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Pai bom existe (Parte I) – por Ana Maria Iencarelli
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Pai bom existe (Parte I) – por Ana Maria Iencarelli

Por Ana Maria Iencarelli

A Função Paterna não é um Direito. É uma responsabilidade, é um cuidado afetivo, é um Dever.

Sim, pai bom existe. Para além do genitor, pai bom existe. O fato de existirem tantos homens tão maus, que usam das diversas formas de violência contra a Mulher/Mãe e contra a Criança, filho ou filha, não quer dizer que todos os homens sejam agressores, pedófilos, violentos ou refinados predadores dissimulados. E, em sua maioria, dissimulados. Há homens bons. Assim como há justos na Justiça.

Agora virou moda querer ensinar pai a ser pai, com “oficinas”, “cursos”, “resoluções”, para disfarçar a gana do controle pelo Poder. Quando é a Mulher/Mãe, a quem é atribuída aquela conhecida acusação, sem comprovação porque não há cientificidade, é diferente. Tratamento psiquiátrico e psicológico compulsórios com Relatórios periódicos para o Juiz ler o que está sendo tratado nas sessões com os dois profissionais. A Ética fica de fora.

Mas, voltando aos bons pais, precisamos entender as dificuldades da construção desse Conceito de Função Pai, como é chamada na Psicanálise. Pai não é um título dado em Cartório. Ele está presente na Certidão de Nascimento, mas a relação pai-filho, ou pai-filha, é uma difícil construção. É pouco acompanhar o pré-natal, ir nas ultrassonografias, escolher o nome do bebê a caminho. Claro que são etapas que oferecem as primeiras oportunidades desse tecido que pode ter muitos fios como os lençóis egípcios de algodão puro, ou pode começar como uma renda, e assim continuar ou não. A firmeza desse tecido afetivo é multifatorial.

São emoções inéditas em sucessão que descortinam lugares afetivos novos. E que não se repetem nos outros filhos que podem vir porque são edificações relacionais únicas. O pai que exerce bem essa Função, não é o mesmo pai de cada filho seu. Se a genética aponta a mesma autoria, cada filho é um indivíduo e encontra um pai em ponto único em sua linha do tempo. Portanto, uma relação pai-filho/filha pode ser facilitadora com alguma aprendizagem, pela experiência vivida, mas não garante um diploma de “já sei como é”. Não sabe. É novo.

Seguindo os primeiros passos, o homem que quer se tornar pai daquele bebê tem que buscar cada pedacinho para essa construção. São muitos os elementos necessários, indispensáveis, que ele tem que adquirir, quase todos proibitivos aos homens. Mas vamos começar por pensar na quebra da onipotência masculinista de fundo, que vem carreando o medo, a sensibilidade, a postura diante de tamanha vulnerabilidade.

Não existe instrução nem cartilha que ensine afetos puros, emoções que desconcertam, muito menos que, por um decreto-lei, desinstale o modelo machista/patriarcal estrutural que está em vigência há séculos e séculos, e instale uma nova configuração.

Esse trabalho de reformatação é solitário, repudiado pela maioria do entorno, homens e mulheres, e só conta com um respaldo da Mulher/Mãe que permite esse acesso ao bebê vivido nesse início como “algo da mãe.” A manutenção do modelo de “pai ótimo porque troca fralda de vez em quando” é confirmada sorrateiramente.

Como deixar chegar a impotência, a sensibilidade, o choro, quando a emoção é grande? E deixar ficar. Isso é essencial para fundar a relação pai-filho/filha. Deixar ficar sem escorregar para o modelo masculino vigente que usa o pequeno poder da agressividade ou do abandono por afastamento para se livrar da angústia provocativa da impotência. Suportar o choro do bebê sem saber seu motivo, e só restar aconchegar no colo forte, distinto do colo macio da mãe. Essa complementariedade é muito favorável ao desenvolvimento do bebê, quando os dois colos são de qualidade afetiva.

Como deixar se inundar por uma sensibilidade, por uma empatia, quando isso não foi estimulado em toda a sua vida. É desbravar um deserto e não uma floresta. A paciência é fundamental. A observação curiosa conduz a caminhos de compreensão daquilo que está sendo sentido pelo bebê e que ele está falando com o corpo.

Mas, é, exatamente, da impotência paciente que nasce a responsabilidade. A Função Paterna não é um Direito. É uma responsabilidade, é um cuidado afetivo, é um Dever. Tornar-se um bom Pai não se aprende na vida adulta com instruções que focalizam os “Direitos do Pai”. É construído ao longo da Infância de um menino, que precisa ser inserido na Cultura do Cuidado ao Outro, função atribuída apenas às Mulheres. Até nas profissões, vemos o Cuidado como feminino, enquanto a Racionalidade e Chefia são masculinas.

Faz-se necessário que o Cuidado Responsável da Criança, hoje já incluído como Valor Jurídico seja uma realidade vivida pelos meninos.

ANA MARIA BRAYNER IENCARELLI é psicóloga, psicanalista de criança e adolescente, graduada pela Faculdade de Filosofia do Recife da Universidade Federal de Pernambuco, pós graduada pela Université René Descartes, Sorbonne, e Formada pela International Psychoanalytical Association, autora do livro “Abuso Sexual, uma tatuagem na alma de meninos e meninas”, Presidente da Ong Vozes de Anjos e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. 

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