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‘Elites dominantes impediram o Brasil de ficar rico’, diz economista
A favela do Morro da Coroa, com o Cristo Redentor ao fundo. (Foto: Mauro Pimentel/AFP)
Economia, Opinião

‘Elites dominantes impediram o Brasil de ficar rico’, diz economista

Redação

O Brasil é um país com imensas manchas de pobreza e ocupa lugar entre os campeões mundiais em desigualdades econômicas e sociais.

Os economistas ganhadores do Prêmio Nobel de 2024 têm uma explicação para as razões que levaram a essa situação não só vergonhosa como contraproducente do ponto de vista social e econômico.

Com base em pesquisas históricas e comprovações matemáticas, os americanos Daron Acemoglu, James Robinson e Simon Johnson encontraram a explicação na qualidade das instituições desenvolvidas nos países originados em colônias de ocupação estrangeira.

Seus estudos, agora premiados, mostram que, quando as regras de convivência social são inclusivas, as sociedades se desenvolvem com maior difusão de bem estar, diferentemente daquelas em que as regras são excludentes, beneficiando apenas uma elite que detém poder político e econômico.

O Brasil foi uma colônia de exploração de seus recursos naturais, diferente do tipo de colônia de povoamento que teve lugar, por exemplo, nos Estados Unidos e Canadá. Pode ser tido como um exemplo do que ocorre quando as instituições são “extrativas” e não “inclusivas”.

Em sua coluna de outubro no jornal “Valor”, o economista Naercio Menezes, professor do Insper e da FEA-USP (Faculdade de Economia, da Universidade de São Paulo), produziu uma espécie de “tropicalização” das teorias dos ganhadores do Nobel. Menezes traz dados que relembram e comprovam as resistências da elite dirigente brasileira em aceitar a inclusão da população aos benefícios do progresso social e econômico.

Para começar, como lembra Menezes, a possibilidade de mudança nesta situação vexatória pelo caminho recomendável do voto em eleições regulares demorou até 1985 para ser universalizada, pois até essa data recente no tempo histórico analfabetos não podiam votar.

A esse respeito, o economista, especialista em economia da educação, mostra que a evolução educacional brasileira se caracterizou por grande lentidão até pelo menos fins do século 20. Menezes compara a evolução do percentual de americanos adultos com ensino médio, entre 1940 e 1970, de 25% para 50%, com a evolução de 1,5% para 7% do total de brasileiros adultos, no mesmo período.

Também recorda que, para uma população de 35 milhões de adultos acima de 24 anos em 1970, havia apenas 570 mil brasileiros com ensino superior completo. Não é por coincidência que cotas sociais e raciais para ingresso na universidade só foram adotadas, depois de vencer gigantescas resistências, já no século 21.

O mesmo em relação à saúde. Hospitais públicos eram exceção até a criação do SUS (Sistema Único de Saúde), na Constituição de 1988. Só no limiar do século 21 foram adotados programas de assistência social em escala.

“Sem uma população educada e saudável trabalhando nos diversos setores da economia ficou impossível nos aproximarmos dos países ricos atingindo a fronteira tecnológica.”, escreve Menezes.

Nesta entrevista, o economista detalha as razões que permitem concluir, à luz das pesquisas dos ganhadores do Nobel de Economia deste ano, por que o Brasil perdeu a oportunidade de ficar rico. Spoiler: a culpa é das elites, que evitaram investir nos direitos da população mais pobre para não perderem sua posição dominante na sociedade.

Duas das questões estudadas pelos ganhadores do Prêmio Nobel deste ano se aplicam ao caso do Brasil. A primeira delas é aquela distinção que se faz normalmente entre as colônias de exploração e as colônias de povoamento ou desenvolvimento. Acemoglu, Robinson e Johnson estudaram empiricamente, se valendo de técnicas econométricas, esses dois tipos de colonização, procurando entender por que eles ocorreram onde ocorreram.

Os países que na época do descobrimento ou da ocupação apresentavam condições climáticas desfavoráveis, com alta mortalidade, por exemplo, se tornaram, geralmente, colônias de exploração, de extração de suas riquezas naturais. Os colonos que se deslocavam para esses lugares imaginavam, em princípio, permanecer por um tempo, sem se estabelecerem definitivamente.

Já colônias consideradas com melhores condições naturais de sobrevivência foram ocupadas por imigrantes, dispostos a iniciar vida nova, sem expectativa de retorno ao lugar de origem.

A diferença entre os objetivos da colonização determinaram as características das instituições sociais estabelecidas?

Sim. Nas colônias de desenvolvimento, caso dos Estados Unidos e Canadá, por exemplo, desde o início, as regras sociais previam direitos de propriedade e investimento em educação para todos. Buscavam, vamos dizer, proteção para todos.

