Por José Carlos de Assis

Dizer que equilíbrio fiscal contribui para um ambiente favorável ao investimento privado é uma falácia.

A “resposta” de Armínio Fraga aos questionamentos de Lula a respeito da indiferença do chamado mercado a questões cruciais como a necessidade de maiores gastos públicos para atender às necessidade do povo pobre indica o grau de arrogância com que alguns milionários e tecnocratas tratam as políticas públicas no Brasil. Armínio fala em necessidade de equilíbrio fiscal como uma espécie de imperativo para a retomada do desenvolvimento econômico. É um equívoco e uma falácia.

Não conheço nenhum país do mundo que se desenvolveu com equilíbrio fiscal. Vejo, sim, países como a China que planejam e realizam grandes investimentos públicos que se convertem em produção, equilibrando oferta e demanda no mercado, sem gerar inflação. É o princípio da Teoria Moderna Moderna, a que um número crescente de economistas está aderindo nos últimos tempos, depois das grandes frustrações de décadas com políticas fiscais restritivas, sobretudo em países em desenvolvimento sob os critérios do Consenso de Washington.

Planejar adequadamente gastos públicos acima de receitas orçamentárias foi o que o Brasil fez na maior parte do regime militar, apresentando uma das maiores médias de crescimento de sua história. Não fosse a ditadura seria uma história de sucesso. É verdade que, do ponto de vista econômico, fizemos isso recorrendo a dívida externa. Acontece que não devemos ter medo de dívida pública se ela é aplicada adequadamente em projetos produtivos e responsáveis.

Foi graças a dívida pública, externa e interna, que construímos a Petrobrás e a Eletrobrás, duas gigantes mundiais na área da energia, que a dupla de “assassinos” econômicos Bolsonaro e Guedes começaram a doar ao mercado, praticamente de graça – uma política que, como Lula anunciou, vai acabar. É isso que gente como Armínio não quer. Para ele, o Estado deve abandonar metas estratégicas de investimento, embora não se oponha a subsidirar, com políticas de juros estratosféricas, a “economia privada da especulação”, em confronto com “economia da produção”.

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De fato, dizer que equilíbrio fiscal, como faz Armínio, contribui para um ambiente favorável ao investimento privado é uma falácia.

O desequilíbrio fiscal é necessário para o crescimento econômico. É que, com ele, o governo injeta mais recursos novos na economia, irrigando o mercado e beneficiando indiretamente o próprio setor privado através do sistema bancário, multiplicador da moeda originária do déficit público. Mas é preciso que o investimento privado seja real, e não apenas um simulacro dele, como acontece no Brasil.

De fato, os investidores internacionais “usam” o Brasil como uma “economia de especulação”, que podem explorar livremente, em articulação com o sistema bancário interno. Notem o que acontece com o sistema de crédito brasileiro. Tentem comprar uma geladeira à vista! Não encontrarão. As lojas impõem vendas a crédito supostamente sem juros, para incluírem juros absurdos nas prestações mensais, que estão levando às alturas o endividamento das famílias brasileiras. Trata-se de uma agiotagem camuflada.

Os bancos brasileiros – ou braços brasileiros de bancos estrangeiros – são cúmplices nesse processo, porque seus parceiros internacionais dão o suporte externo de crédito para que a conta feche com elevado lucro para ambas as partes. Isso, de forma alguma, pode ser considerado investimento externo. É simples especulação sob a visão protetora do Banco Central independente.

Se for para garantir um sistema como esse, a estabilidade fiscal não interessa ao Brasil. Para acesso ao crédito internacional, será melhor que busquemos em outras paragens, como os BRICS, um sistema financeiro que nos garanta financiamentos a juros baixos e de longo prazo.

Os líderes Manmohan Singh, Dmitry Medvedev, Hu Jintao e Luiz Inácio Lula da Silva, em 2008, na primeira cúpula do BRIC. Surgido em 2009 como uma resposta à crise global do ano anterior, o bloco econômico BRICS, reúne hoje Brasil, China, Rússia, Índia e África do Sul, mesmo com tantas diferenças geopolíticas, está perto de aumentar. Argentina e Irã são os primeiros da fila para ingressar no grupo. Enquanto isso, do lado de fora, os EUA lutam para promover sua agenda global além dos aliados e parceiros tradicionais, sem tirar o olho do que pode vir a acontecer com as potenciais novas adesões. As informações são da revista Newsweek. (Kremlin.ru)

Internamente, não temos muitos problemas para ampliar o investimento público deficitário: podemos emitir moeda soberana, garantida por tributos; temos suficientes recursos naturais, suficientes fontes energéticas e mão de obra em abundância. Precisamos, sim, de planejamento adequado de bons projetos de produção, para aumentar a oferta interna de bens e serviços e não termos problemas de inflação e de alta de custo de vida, desequilibrando a emissão monetária.

Na verdade, não me agrada tratar tudo isso como uma questão técnica. O problema é de natureza política. O que Armínio Fraga faz é colocar-se a serviço do mercado financeiro para defender os próprios interesses, e os interesses de seus amigos de grandes negócios. O que eles chamam de mercado, que supostamente reagiu tão mal às declarações de Lula, não passa de uma meia dúzia de especuladores agarrados a seus privilégios, que tentaram comprar o futuro presidente com algumas declarações de apoio a sua eleição no segundo turno.

Acaso Bolsonaro era melhor para o mercado e para o Brasil?

JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Autor de “A Era da Certeza”, que acaba de ser lançado pela Amazon. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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