estudante asiático que foi agredido com palavras discriminatórias no Metrô. Fiquei muito triste com isso.

Ao mesmo tempo, vemos o movimento “Black Lives Matter” espalhando-se dos EUA para todo o mundo. O Japão está empenhado em criar um mundo sem discriminação. Acredito que a comunidade internacional pode atuar em conjunto para vencermos esse desafio sem precedentes, da pandemia combinada com a discriminação.

Como o Japão está adaptando-se à realidade do coronavírus, ao mesmo tempo que é a sede das olimpíadas?

Nesse momento em que ainda não temos uma vacina para o coronavírus, a cidade de Tóquio está se adaptando a um novo estilo da vida. No Japão, cada um de nós deve tomar as medidas básicas para não se contaminar, como por exemplo usar máscara e lavar as mãos. O governo também recomenda evitar as aglomerações no dia-a-dia.

Além disso, muitas empresas passaram para os regimes de “home-office” e de reuniões virtuais, como parte deste “Novo Normal”. Infelizmente tivemos essa pandemia em nosso planeta e por isso os Jogos Olímpicos de Tóquio foram adiados para o ano que vem. Contudo, nós estamos trabalhando arduamente para criar um ambiente seguro para realizar os Jogos Olímpicos. Creio que em 2021 os Jogos terão um papel de reconfortar a humanidade que este ano está enfrentando esta imensa dificuldade.

Se o senhor pudesse listar, quais seriam os desafios principais que a sociedade japonesa enfrenta neste início de século XXI e como poderia superá-los?

Um grande desafio que a sociedade japonesa enfrenta é o demográfico, com baixa taxa de natalidade e envelhecimento populacional. Nossa população jovem está diminuindo. Há previsões que mostram que em 50 anos, os idosos com mais de 65 anos de idade serão 40% da população.

Olhando para esse desafio, devemos pensar em alternativas. Há opções possíveis: ampliar a mão-de-obra estrangeira e aprofundar a automação na produção com o uso da inteligência artificial por exemplo.

Por sua vez, essas alternativas nos levam à novas demandas, para alcançar a sociedade da coexistência intercultural e para ter a infraestrutura necessária para a privacidade e a segurança tecnológica. Tomar essas medidas que eu mencionei, de forma simultânea, requer um tratamento cuidadoso desses assuntos, porque eles são complexos.

Crédito: National Institute of Population and Social Security Research.

Você já expressou nas suas postagens que futuramente o Japão pode tornar-se uma sociedade multicultural, em razão do número cada vez maior de imigrantes e seus descendentes que vivem no país. A questão da imigração e do multiculturalismo estão no centro do debate político mundial atualmente, qual a sua visão sobre eles?

A vasta experiência que temos com o Brasil serve de referência para a criação de uma sociedade multicultural no Japão. Cerca de 200 mil brasileiros vivem no Japão, e este é um ano a ser celebrado, pois comemoramos 30 anos da comunidade brasileira no Japão. A cidade anfitriã do Time Brasil durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio será Hamamatsu, na província de Shizuoka, que irá receber o maior número de atletas da delegação brasileira.

Lá tem uma grande comunidade brasileira, com escolas que lecionam língua portuguesa e podemos ver pela cidade placas escritas em português. Podemos desfrutar de churrascarias, eventos de samba com quase o mesmo nível do Brasil. Espero que, tendo como modelo para o governo local a cidade de Hamamatsu, com seu longo histórico em acolher estrangeiros, possamos construir uma sociedade multicultural. Mas ao mesmo tempo, talvez possamos usar como referência a iniciativa do Brasil, que por tanto tempo veio acolhendo os descendentes japoneses.

Normalmente, as pessoas têm uma visão ainda bastante estereotipada sobre o Japão. Isso ocorre tanto no Brasil, quanto em outros países. O Brasil também acaba sofrendo com o mesmo problema. Acreditamos que quando nos conhecemos melhor, menos conflitos são gerados. Como a diplomacia cultural, ou até outras medidas governamentais, poderiam auxiliar a um conhecimento mais profundo sobre os países e suas culturas?

O Brasil possui a maior comunidade japonesa do mundo, e é um país com muitas pessoas aficionadas e conhecedoras do Japão. Por outro lado, dentre os brasileiros comuns, devem ter ainda muitos que confundem as culturas japonesa, chinesa e coreana, não é mesmo?

Uma das nossas funções é a propagação da verdadeira cultura japonesa e regularmente realizamos eventos para apresentar esta cultura. Em fevereiro e março deste ano, realizamos no Centro Cultural Correios do Rio de Janeiro um evento chamado Mês do Japão (veja a reportagem que a Intertelas realizou na abertura do evento). Além da exposição de pôsteres, calendários e peças de origami, fizemos um concerto musical, mostra de filmes japoneses, e workshops de mangá, origami e ikebana, e recebemos muitos visitantes. Depois que passar a pandemia do coronavírus, gostaria de retomar este tipo de evento. Além disso, no momento estamos planejando eventos culturais online.

Ao mesmo tempo, o Consulado-Geral tem como uma de suas importantes funções transmitir corretamente a todas as camadas da sociedade japonesa notícias e informações relacionadas ao Brasil. Acredito que isso contribuirá para corrigir as imagens possivelmente estereotipadas entre os japoneses. Todos os funcionários deste Consulado Geral estão trabalhando nisso, juntos, todos os dias.

O Brasil, assim como outros países da América do Sul, tem uma forte influência da cultura europeia e dos Estados Unidos. A Ásia e suas culturas estão também presentes há séculos na região, porém não com a mesma intensidade. Como o senhor avalia o futuro da presença cultural do Japão e da Ásia como um todo no Brasil e na América do Sul?

