Por Antonio Veronese –
« Rio que mora no mar, sorrio pro meu Rio que tem no seu mar, lindas flores que nascem morenas em jardins de sal »
Dia desses encontrei por acaso, aqui na minha distante Paris, o vídeo completo do show comemorativo dos 70 anos de Edu Lobo. Com os olhos embargados redescobri esse sofisticado compositor da geração pós-bossa nova: as riquezas melódica e harmônica, o refinamento de sua poesia, a bela voz … papai Fernando lá do alto deve ter um orgulho danado desse menino de 70 anos!
Depois de “pontear” pelos festivais e de denunciar o nosso racismo endêmico (com o neguinho que desde cedo já começava a apanhar), a música de Edu deixou de ter o protagonismo que merece, ficando restrita a uma ínfima parcela de ouvidos mais exigentes…assim como a nossa bossa nova!
Depois de décadas intoxicado por uma televisão aberta que nunca esteve à sua altura, propositora de valores sem valor nenhum, o Brasil viu as epidemias do sertanejo e funk desafiarem, como uma horda de blindados russos, todas as fronteiras do bom gosto e da sofisticação, relegando ao ostracismo aquela velha bossa que se tornaria a nossa mais que extraordinária bossa nova. A lei suja do mercado e o cifrão gordo do jabaculê impuseram às novas gerações de brasileiros o parvo sertanejo dito “universitário”, ou ainda pior, se é que seja possível, a vulgaridade obscena do funk a desdenhar do axioma de Miguel de Cervantes de que “onde há música não pode haver coisa má”.
Que exuberante é esse nosso Brasil!; que esquecido de si e desatento consigo é esse nosso Brasil!; e que saudade me dá desse Brasil que já não há!!
Que reclamem os que se sintam ofendidos com o meu urro recorrente de indignação, mas reivindico o direito de colocar o dedo em riste na cara desses “comunicadores”, Faustões et caetera, que com suas programações chinfrins trouxeram para a boca de cena essa porcariada toda… Não é por acaso que os dez maiores salários da televisão brasileira hoje são pagos para mascates de lixo cultural…!!
A desculpa recorrente é a de que o povo gosta de porcaria…Gosta nada!! O problema é que o povão não tem acesso ao que presta pois só conhece a “canja-de-galinha-fria” da nossa televisão. Isso é ainda mais grave quando se sabe que a televisão é concessão do Estado!! Não dever-se-ia obrigá-la à contrapartida de interesse público??! Mas o Estado, além de omisso, é mesmo promíscuo nesta relação… chega a ser inacreditável que, na cidade de Tom Jobim, cometeu-se a estupidez de versar dinheiro do contribuinte para promover o…funk!! Justamente o funk que, como os pombos urbanos, não precisa de nenhum estímulo para proliferar.
Diante dessa realidade, ouvindo nossas crianças cantarem a chulice dos refrãos contemporâneos, ter esperança é quase um ato revolucionário. É ainda possível sonhar com um país onde Johnny Alf e Marcos Valle sejam mais conhecidos do que Xororinho e Chitanzó? Ou que o meu Rio volte a ser o de Leny Andrade e Dóris Monteiro e não o do funk do comando vermelho? Que triste esse novo Brasil onde 80% dos meninos de 15 anos não mais sabem quem foi Tom Jobim, resultado da substituição, no radio e na tv, das harmonias mágicas de Tom e Lyra pela overdose diária dessas duplas de chapéu texano e botas de pular-brejo… Enquanto isso, no primeiro mundo, Henry Salvador, Lisa Ekdahl, Stacey Kent, Diana Krall, Madeleine Peyroux, Ella Fitzgerqld, Sarah Vaughan, Oscar Petersson, Frank Sinatra.., mamam e mamaram copiosamente nas tetas generosas da nossa velha e sempre jovem bossa.
Para mim, o remédio para esse mal seria a nossa grande música ser matéria obrigatória nas escolas públicas! Tão urgente quanto a matemática e o português, dever-se-ia estudar e escutar Tom, Vinícius, Chico, Lyra, Bôscoli, João Gilberto, Nara, Astrud … Ah, imaginem só que Brasil seria esse…!! Nesse tempo de escravidão patológica à internet, a obrigatoriedade de ouvir em escola esses trovadores de exceção embalaria melhor os pequenos e formaria melhores adultos. Isso sem contar no papel que exerceria na preservação deste património imaterial que coloca o Brasil no “sommet” do mundo civilizado. Seja em Paris, Londres, Roma ou Tokyo, a nossa velha bossa seduz como nunca ouvidos embevecidos por esse “som” que vem d’além mar.
Enfermo de imensa saudade de cinquenta anos atrás, quando já estávamos cem anos à frente de hoje em dia, interrogo a mim mesmo: quantos ministros da cultura serão ainda necessários para descobrir esta obviedade? Quando a escola pública vai engajar-se nessa romanesca aventura e a televisão, sob o peso da lei, comprometer-se com o que presta?
Ouso daqui mandar um recado ao presidente Lula: presidente, urge um SUS para o estado comatoso da grande música brasileira. Aos olhos do mundo, o Brasil é Amazônia e bossa nova!
ANTONIO VERONESE – Pintor brasileiro autodidata com uma obra considerável, realizou centenas de exposições individuais, tem obras expostas em numerosos museus, coleções públicas e privadas nos Estados Unidos, Suíça, França, Japão, Chile e Brasil. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre, representante e correspondente internacional em Paris, França; Radicado na França desde 2004, antes de deixar o Brasil deu aulas de arte para menores infratores nos Institutos João Luiz Alves, Padre Severino e Santos Dumont, no Rio de Janeiro, e no Caje de Brasília. Utilizou a pintura como forma de reabilitação psico-pedagógica dos adolescentes entre 12 e 18 anos com a bandeira” estética é remédio!”. Alguns dos trabalhos produzidos pelos jovens foram expostos em Genebra (Suíça), no Salão Negro do Congresso Nacional, em Brasília, e na Universidade de San Francisco, nos Estados Unidos. Em 1998, representando o Brasil no Encontro de Esposas de Chefes de Estado, cobrou da então primeira-dama, Ruth Cardoso, medidas para tirar das ruas crianças abandonadas, tendo recebido o apoio de Hilary Clinton. Pela denúncia da violência contra menores no Rio de Janeiro, que faz através de sua pintura e de engajamento constante deste 1986, Veronese foi convidado à Comissão de Direitos Humanos da ONU – em Genebra, para proferir palestra, lá causou grande indignação ao apresentar fotografias de 160 crianças, marcadas por cicatrizes massivas decorrentes da violência urbana, doméstica e policial.
www.antonioveronese.com #antonioveronese
Antonio Veronese, Italian-Brazilian painter, lives in France since 2004. He is the author of «Save the Children», symbol of th e 50th anniversary of the United Nations, and «Just Kids» symbol of UNICEF. As well of «La Marche», exhibited in the Parliament of Brazil since 1995, and «Famine», exhibited since 1994 at the Food Agriculture Organization for United Nations (FAO) in Rome.
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