Redação –
*Reportagem de abertura do Anuário da Justiça Federal 2020, que será lançado no dia 27 de novembro no Superior Tribunal de Justiça.
Está nas mãos do Congresso Nacional a responsabilidade de destravar a Justiça Federal. A 1ª Região, responsável pela jurisdição de 13 estados do país mais o Distrito Federal, pede socorro: a carga de trabalho atual do TRF-1 é de 26 mil processos por desembargador, 260% maior que a média dos demais TRFs, de acordo com dados da Presidência do Conselho da Justiça Federal. Apesar da alta produtividade, o TRF-1 atingiu em 2019 a marca de 568 mil processos em acervo. Nos outros regionais, o clamor é por mais desembargadores para que se possa dar conta do serviço – em 2018, foram distribuídos 474 mil novos recursos aos TRFs.
Para o presidente do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, é hora de agir para corrigir as distorções jurisdicionais. Noronha propôs a criação do TRF da 6ª Região, com a competência reservada ao estado de Minas Gerais, que hoje é responsável por mais de 30% da demanda da 1ª Região. Já aprovada pelo CJF e pelo Plenário do STJ, o anteprojeto de lei seguiu, em 6 de novembro de 2019, para o Poder Legislativo.
O TRF-6, com sede em Belo Horizonte, representará, segundo o presidente do STJ, um novo modelo de corte: moderna, tecnológica, eficiente, com racionalização de recursos financeiros e humanos. “Estamos propondo um novo estilo de gestão, uma revolução nos processos de trabalho, de modo a ter eficiência. Vamos trabalhar em mutirão, com uma secretaria única com pessoal especializado, preparado e treinado”, afirmou em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico.
A disfuncionalidade da Justiça Federal está longe de ser novidade e as tentativas de reorganização têm sido uma constante ao longo das décadas. A definição das cinco regiões foi feita pelo extinto Tribunal Federal de Recursos a partir da Constituição de 1988, e a instalação das cortes completou 30 anos em 2019 (leia reportagem especial que será publicada nesta quinta-feira, 21/11, na ConJur). Há pelo menos 18 anos se discute, no Legislativo, a criação de novos tribunais. As primeiras sugestões de desmembramento encaminhadas ao Judiciário por parlamentares datam de 1995, quando a proposta era criar a 6ª Região em Santa Catarina e a 7ª Região no Paraná.
Projeto que mais avançou, a Proposta de Emenda à Constituição 544/2002, foi aprovada e transformada na Emenda Constitucional 73, em junho de 2013. Criava outras quatro regiões, com sedes em Curitiba, Belo Horizonte, Salvador e Manaus. Quarenta dias depois de aprovada, a medida foi suspensa pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, e desde então dorme em alguma gaveta da corte.
João Otávio de Noronha foi ao Congresso para explicar o teor e a importância da proposta que encaminhou para apreciação parlamentar em 2019. “Estamos criando um tribunal que será um padrão para os futuros tribunais regionais federais”, afirmou. Parlamentares que acompanham projetos do Judiciário reconhecem a necessidade de reorganização da Justiça Federal, mas avaliam que, para que a proposta passe em momento de cortes orçamentários, é preciso empenho pessoal da Presidência do Supremo, ao lado do presidente do STJ, nas conversas com o parlamento.
No Judiciário, o apoio à criação do TRF mineiro é amplo, como apurou o Anuário da Justiça. “Quer em importância econômica, quer em volume de processos, Minas Gerais merece um novo TRF que absorva a torrente de processos que afoga a nossa jurisdição”, afirmou o desembargador Ney Bello, integrante da 1ª Região. “Sem 1/3 dos processos em tramitação aqui, o tempo médio de tramitação no Tribunal da 1ª Região deve cair e passaremos a ter condições de uma prestação jurisdicional mais rápida”, concorda o vice-presidente do TRF-1, Kassio Nunes Marques.