Como o Brasil tem o histórico de ter acolhido imigrantes de diversos países, recebeu fortes influências culturais de muitos deles, principalmente da Europa. A imigração japonesa começou em 1908, e atualmente há no Brasil uma comunidade japonesa de dois milhões de pessoas. Além disso, também temos o trabalho da comunidade Nikkei que se esforçou para espalhar a culinária japonesa, suas verduras e legumes. Sinto que a presença cultural japonesa aqui não é pequena.

Por outro lado, agora está nascendo a sexta geração de descendentes de japoneses, e a medida que avança a mudança de gerações, o governo japonês busca aprofundar a compreensão do Japão atual, através do programa de convite a nipo-brasileiros na América do Sul. Além disso, nosso Consulado divulga a cultura japonesa através das mídias sociais e eventos culturais.

O senhor gosta um pouco da cultura brasileira. Qual aspecto parece-lhe mais interessante? Tem algum hábito brasileiro que o senhor adquiriu desde que chegou aqui?

Não é um pouco, é muitíssimo! Acho que tem aspectos diferentes e parecidos entre brasileiros e japoneses. Tenho a impressão de que os brasileiros sabem aproveitar a vida muito mais que os japoneses. Pelo menos eu sinto que meu coração se enriquece mais quando estou dançando com todo mundo no Carnaval, ou vendo o sol se pôr na praia de Ipanema, do que se eu estivesse dentro de um trem lotado em Tóquio. No entanto, talvez no que diz respeito à profundidade do “pensar no próximo”, tanto os brasileiros como os japoneses tenham excelência em comparação a outros povos do mundo. Além do mais, nas danças tipo samba, ou então nos dribles de futebol, vocês brasileiros são dezenas de vezes melhores que nós japoneses, sem nenhuma dúvida.

Apesar da pandemia, quais têm sido as ações do Consulado para incentivar o gosto pela cultura japonesa?

O Consulado já costumava postar conteúdos sobre a cultura japonesa ativamente nas redes sociais como o Instagram e o Facebook. Porém com a disseminação da infecção do coronavírus, não foi mais possível realizar eventos com aglomeração e com isso a importância do uso das redes sociais ficou ainda maior. Desde que comecei a trabalhar aqui, comecei a usar o Instagram pela primeira vez. Apresento não só a cultura japonesa, mas também os encantos do Rio e coisas que eu sinto na vida cotidiana. Ficaria feliz que pudessem seguir as nossas redes e aprofundar o interesse pela cultura japonesa.

O senhor é bem articulado nas redes sociais. Como percebe essa relação de um consular com o público mais amplo que lhe acompanha?

Eu comecei a usar o Instagram em novembro do ano passado e estamos com mais de 2.500 seguidores. Tem um limite de pessoas com quem eu posso conversar realmente. É um grande prazer poder interagir através do Instagram com tanta gente e eu ficaria muito feliz se as pessoas que veem as minhas postagens, possam ficar mais alegres na difícil situação que encontramos hoje. Na verdade, se alguém tiver pedido com sugestão de assunto para eu falar a respeito, vou adorar receber comentários.

“O Cônsul Geral do Japão no Rio de Janeiro no Instagram, o sr. Tetsuya Otsuru, tem cedido o espaço para o chef de sua residência, o sr. Takeo Shingu, para ensinar aos seus seguidores várias receitas de comida japonesa”. )lique na foto para acompanhar o instagram do Consulado Geral do Japão no Rio). Crédito: Facebook Consulado Geral do Japão no Rio de Janeiro.

Quando as pessoas encontram com autoridades japonesas, normalmente acontece de valorizarem muitos aspectos do Japão, comparando-os com a cultura brasileira. Mas, se o senhor pudesse falar de hábitos parecidos entre brasileiros e japoneses, qual ou quais o senhor destacaria?

Aqueles que já visitaram o Japão, talvez possam ter tido a experiência de excelentes recepções e serviços. A esse respeito, acho que a maioria dos turistas que visitam o Rio de Janeiro, um dos principais destinos turísticos do Brasil, são atraídos não somente pelas belas praias e paisagens, mas também pelo sorriso alegre e a gentileza carioca. Penso que como mencionei anteriormente, o termo em comum de “pensar no próximo” existe no fundo tanto para o brasileiro quanto para o japonês.

Entrevistadores

Alessandra Scangarelli Brites
Editora-chefe da Revista Intertelas, jornalista (PUCRS), escritora, tradutora e pesquisadora vinculada ao MidiÁsia (Grupo de Pesquisa em Mídia e Cultura Asiática e Contemporânea da UFF) e ao Grupo de Estudos 9 de Maio. Especialista em Política Internacional (PUCRS) e Mestre em Estudos Estratégicos Internacionais (UFRGS). Além de jornalista, trabalhou como assistente de produção e conteúdo em algumas empresas de cinema do Rio de Janeiro

Mateus Nascimento
Colunista da Revista Intertelas, mestre em História Social pela Universidade Federal Fluminense (PPGH-UFF). Graduado em História pela mesma universidade. Pesquisador efetivo do Centro de Estudos Asiáticos (CEA-UFF), do Núcleo de Estudos Tempo Literário do Instituto Cultural Brasil-Japão e do MidiÁsia/UFF – Grupo de Pesquisa em Mídia e Cultura Asiática Contemporânea. Membro da Red Iberoamericana de Investigadores en Anime y Manga (RIIAM) e da Academia Nipo-Brasileira de Estudos de Literatura Japonesa (atuando como seu vice coordenador no triênio 2019-2021)

Edição e pesquisa de vídeos/imagens: Alessandra Scangarelli Brites


Fonte: Revista Intertelas