Por Jeferson Miola –
As cúpulas das Forças Armadas só abortaram o empreendimento golpista porque, à diferença de 1964, nas tentativas de golpe de 2022/2023 não contaram com a adesão de frações das classes dominantes, da mídia hegemônica, do STF e, principalmente, dos Estados Unidos.
Durante os anos de 2021 e 2022 o governo estadunidense enviou importantes autoridades a Brasília com o objetivo de demover os militares do plano golpista.
O efeito concreto das incursões de emissários de Biden não significou, entretanto, o abandono total e definitivo, pelos militares, do projeto de poder estamental, mas parece ter causado uma divisão –ou quebra da unidade golpista– no interior das cúpulas fardadas, fator que comprometeu a continuidade da conspiração.
Prova disso é que, faltando apenas quatro dias para o término do mandato do Bolsonaro, no dia 27/12/2022 o general e candidato a vice da chapa militar, Braga Netto, ainda tratava da distribuição de cargos no governo, pois considerava a hipótese de “continuarmos” no poder, como ele disse a um colega fardado, o que obviamente só poderia acontecer num contexto de ruptura institucional.
Outra evidência de que o plano golpista era considerado até o último instante foi a decisão do general Freire Gomes de impedir a desmontagem do acampamento no QG do Exército no penúltimo dia como comandante do Exército, cargo que ele abandonou para não se ver obrigado a bater continência para o presidente Lula, escolhido pela soberania popular para ser o comandante supremo das Forças Armadas.
É evidente, portanto, que os militares não fizeram uma súbita conversão à legalidade e ao profissionalismo, como se esforçam em dissimular, mas apenas se viram obrigados a abortar o plano golpista diante de circunstâncias internas e internacionais desfavoráveis.
Caso, contudo, não tivessem se deparado com obstáculos relevantes, o desfecho teria sido outro, e o Brasil estaria hoje sob a vigência de um regime fascista-autoritário. Se durante a trama militar o presidente dos EUA fosse Donald Trump, e não o Joe Biden, teria sido enorme a possibilidade disso acontecer.
As chances de vitória do Trump na eleição presidencial dos EUA, em novembro próximo, são muito reais. A eleição de Trump será uma péssima notícia para o Brasil. Isso trará amplas dificuldades para a segunda metade do mandato do presidente Lula, e deverá adicionar complicações ainda mais sérias em relação aos militares e à extrema-direita, se refletindo em riscos consideráveis à nossa já frágil democracia.
A eleição de Trump colocará à prova a escolha do governo Lula na questão militar. E também poderá significar o fim do prazo de validade dessa fórmula adotada, de não transferir para a reserva os altos oficiais envolvidos na conspiração, e não realizar a tão essencial reforma militar.
Diferentemente das sociedades vizinhas da América do Sul, que relembram os golpes e ditaduras dos seus países como parte do processo permanente de memória, verdade e justiça, no Brasil a rememoração dos 60 anos do golpe militar tem uma importância ainda mais crucial, devido à ameaça real que os militares continuam representando para a democracia.
Num futuro que inclusive poderá ser em breve, de conjunturas difíceis, com crises políticas, instabilidades e impasses institucionais, os militares não hesitarão em reivindicar o papel de “poder moderador”, tutores do sistema e garantidores da lei e da ordem.
É equivocado, além de inconstitucional, um governo eleito soberanamente se abster de exercer o comando civil das Forças Armadas, principalmente numa realidade anacrônica como a brasileira, em que os militares acalentam um projeto próprio de poder.
Com a renúncia do poder civil estabelecido na Constituição, o governo não recebe nenhuma garantia de “bom comportamento” militar; mas, em contrapartida, alimenta a certeza de futuros atentados golpistas dos militares.
JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.
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