Por Sérgio Vieira –
Portugal / Europa – Séc. XXI.
Escrevo esta coluna inspirado em um recente acontecimento em que estive presente aqui na minha cidade de Aveiro.
Amigos, familiares, e penso que até algumas pessoas anônimas estiveram presentes numa singela homenagem a um amigo falecido. O Antônio Limas.
Amigo esse, com quem tive a honra e o privilégio de privar ao longo de vários anos no mesmo espaço de trabalho.
O Limas era uma pessoa muito especial, de fácil “acesso”, inteligente, trabalhador dedicado, competente e dono de um humor sagaz e fino. O Limas inspirou muita gente ao longo de sua curta vida. Inspirou tanto, que um outro amigo nosso e também colega de trabalho dedicou-lhe um livro. Livro este, que foi distribuído entre os presentes na tal homenagem de que falei anteriormente. O Limas era uma pessoa de afetos e amizades. E isso me inspirou.
Amizade. Palavra de intensidade máxima, e que aqui em Portugal, é levada muito a sério.
Aprendi, ao longo destes já 38 anos em Portugal, a ter uma perspectiva e abrangência desta palavra mágica. É comum em Portugal se fazerem grupos de amigos com os mais diversos intuitos. Conheço grupos de pessoas que se juntam para reverem amigos do tempo da escola primária. Amigos de trabalho e que entretanto já se aposentaram (eu pertenço a um destes). Amigos de armas. Literalmente de armas. São amigos que se conheceram no serviço militar, e mesmo alguns que foram colegas nas guerras coloniais das antigas colônias portuguesas, como, Angola, Moçambique, Guiné, entre outras.
Em um almoço ou num jantar, tudo se discute. Futebol, política, religião. Tudo pode acontecer em um almoço entre portugueses. Confesso que inicialmente estranhava um pouco a vociferação de alguns intervenientes nestes almoços. E pensava pra mim: vai terminar em porrada! As veias dos pescoços se inflavam, a voz subia para um tom de ópera, os palavrões eram tão frequentes que pareciam que substituíam as vírgulas. Porém, todo esse calor coloquial ficava suspenso no ar quando alguém perguntava: “mandamos vir mais uma garrafa?” Era como se uma varinha de condão descesse em cada cabeça clamando calma. Lá vinha a tal garrafa, e uma vez repartida entre os convivas, tudo começava de novo.
Os portugueses exigem fidelidade nas amizades. Não perdoam traições. Por isso, se dão por completo quando são amigos. Nunca falham. É como se fossem o número das chamadas das emergências, tipo, polícia, bombeiros ou ambulância. São como a rede protetora dos trapezistas. Sempre prontos para aparar uma possível queda de um amigo.
Um português, quando encontra um amigo na rua e diz: “vê se aparece. Temos que marcar um almoço/jantar.” Esse almoço/jantar, é mesmo para acontecer. Fica apalavrado. É uma “escritura pública reconhecida em cartório notarial”. E uma vez marcado, é uma falta gravíssima se por acaso falham ao compromisso. Se por acaso, nesse encontro, levamos mais um amigo ou dois…na boa…são bem-vindos. É uma alegria. Passados uns escassos minutos já não se sabe quem são os amigos mais antigos. Ficam todos em perfeita comunhão.
O português não leva ofensas pra casa. Responde à letra, sem ser violento.
Se um amigo português te chama a atenção para alguma coisa possivelmente errada que fazemos, se critica uma atitude nossa, e mesmo se enfurece connosco, não te zangues e analisa bem a situação. Quase sempre ele tem razão, e está te chamando para a realidade. É um raspanete que brota do coração dele.
O português é um povo alegre e festivaleiro. No verão (áááá doce verão!). Não faltam as sardinhadas, a febra de porco na brasa, os churrascos ao ar livre, e até a nossa picanha na brasa que também para aqui é chamada. A picanha, já tem o seu lugar garantido, assim como a nossa caipirinha. É um dado adquirido.
