Redação

deputada Tabata Amaral (PDT-SP) comprou mais que uma briga com o seu partido ao votar a favor da reforma da Previdência. Virou alvo de políticos e militantes da esquerda, que a acusam de trair sua história de vida e seu discurso de combate às desigualdades sociais. Tabata pode se desligar do PDT com as bênçãos da Justiça eleitoral, como já solicitou, mas terá mais dificuldade de escapar do rótulo afixado nela por seus detratores.

Em entrevista exclusiva à Revista Congresso em Foco, a deputada admite que sofre com os ataques. “No âmbito pessoal, é óbvio que eu fico magoada. Eu não tenho vergonha de dizer que choro, fico triste. Eu sou um ser humano. Mas tem uma coisa que me preocupa e me entristece. Quando um grupo do Parlamento que se diz preocupado com o social acha que eu sou o maior problema deles”, diz.

Para ela, os opositores que a acusam agem de maneira hipócrita. “No momento em que eles olham para a votação da reforma da Previdência e não reconhecem todo o esforço pessoal que eu fiz para mudar o texto. Me parece hipócrita e também triste que essa oposição gaste tempo com alguém que se coloca no campo progressista, só porque ela ao mesmo tempo tem uma visão de mundo que contempla a responsabilidade fiscal também”, acrescenta a deputada, escolhida como a melhor pelo júri do Prêmio Congresso em Foco 2019.

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Ativista na área da educação, Tabata Amaral começou a se ver realmente como uma opção no debate político brasileiro em julho do ano passado. A jovem, que completou 26 anos na semana passada, é dona de uma trajetória muito particular.

Ela tem origem na periferia pobre da cidade de São Paulo. É filha de uma diarista e de um cobrador de ônibus, falecido, que enfrentou problemas com drogas e alcoolismo. Viu, como muitos jovens da periferia, seus amigos se perderem para o crime. Mas, ao mesmo tempo, ela faz parte de uma rara elite intelectual brasileira. É formada em Harvard, nos Estados Unidos, onde estudou Ciência Política e Astrofísica. Tabata diz que é o produto desses dois mundos, estando ao mesmo tempo em um sem deixar de estar no outro. Veja a entrevista, concedida em 15 de setembro:

Como a senhora decidiu entrar para a política?

Eu resisti muito. A vida me levou aos dois extremos dessa dificuldade que a gente vê no Brasil. Eu venho da periferia. Meus pais são nordestinos. Minha mãe, diarista, meu pai era cobrador de ônibus. Mas, ao mesmo tempo, eu tive oportunidades na educação. Quando eu fui parar em Harvard, eu também não era uma aluna típica de Harvard. Conhecer esses dois extremos e perceber que você de certa forma está vivendo nos dois, te dá uma sensação muito grande de urgência. Porque estava muito evidente que eu não era muito diferente dos meus vizinhos, dos meus amigos, do meu pai, em termos de esforços. Eu tinha tido uma série de oportunidades que nenhum deles teve.  Ao mesmo tempo, o que eu vou dizer para quem estava em Harvard comigo que não conhece essa outra realidade, que muitas vezes acha que chegou porque merece, porque se esforçou muito, quando o mundo é muito mais complexo? E o que eu vou dizer para os meus amigos que não podem sonhar, que para eles acabou, que talvez somente os filhos deles possam quebrar esse círculo da pobreza?

Diante de toda essa sua trajetória, como a senhora vê as notícias de cortes de verbas para bolsas, para a Olimpíada de Matemática? 

Para mim tem um sentimento muito grande de frustração. Eu entendo que a gente está vivendo um momento muito complicado do ponto de vista fiscal. Países sérios, quando tiveram uma crise econômica, realmente cortaram, fizeram reformas duras. Só que esses países entenderam que tinham de investir mais em educação e em ciência e tecnologia. Porque capital humano, capital de inteligência, é o que faz a gente crescer. Um governo que entende que precisa cortar em ciência e tecnologia, em educação, claramente não entendeu nada de economia e desenvolvimento.

A senhora vem recebendo ataques da oposição, do PDT, também dos grupos conservadores. Como é viver assim sob constante ataque? 

No âmbito pessoal, é óbvio que eu fico magoada. Eu não tenho vergonha de dizer que choro, fico triste. Eu sou um ser humano. Mas tem uma coisa que me preocupa e me entristece. Quando um grupo do Parlamento que se diz preocupado com o social acha que eu sou o maior problema deles. No momento em que eles olham para a votação da reforma da Previdência e não reconhecem todo o esforço pessoal que eu fiz para mudar o texto. Me parece hipócrita e também triste que essa oposição gaste tempo com alguém que se coloca no campo progressista, só porque ela ao mesmo tempo tem uma visão de mundo que contempla a responsabilidade fiscal também.

Nós estamos talvez perdendo muito tempo com a guerra ideológica e partidária e deixando de discutir de fato os problemas do país? 