Já nas colônias de extração, as regras estabelecidas pelos colonizadores buscavam assegurar a exploração da mão de obra local e a transferência dos recursos para as metrópoles. As elites locais que foram se formando se associaram à metrópole para justamente continuar a explorar a população local. É o caso do Brasil.

Por que, nas colônias de exploração, que, aos poucos, incorporaram massas de imigrantes, não evoluíram para instituições inclusivas, como nas colônias de povoamento?

A explicação para esse fenômeno é uma das contribuições mais importantes dos premiados com o Nobel deste ano. De acordo com as teorias que desenvolveram, a evolução das instituições depende fundamentalmente da luta pelo poder entre as elites e o restante da população.

Como procurei descrever no artigo do “Valor”, os países com instituições extrativas permanecem pobres porque as elites locais, que detêm o poder de fato, não têm interesse que a maioria da população seja efetivamente incluída na sociedade. Para não correrem o risco de perda do poder político e econômico, dificultam o acesso da população à educação, saúde, Justiça, direitos de propriedade e voto.
Quais as principais consequências desse arranjo social não inclusivo?

Uma dessas consequências, destacada em trabalhos dos ganhadores do Nobel, é a impossibilidade ou a dificuldade de aproveitar as inovações tecnológicas. Para aproveitá-las a mão de obra precisa ter direitos — à educação, saúde e outros a que as elites têm acesso. Sem isso, a sociedade e a economia vão ficando para trás e cada vez mais para trás. Essa sociedade não consegue se desenvolver e ficar rica.
Parece que esse roteiro se aplica bem ao Brasil.

Sem dúvida. Nossa sociedade é altamente desigual, enfrentou e ainda enfrenta fortes barreiras à inclusão. Uma elite extrativa tem pouco interesse, por exemplo, em inovações. Por quê? Essas inovações, se bem aproveitadas, vão aumentar a produtividade, a renda e, enfim, o bem-estar de todos.

Mas, de novo, essa melhoria geral parece trazer riscos para o poder da elite. Então, como mostram estudos dos ganhadores do Nobel, o que se vê é a elite pregando a necessidade de inovação, mas na prática preferindo manter sua posição relativa de poder diante do restante da população. Isso fica evidente quando, por exemplo, há restrições ao acesso da população à educação, e, em consequência, às vantagens sociais e econômicas trazidas por inovações.

Se o desenvolvimento inclusivo seria mais vantajoso para todos — elite e a massa da população —, o que faz com que a elite, no fim das contas, opere contra ela mesma?

Para responder, é preciso voltar aos estudos dos ganhadores do Nobel. Todo o esforço deles é o de trazer as questões do poder político e social para a análise econômica e para os modelos explicativos do desenvolvimento econômico.

Quando analisam as implicações das novas tecnologias, Acemoglu, Robinson e Johnson estão preocupados com o poder que isso pode gerar para as empresas de tecnologia. Mas também tentam entender as elites tradicionais, dos setores econômicos tradicionais, as elites coronelistas, que conhecemos bem, e são fatores de atraso político, social e econômico.

Manter a desigualdade social e econômica é, em resumo, a expressão prática desse objetivo das elites em conservar poder, relativamente ao resto da população?

É interessante observar que, em várias instâncias, como na questão da distribuição dos impostos, a elite também se beneficiaria se o país fosse mais instruído, mais produtivo, com menos criminalidade, enfim, mais igualitário.

No final, se isso ocorresse, também a elite pagaria menos impostos, porque todos seriam mais ricos e contribuíram mais, ou seria menos pressionada a pagar mais impostos, e viveria num lugar menos perigoso, com menos criminalidade.

Historicamente, porém, não há dúvida de que, mesmo podendo se beneficiar mais com instituições mais inclusivas, a elite, nos lugares em que as instituições são extrativas, sempre preferiu manter recursos concentrados em suas mãos.

Tem como reverter essa situação?

O Brasil mudou nos últimos 30 anos. Foi criado o SUS (Sistema Único de Saúde), foram introduzidas as cotas nas universidades públicas, universalizou-se o ensino fundamental, implantou-se o Bolsa Família. É uma mudança lenta, ainda há resistências, mas houve progressos. Hoje o copo está meio cheio e meio vazio.

Ainda há muita resistência e a gente vê isso nos subsídios para setores específicos e, em muitos casos, mais atrasados, privilégios com dinheiro público, políticas de proteção a setores e grupos de um modo geral. De outro lado, se ainda há muito a avançar, numa comparação histórica, houve avanços significativos.

Fonte: UOL, por  José Paulo Kupfer

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