Presidente do TRF-5, Vladimir Carvalho acredita em futuros desmembramentos, vendo a corte em Minas Gerais como “o primeiro disparo” de mudança. “Não acredito que a reforma da 1ª Região pare aí. É questão de tempo”, diz João Otávio de Noronha.
Já o presidente do TRF-2, Reis Friede, é cético sobre os efeitos da criação de outra corte. “Dilatar o número de juízes e tribunais equivale a combater o problema pelos efeitos e não pelas causas”, defende. Ele entende que a urgência deveria estar no enxugamento da burocracia processual e na modernização da gestão administrativa, com auxílio da tecnologia e a ampliação das sessões virtuais de julgamento.
O Conselho da Justiça Federal e o STJ também aprovaram a criação de 54 vagas de desembargador, que serão efetivadas a partir da conversão de cargos de juiz que estão vagos. Assim, o novo tribunal em Minas Gerais contará com 18 julgadores; outros 36 desembargadores ocuparão assentos nos outros cinco TRFs. A 3ª Região continuará com o maior número de desembargadores, 47, e passará a ser seguida pela 4ª Região, com 39. A maior mudança será registrada no TRF-5, com 9 cargos criados, aumento de 60%. “Os processos nascem na faixa de 300 a 400 por mês para cada relator. Ou aumenta [o número de desembargadores] ou o segundo grau afunda”, avalia o presidente da corte, Vladimir Carvalho.
GANHO DE EFICIÊNCIA
Sem acordo para rearranjar os TRFs ao longo dos seus 30 anos, a Justiça Federal agiu em outras frentes para poder desempenhar a contento sua missão. A tecnologia teve papel importante nesse processo. Um ganho recente nas cortes é o julgamento virtual, que só não é praticado no TRF-5, o menor tribunal e o único que não especializa os julgamentos.
A inauguração do plenário virtual no TRF-2, gerou a expectativa de que até o final de 2019 mais da metade da movimentação processual se dê via on-line. “As sessões virtuais conferem uma celeridade importante na apreciação das ações repetitivas, preservando as garantias das partes. Isso permite que os magistrados tenham tempo para se dedicar a temas mais recentes e complexos, que demandam estudos e ponderações. Assim, as discussões só precisam acontecer em situações específicas, em que haja divergência”, explica Guilherme Calmon, do TRF-2.
Da mesma forma, a implantação do processo eletrônico está consolidada em quatro cortes, com mais de 90% dos casos ingressando em formato digital. Ela está praticamente concluída nos TRFs da 5ª e da 4ª Regiões, com 99,5%, e também no TRF-2 (97,8%) e no TRF-3 (90%). Na 1ª Região, a mais atrasada na informatização, 49,2% de novos casos tramitam por via eletrônica, o que não deixa de ser um avanço. Em 2017, a informatização chegava a apenas 19% dos casos. “O primeiro grau também registrou crescimento, passando de 41%, em 2017, para 50% de casos novos eletrônicos em 2018”, registra o diretor-geral do TRF-1, Carlos Frederico.
A massiva movimentação processual da maior região administrativa da Justiça Federal tem esbarrado em iniciativas como a criação de câmaras regionais, descentralização autorizada pelo CJF, que vai completar cinco anos. Embora os juízes convocados tenham conseguido dar vazão aos processos previdenciários nas câmaras de Minas Gerais, na da Bahia já há sinais de esgotamento. Cálculos feitos pela Presidência do TRF-1 estimaram que o colegiado levaria 36 meses para julgar todo o acervo, o que levou à suspensão do envio de novos.
“Não vejo como normal todo mundo ter que entrar na Justiça para revisar a sua aposentadoria. Algo está errado e precisa ser visto. Ou estamos com a litigância sem fundamento em excesso ou estamos com um órgão que está sendo ineficiente e está desrespeitando um direito assegurado na Constituição de uma justa aposentadoria, na forma da lei”, avalia o presidente do STJ, João Otávio de Noronha.