No último dia 14/07, participei num desses passeios em grupo. Éramos perto de 700 bicicletas. Tudo devidamente (como manda a tradição) organizado. Lá fui eu, um idoso fazer 34 kms! Verdade. Acreditem. E como não podia deixar de ser, lá terminamos o passeio num belo parque florestal com muita comida, bebida, música e zumba (esta última, um tipo de ginástica bastante rítmica e com música ao fundo).
Para um português, não há preconceitos na amizade. Ela se faz naturalmente entre homens e mulheres, idosos e crianças. Não há distinção. Tudo é motivo para acrescentarmos mais umas quantas pessoas ao nosso (já imenso) grupo do WhatsApp. Em português, o coletivo de pessoas, é grupo!
Eu próprio, há tempos atrás tive a demonstração da intensidade dessa amizade “Made in Portugal”. Estava em uma situação algo complicada de saúde quer física, quer mental. Não estava bem. Nada bem. Estava internado em uma clínica para a recuperação das minhas forças físicas e recuperar o intelecto que estava bastante afetado.
Contei com a ajuda de um amigo, a que aqui darei o nome fictício de “Antônio”. O Antônio, se fez presente praticamente todos os dias da minha internação. Quer na primeira fase, quer na segunda fase. Na primeira fase, levava-me quase todos os dias os maços de cigarros para aplacar o meu vício (felizmente e facilmente, deixei este vício para trás). Fazia-me companhia pelos breves instantes em que era permitida a visita.
Numa segunda fase, o Antônio, esteve presente também muitas vezes a me visitar, sempre com uma palavra de ânimo e transmitindo bom astral.
O Antônio, é o exemplo vivo da amizade ao estilo português. Sempre presente. Sempre preocupado comigo. Dificilmente, passa um dia sem me ligar ou mandar uma mensagem. O Antônio, talvez nem se aperceba da importância que ele tem na minha vida. É como disse anteriormente, ele é o número de telefone das emergências para o qual eu posso ligar a qualquer hora do dia e da noite a solicitar ajuda. É a minha rede de proteção neste trapézio que é a vida.
Agradeço também aos meus amigos mais chegados que iam aos magotes me visitar aquando do meu internamento. Era uma felicidade quando alguém me avisava: Sérgio, tens uma série de amigos lá em baixo para te visitar. Mas não te esqueças que a visita só dura uma hora. Qual quê…ficávamos na conversa animadamente durante vários minutos além do tempo regulamentar. Em linguagem do futebol, íamos sempre mesmo para o prolongamento. Mesmo até ao minuto 120!
Para terminar, fica aqui o testemunho de um conselho da minha mãe Isolina. Quando cheguei a Portugal em 1986: “Sérgio, lembra-te sempre de uma coisa, aqui em Portugal, quem irão te ajudar são os portugueses. Esquece o Brasil. Teu pai quando chegou ao Brasil em 1951 só contou com gente da terra para ajudá-lo. Aqui em Portugal será a mesma coisa. Conta com os amigos que farás por aqui. Esses sim, serão teus amigos para toda a vida”.
Sábios conselhos de minha mãe. Foi tal e qual, sem tirar nem pôr.
Fiquem bem, até a próxima e façam o favor de serem felizes.
TEMPUS FUGIT, CARPE DIEM!
Ps. – Escrevi esta crônica com o fundo musical de um tema que uma vez o Limas, lá no banco, me recomendou a ouvir: Devil Doll – The Sacrilege of Fatal Arms.
Saudades de ti, amigo!
Não andes na minha frente, posso não saber seguir-te. Não andes atrás de mim, posso não saber guiar-te. Caminhe ao meu lado e sê sempre o meu amigo. (Albert Camus)
SÉRGIO VIEIRA é colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre, representante e correspondente internacional em Aveiro, Portugal. Jornalista, bancário aposentado, radicado em Portugal desde 1986.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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