Por Antonio Veronese

O Brasil acordou mais triste esta semana.. Com um sentimento de orfandade da poesia e da elegância de um tempo feliz que passou… Um tempo de se dizer à menina amada “se você quer ser minha namorada, ah que linda namorada, você poderia ser”…ou de se ter a certeza de que “não há amor sozinho, pois que é juntinho que ele fica bem” e que “é melhor se sofrer junto do que ser feliz sozinho, pois a solidão é como um jardim sem flor”…Um tempo que se perdeu como “quimera fugaz, mera fumaça que a vida desfez como um puro Havana…”

A Voz de Ibaiti e Região | LUTO NA MÚSICA: Carlos Lyra, um dos maiores  nomes da bossa nova, morre aos 90 anos

Esse tempo em que Ipanema era só felicidade se encerra definitivamente com a partida de Carlinhos, como era carinhosamente chamado pelos amigos; um artista sem par, um melodista único, uma elegância, um carisma, uma doçura e um sorriso inesquecíveis. Uma perda que, mais que pessoal, (pois era um amigo único e sofisticadíssimo) é uma perda para a nossa própria identidade de brasileiros. Eu, que moro há décadas fora do Brasil, quantas vezes fui surpreendido, nos quatros cantos do mundo por onde andei, pela melodia e a batida inconfundíveis do maestro de Ipanema. Por isso mesmo penso que com a morte de Carlos Lyra morre também uma era de ouro da nossa música e morremos também um pouco todos nós…

Carlinhos e Tom foram os pilares mestres dessa música que atravessou a galope todas as fronteiras do planeta, sinônimo de sofisticação e genialidade, e que mudou para sempre a imagem do Brasil aos olhos do mundo: a bossa nova.

Mais do que isso, Carlinhos viveu a semear de poesia e encantamento nossas vidas, escrevendo as trilhas sonoras dos amores que tivemos, das emoções que dividimos, dos nossos encontros e desencontros inesquecíveis…

Da esquerda para a direita: Antonio Carlos Jobim, Vinicius de Moraes, Ronaldo Bôscoli, Roberto Menescal e Carlos Lyra, provavelmente, no apartamento de Vinicius de Moraes

Um dia, disse-lhe eu: sei que cada canção que fizestes nada mais foi do que uma declaração de amor às mulheres … E ele concordou com um sorriso maroto. Além de menestrel definitivo do Rio de Janeiro, Carlinhos cantou como poucos a beleza de suas mulheres em composições de pura delicadeza… Era o mais moderno e o ultimo dos trovadores e sabia desvelar a poesia de todas as coisas, mago das magias do amor, do amar e ser amado…

Com Magda Botafogo, Lyra encontrou a sua musa derradeira e definitiva. E o amor que viveram foi a concretização de todas as suas utopias do amar. Companheira e guardiã inexpugnável do maestro, nela ele encontrou o amor que tanto cantara, pra quem, visionário que fora, Carlos cantou um dia, premonitoriamente “coisa mais bonita é você, assim, justinho você, eu juro, eu não sei por que você. Você é mais bonita que a flor, quem dera, a primavera da flor, tivesse, todo esse aroma de beleza que é o amor perfumando a natureza, numa forma de mulher…”

Num país tão embrutecido e dividido como o de hoje, a arte e a presença do genial Carlos Lyra vão fazer muita falta, não somente à poesia mas também na denúncia de nossas endêmicas mazelas, como fez Carlinhos na sua pouco conhecida “Canção do Subdesenvolvido”, de 1962, ou ainda na sua precoce lucidez na censura da opressão às mulheres, como na canção Maria Moita, de 1964. Mas o que dele se faz inesquecível é podermos a cada dia e sempre, cantar à mulher amada: “se quiser ser somente minha, essa coisa toda minha que ninguém mais pode ser”.

Longe do Brasil , Lyra sempre foi um elemento catalisador na preservação das minhas raízes indenitárias e emocionais.. Mas confesso que ao ouvir pela primeira vez a canção E Era Copacabana, senti um frio na barriga e disse para mim mesmo: o poeta está se despedindo de nós.

Descanse em paz, maestro, seresteiro do amor, derradeiro trovador.

Viverás para sempre abrigado nos corações que fizestes sonhar.


E era Copacabana
Noites febris
Tempos gentis
Eu já fui tão feliz
Mais do que eu quis
Mais que eu pude querer
E era copacabana

Loucas paixões
Tantas canções
Eu já tive ilusões
Momentos bons
Hoje com meus botões
Penso que nada mais me engana

Foi um tempo em que era tudo demais Tempos atrás Quimera fugaz

Sonhos de paz
E promessas banais
Mera fumaça que a vida desfaz
Igual a um puro havana

Caminhando pelas ruas assim
Dentro de mim
Nem penso ao que vim
Penso é que a vida
Nem sempre é ruim
É só o enredo de um mau folhetim
A vida é simplesmente humana

Antonio Veronese

Copacabana Beach (Praia de Copacabana), Rio de Janeiro - Foto,  Wegbeschreibung, Lage | Planet of Hotels

ANTONIO VERONESE – Pintor brasileiro autodidata com uma obra considerável, realizou centenas de exposições individuais, tem obras expostas em numerosos museus, coleções públicas e privadas nos Estados Unidos, Suíça, França, Japão, Chile e Brasil. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre, representante e correspondente internacional em Paris, França; Radicado na França desde 2004, antes de deixar o Brasil deu aulas de arte para menores infratores nos Institutos João Luiz Alves, Padre Severino e Santos Dumont, no Rio de Janeiro, e no Caje de Brasília. Utilizou a pintura como forma de reabilitação psico-pedagógica dos adolescentes entre 12 e 18 anos com a bandeira” estética é remédio!”. Alguns dos trabalhos produzidos pelos jovens foram expostos em Genebra (Suíça), no Salão Negro do Congresso Nacional, em Brasília, e na Universidade de San Francisco, nos Estados Unidos. Em 1998, representando o Brasil no Encontro de Esposas de Chefes de Estado, cobrou da então primeira-dama, Ruth Cardoso, medidas para tirar das ruas crianças abandonadas, tendo recebido o apoio de Hilary Clinton. Pela denúncia da violência contra menores no Rio de Janeiro, que faz através de sua pintura e de engajamento constante deste 1986, Veronese foi convidado à Comissão de Direitos Humanos da ONU – em Genebra, para proferir palestra, lá causou grande indignação ao apresentar fotografias de 160 crianças, marcadas por cicatrizes massivas decorrentes da violência urbana, doméstica e policial.

www.antonioveronese.com

Antonio Veronese, Italian-Brazilian painter, lives in France since 2004. He is the author of «Save the Children», symbol of th e 50th anniversary of the United Nations, and «Just Kids» symbol of UNICEF. As well of «La Marche», exhibited in the Parliament of Brazil since 1995, and «Famine», exhibited since 1994 at the Food Agriculture Organization for United Nations (FAO) in Rome.

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