Presidente do TRF-4, Victor Laus diz que não faz sentido braços do poder público criarem dificuldades para os outros. “Estes dois lados têm de trabalhar entrosados. Isso se chama política de redução de demandas. Esperamos contar com AGU, Procuradorias Públicas, INSS, com a Caixa Econômica, enfim, com as várias agências governamentais que movimentam o Poder Judiciário”, comentou em sua posse.
A realidade das turmas da Seção Especializada em Direito Previdenciário do TRF-3 chamou atenção e gerou uma tendência de crescimento dos acervos nos gabinetes, já que a distribuição cresceu em relação ao ano anterior. O desembargador Carlos Delgado aponta para o aumento das demandas resultantes das concessões de auxílio-doença previdenciário e outros benefícios temporários.
Com o recrudescimento da fiscalização dos prazos e laudos destes benefícios promovido durante a administração de Michel Temer, os processos se avolumaram. O número de processos distribuídos mostra um crescimento significativo, de 70% em média, nas quatro turmas do TRF-3. Segundo Delgado, os servidores e desembargadores estão entre os mais capacitados, mas “há um limite da capacidade humana” de apreciar e julgar os casos.
Na 4ª Região, as câmaras descentralizadas de previdência de Santa Catarina e Paraná ganharam nova competência a partir de outubro de 2018: passaram a julgar também os pedidos de remédios e de tratamento. A corte agora quer replicar a experiência para descentralizar as turmas que julgam matéria administrativa, que também têm movimentação processual excessiva.
A Justiça Federal de segundo grau tem o INSS como seu maior cliente. Dados do relatório Justiça em Números 2019 indicam que a matéria rende as cinco demandas mais recorrentes nos tribunais regionais federais: auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de contribuição e renda mensal inicial.
Desembargadores consultados pelo Anuário da Justiça Federal se dividiram sobre o impacto que a reforma da Previdência deve causar no Judiciário. A avaliação é que as mudanças aprovadas em outubro de 2019 devem gerar ainda mais questionamentos no Judiciário, como de praxe quando o governo realiza reformas, mas que o real impacto vai depender das regras de transição e da análise de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal.
O desembargador Reis Friede, presidente do TRF-2, é mais uma vez o mais cético e diz que “a reforma da Previdência não é o primeiro e não será o último evento com potencial de gerar uma onda de ajuizamentos”. “É principalmente nesse sentido que defendo a urgência do ‘enxugamento’ da burocracia processual, tendo em vista que boa parte da atuação jurisdicional se dá na solução de causas repetitivas”, defende.
Um grande foco previdenciário na Justiça Federal são os juizados especiais federais, criados em 2000: julgam processos de valor de até 60 salários mínimos e crimes de menor potencial ofensivo, em que as partes não precisam de advogado para entrar com ação. Essencialmente, julgam casos do INSS, que recentemente têm ficado paralisados por conta da falta de verba para pagamento de perícias médicas, fundamentais para discussão de benefício do INSS.
Para o Judiciário, perícia é despesa obrigatória. No entanto, esse custeio aumentou de forma drástica diante do pente-fino realizado pelo INSS, que levou ao cancelamento de benefícios e motivou centenas de milhares de ações nos JEFs. Com a emenda do Teto de Gastos, sua realização ficou inviável. A questão foi parcialmente resolvida com a Medida Provisória 854/2018, que delegou ao Executivo o pagamento das perícias médicas nos processos contra o INSS nos JEFs.
Em maio de 2019, a MP perdeu vigência sem ser apreciada pelo Congresso. A Justiça Federal já não contava com previsão orçamentária para a realização das perícias. Assim, o Ministério da Economia encaminhou o Projeto de Lei 2.999/2019, sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro na Lei 13.876.
