Por Jeferson Miola

São visíveis as costuras do acordão para livrar a responsabilidade das cúpulas fardadas e de altos oficiais das Forças Armadas que cometeram crimes, criaram esquemas sistêmicos de corrupção e atentaram contra a democracia. O site Metrópoles destaca [24/8] que a blindagem das Forças Armadas une governo e oposição.

A senadora Eliziane Gama, relatora da CPMI dos atos golpistas, em 16/8 antecipou que no seu relatório final ela não só isentará as Forças Armadas pelo 8 de janeiro, como também deverá glorificar o papel dos militares como salvadores da pátria e da democracia.

“Acho que as Forças Armadas no Brasil hoje, o Alto Comando, a instituição Forças Armadas impediu um golpe no país”, ela declarou há sete dias.

Depois de longo café da manhã que durou quase três horas com o general Tomás Paiva no QG do Exército em Brasília, o deputado bolsonarista Arthur Maia/PP, presidente da CPMI, também livrou as cúpulas partidarizadas das Forças Armadas.

“O fato de alguns militares, pessoas físicas, terem eventualmente se envolvido com essas movimentações antidemocráticas que aconteceram e projetaram o 8 de janeiro, está totalmente separado das Forças Armadas”, disse ele, em dissonância com tudo o que se conhece, que está fartamente documentado e que integra inquéritos policiais.

“O papel das Forças Armadas foi fundamental para preservarmos a democracia no nosso país”, ele complementou, a despeito dos ataques das cúpulas ao sistema eleitoral e ao TSE.

Ufanista, Maia ainda declamou: “Eu reputo o Exército brasileiro como uma instituição gloriosa, que tem um significado indispensável não só para o Brasil”, sem esclarecer a qual outro país do mundo nosso “glorioso Exército” também seria indispensável.

E viva, assim, o Poder Moderador!, que fica ainda mais reforçado diante da ignorância, da covardia e do temor da representação política e das instituições em relação aos militares.

No sábado, 18/8, por duas horas o presidente Lula se reuniu com o ministro da Defesa e os comandantes das três Forças no Palácio do Alvorada. Não se conhece o conteúdo do encontro.

O que se sabe, no entanto, é que depois deste encontro o Exército continua não apurando a responsabilidade de nenhum dos vários delinquentes fardados que cometeram crimes; bem como continua em vigor a diretriz do general Tomás Paiva que prioriza a família militar e a formação da associação de amigos do Exército em detrimento da Defesa Nacional.

O governo ainda brindou as Forças Armadas com R$ 53 bilhões no PAC, patamar superior à previsão de investimentos no SUS, na educação, ciência e tecnologia e muitas outras áreas.

Outra costura visível do acordão para safar os militares é a inflexão do entendimento do ministro Flávio Dino sobre a atuação desviante da cúpula militar.

Numa rede social [23/8] Dino enalteceu o papel das Forças Armadas: – “Sem elas não estariam ocorrendo a desintrusão das terras e a assistência em favor dos Yanomamis. E poderia citar outras atuações: segurança da navegação, da aviação e das nossas fronteiras”.

O ministro da Justiça sabe que todas estas funções citadas por ele como da “nobreza militar” são, contudo, totalmente estranhas à missão primordial que os militares constitucionalmente deveriam desempenhar, de defesa do país ante eventuais agressores estrangeiros.

Dino precisaria chamar o professor Manuel Domingos Neto para ouvir dele a explicação sobre “o transtorno de personalidade funcional do soldado, que se percebe político, policial, empresário, assistente social, administrador público, construtor de estradas, perfurador de poços no semiárido, guarda florestal, vigia de fronteira, entendido em Segurança Pública, controlador dos tráfegos aéreo, costeiro e fluvial, supremo avaliador da moralidade e planejador do destino nacional”. Ou seja, militar se dedica a tudo, inclusive a roubo de jóias, privatizações e genocídio. Só não se dedica à defesa do país.

Múcio Monteiro, advogado e representante civil do partido dos generais, fechou o circuito do acordão com um périplo pelas instituições [23/8]: reuniu com o ministro Flávio Dino; com o Diretor-geral da PF Andrei Rodrigues, e com o ministro do STF Alexandre Moraes.

Já não é hora de se continuar aceitando autoenganos e miragens em relação aos militares.

Está amplamente documentado que as cúpulas fardadas estão no centro do desastre provocado no país desde os preparativos do golpe para derrubar a presidente Dilma. Os generais-conspiradores Sérgio Etchegoyen e Eduardo Villas Bôas participaram daquela trama golpista.

O acordão para livrar as cúpulas militares é um erro grave. Além disso, significa o desperdício de uma oportunidade histórica, nunca antes acontecida, de tamanha desmoralização e descrédito institucional.

Os militares são e continuarão sendo uma ameaça latente à democracia, pois acalentam um projeto próprio de poder que é contraditório com os interesses nacionais, populares e democráticos. Repetir a anistia reforça o círculo vicioso de impunidade e repetição de golpes.

O grande acordo necessário que o Congresso, o governo Lula e as instituições deveriam fazer é em torno de uma reforma militar profunda e orientada pela visão contemporânea do papel que as Forças Armadas devem desempenhar na Defesa Nacional no século 21.

JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.

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