A discussão da reforma da Previdência mostrou um pouco isso. Se os partidos tivessem se dedicado mais a modificar o texto, a negociar, do que a marcar posição, garantir espaço na próxima eleição, o texto seria muito melhor. Quando fica esquerda contra direita, os dois viralizam com seus públicos. Pensando totalmente só na próxima eleição. E aí, quem se ferra? É quem está na periferia. É quem está sem educação. Quem está sem saúde.

A senhora tem grande influência nas redes sociais. Outros deputados também vieram desse novo mundo. As redes sociais mudam a relação? Criam um canal mais direto? Geram políticos mais independentes da orientação partidária?

Eu tenho uma visão um pouco diferente da origem da minha campanha. Na campanha, eu tive cerca de cinco mil voluntários. Pessoas que iam para o telefone, distribuíam material. É claro que eu encontrei muitos deles nas redes sociais. Mas não foi uma campanha feita via redes sociais. Financiando post. Eu acho que essa coisa de viralizar nas redes sociais é uma coisa muito transitória. Que é robô, que é dinheiro. Então, não foi o que eu fiz na campanha. Eu cresci mesmo nas redes depois do confronto com o (ex-ministro da Educação Ricardo) Vélez, depois das coisas que aconteceram no mandato. Então, talvez eu me sinta menos refém das redes sociais. Eu não faço enquete. Não faço live na hora de negociar. A independência, que para mim é muito importante, tem a ver com o financiamento das campanhas. E aí, vou falar um ponto polêmico. Eu tive mais de 400 doadores. Não teve ninguém que doasse mais de 9% do total da minha campanha. Não foi o partido que me deu R$ 2 milhões. Não foi meu avô. Não foi um empresário.

O PDT, ao contrário do PSB, ainda não resolveu como ficará a questão dos processos dos que votaram a favor da Previdência. Nem se resolverá ainda este ano… 

O PSB foi bem mais correto quanto a como resolver a questão. O PSB fechou questão. O PDT não fechou questão. É claro que eu fui contra o texto da forma como foi mandado pelo Bolsonaro. Havia várias absurdos ali. Aí, você trabalha para modificar o texto. E o PDT se recusou a debater o texto.

Independentemente de qual seja o final desse processo, como está hoje seu sentimento de identificação com o PDT? 

Depois de dois meses de desgaste, de lideranças partidárias inventando um monte de mentiras sobre mim… Quando eu entrei no PDT, não foi fazendo cálculo. O PDT em São Paulo é muito pequeno. Não foi porque receberia um super financiamento. Eu entrei no PDT porque entendi que era o partido da educação. Eu escolhi pela pauta. E, ai, é claro que você se decepciona.

Muito se fala sobre a senhora quanto à sua relação com Jorge Paulo Lehmann… 

Eu sou, sim, o que se chama de Lehmann fellow. E é uma coisa que me dá muito orgulho. É um processo seletivo bem complexo, que seleciona jovens que estudaram fora e querem ter uma inserção social no Brasil. Eu fico triste que seja transformado em algo ruim, que vire diversas teorias da conspiração. Ele é uma pessoa que eu admiro, que estudou na mesma universidade que eu. Tenho orgulho de fazer parte dessa rede. Mas não existe uma bancada Lehmann. Na bancada Lehmann, que as pessoas inventam, tem eu e Thiago Mitraud, do Novo de Minas Gerais. Pega as votações. Vê como ele votou e como eu votei. A gente votou muito diferente. Então, é muito estranha essa bancada que não vota nada junto.

O ex-candidato à Presidência pelo PDT Ciro Gomes deu recentemente uma entrevista muito dura. Atacou o PT. Começou a ser atacado pelo PT. O governador da Bahia, Rui Costa, e o senador Jaques Wagner, disseram que o PT deveria ter apoiado Ciro nas últimas eleições. Mas ao mesmo tempo, Ciro ataca a senhora. O PT também. Isso tudo junto é a confirmação daquela máxima de que a esquerda não se une? 

Acho que muito do que está acontecendo no Brasil hoje decorre de uma série de coisas. De um PSDB que não formou liderança. Que foi mais para a direita para se opor ao PT. De um PT que também não formou liderança. A culpa não está só com a esquerda. Está com todos os partidos do pós-democracia. O  que a gente vê hoje é uma grande guerrinha de poder que não leva a lugar nenhum. Claro que o PT foi irresponsável na campanha ao não apoiar o Ciro. O Ciro era o único que tinha chance de vencer o Bolsonaro. Agora, nessa discussão, o Ciro tem sido muito irresponsável também com o país. Ele sempre apoiou a reforma da Previdência. A proposta que ele apresentou foi muito próxima à que a gente votou após os ajustes. Então, ele não fica muito longe do PT quando ele prioriza falar com a base dele e garantir a próxima eleição em vez de falar como uma liderança diferente do PT, que é fiscalmente responsável. Como ele foi como governador do Ceará. O Ciro Gomes que fica falando um monte de mentiras, espalhando fake news para garantir a eleição, para mim não é tão diferente assim do que ele está criticando. Então, eu acho que tem muita culpa do PT de não assumir que outras pessoas dentro do partido ou mesmo fora do partido assumam essa liderança. Mas não é justo dizer que é só culpa do PT.

Fonte: Congresso em foco, por