“É forçoso que o Poder Executivo antecipe à Justiça o valor das perícias, já que cabe a ela arcar com a despesa quando vencida, e restituir o valor à conta da assistência judiciária gratuita quando o INSS for o vencedor”, explicou o Ministério da Economia na exposição de motivos. Espera-se a resolução da situação, em tema tão caro à população mais humilde e que primordialmente tem contato com os juizados.
REPERCUSSÃO GERAL
Três decisões dos tribunais superiores impactam a Justiça Federal. A primeira foi do Supremo Tribunal Federal no Tema 810 (RE 870.947/ SE). A corte definiu que o índice adequado de atualização monetária a ser aplicado nos débitos da Fazenda Pública de natureza não tributária (dentre os quais se incluem os benefícios previdenciários e assistenciais) é o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). Os ministros consideraram que a remuneração oficial da caderneta de poupança (TR), por não corresponder à evolução inflacionária, é lesivo ao direito de propriedade (art. 5º, XXII, CF).
O Plenário do STF decidiu por 6 votos a 4 que mesmo no período compreendido entre 29/6/2009 (data de entrada em vigor da lei que determinou o uso da TR para condenações da Fazenda Pública) e 25/3/2015 (data da decisão de mérito do STF declarando a inconstitucionalidade da TR como correção monetária), a TR não deve ser aplicada, prevalecendo o IPCA-E. Segundo estimativa do Banco Nacional de Demandas Repetitivas e Precedentes Obrigatórios do CNJ, cerca de 250 mil processos podem ser executados.
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, suspendeu, em setembro de 2019, todos os processos em tramitação que discutem se a correção das contas do FGTS pode ser feita pela TR, como diz lei específica. A suspensão será mantida até que o STF dê uma resposta definitiva sobre o tema, com julgamento marcado para 12 de dezembro. O ministro já liberou para julgamento a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.090.
A questão da rentabilidade do FGTS também é um tema extremamente sensível para a União e a população. Há notícia de mais de 50 mil processos judiciais sobre a matéria. O partido Solidariedade, autor da ação, argumenta que, ao contrário de outras aplicações, o titular do FGTS não tem o direito de transferir seus recursos para aplicações mais “rentáveis, mais bem geridas e mais seguras”. Enquanto propriedade do trabalhador, portanto, “impõe-se a preservação da expressão econômica dos depósitos de FGTS ao longo do tempo diante da inflação”, diz o partido.
A 1ª Seção do STJ ao analisar o Tema Repetitivo 731 (REsp 1.614.874/ SC) em abril de 2018, já decidiu que a TR deve ser mantida como forma de atualização monetária das contas vinculadas ao FGTS, por ser vedado ao Poder Judiciário atuar como legislador positivo. Na ocasião, o STJ estimou que eram cerca de 470 mil processos em tramitação no país.
Em um terceiro assunto controverso nos TRFs, o Superior Tribunal de Justiça decidiu revisar a tese firmada pela corte de que os valores previdenciários recebidos por tutela antecipada devem ser devolvidos em caso de revogação da decisão liminar.
A tese foi definida em 2015 pela 1ª Seção do STJ num recurso repetitivo. Agora, no entanto, o próprio colegiado decidiu acolher questão de ordem levada pelo ministro Og Fernandes e submeter a tese a processo de revisão. Com isso, todos os processos em tramitação sobre essa questão estão suspensos.
Na questão de ordem, o ministro destacou a importância da revisão do tema, tendo em vista “a variedade de situações que ensejam dúvidas quanto à persistência da orientação firmada pela tese repetitiva relacionada ao Tema 692/ STJ, bem como a jurisprudência do STF, estabelecida em sentido contrário, mesmo que não tendo sido com repercussão geral ou em controle concentrado de constitucionalidade”. Nesse tema, o banco de dados do CNJ estima 4,1 mil ações sobrestadas.
Fonte: ConJur, por Thiago Crepaldi e Danilo Vital
MAZOLA
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