Por Jeferson Miola

Há um enorme e imperdoável déficit de informação de grande parte da mídia hegemônica do país, que escandalosamente silenciou – ou reportou com espantoso comedimento – o depoimento do advogado Tacla Duran nesta segunda-feira, 27/3, ao juiz Eduardo Felipe Appio, da 13ª Vara de Curitiba.

Este comedimento é ainda mais escandaloso quando se compara com a conduta dessa mesma mídia, que durante toda Lava Jato atuou em pool, como matilha antipetista. Quaisquer depoimentos de delatores comprados para incriminar Lula e o PT eram transformados numa verdadeira chanchada midiática.

No depoimento, Tacla Duran denunciou que para não ser preso pela Lava Jato, foi vítima de tentativa de extorsão por um elemento do círculo social e familiar direto do ex-juiz e atual senador Sérgio Moro.

Tacla Duran afirmou que o autor da tentativa de extorsão foi o advogado Carlos Zucolotto Júnior, que lhe procurou para oferecer um acordo de delação premiada a ser referendado por uma autoridade tratada por “DD” – que, tudo indica, seriam as iniciais do ex-procurador e hoje deputado federal Deltan Dallagnol.

Zucolotto, padrinho de casamento do casal Sérgio e Rosângela Moro, também era sócio de Rosângela no escritório de advocacia que ambos mantinham em Curitiba.

Tacla Duran declarou que fez as tratativas com Zucolotto por meio de aplicativo de celular. Explicou que, para não ser preso, foi cobrado pelo sócio de Rosângela e padrinho do casal Moro a pagar 5 milhões de dólares, o equivalente a cerca de R$ 26 milhões ao câmbio atual – R$ 10 milhões a mais, portanto, que o valor das jóias roubadas pela dupla Bolsonaro-almirante Bento.

Tacla Duran informou ter transferido uma primeira parcela de 613 mil dólares, equivalente a R$ 3,2 milhões ao câmbio atual, para o escritório de Marlus Arns, outro advogado parceiro de Rosângela Moro, que atuava com a “primeira-conja” em processos judiciais da Federação das APAE’s do estado do Paraná.

Ele declarou que como acabou não pagando as demais parcelas combinadas com Zucolotto, Sérgio Moro decretou sua prisão preventiva. Depôs ainda que passou a ser perseguido pela Lava Jato porque “não aceitou ser extorquido”.

Considerando que o suposto crime envolve Sérgio Moro, Rosângela Moro e Deltan Dallagnol, todos eles parlamentares com prerrogativa de foro, o juiz Eduardo Fernando Appio decidiu encaminhar o processo para o STF. Na decisão, Eduardo Appio assinalou:

“Diante da notícia crime de extorsão, em tese, pelo interrogado, envolvendo parlamentares com prerrogativa de foro, ou seja, Deputado Deltan Dalagnol e o Senador Sério Moro, bem como as pessoas do advogado Zocolotto e do dito cabo eleitoral Fabio Aguayo, encerro a presente audiência para evitar futuro impedimento, sendo certa a competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, na pessoa do Excelentíssimo Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, juiz natural do feito, porque prevento, já tendo despachado nos presentes autos”.

Além disso, o atual titular da 13ª Vara de Curitiba determinou a inclusão de Tacla Duran no programa de proteção a testemunhas.

Se Moro e Deltan fossem coerentes e honrassem a palavra empenhada quando eram incensados pela mídia como paladinos da moralidade, eles renunciariam ao foro privilegiado.

Tacla Duran pode provar que pagou advogado ligado a Moro para não ser preso - O Cafezinho

Moro já disse que “o foro privilegiado é blindagem pra bandido; … o que mais tem é gente fazendo coisa errada protegida por foro privilegiado …”.

Já Deltan afirmou que “o foro privilegiado é um escudo protetor de criminosos poderosos contra a justiça; … perpetua a impunidade, gera nulidades e é um dos maiores aliados da corrupção e do crime no país”.

A hora da verdade chegou. Com a denúncia subindo para a Suprema Corte, os comparsas Moro e Deltan estão confrontados com a verdade.

Eles vão renunciar ao foro privilegiado, ou vão se beneficiar da “blindagem pra bandido”, do “escudo protetor de criminosos poderosos, … que é um dos maiores aliados da corrupção e do crime no país”?

Na realidade, Moro e Dallagnol sabem perfeitamente que as chances deles se safarem são significativamente maiores nas instâncias inferiores do judiciário, onde a milicianização institucional é expressiva. No STF, as chances de condenação deles são enormes.

Por isso mesmo, abdicar do foro privilegiado poderá livrá-los da condenação e eventual prisão imediata. Portanto, a renúncia deles ao foro privilegiado é bastante funcional à uma demagogia barata.

A hora da verdade também chegou para a mídia hegemônica, que com seu jornalismo de guerra de muitos anos contra Lula e o PT foi essencial para que o maior crime de corrupção judicial da história se concretizasse.

Esta é uma grande oportunidade para essa mídia se reconciliar com a verdade e a democracia, desde que se comprometa com que a história verdadeira do Brasil seja escrita e narrada com honestidade e lealdade aos fatos. A mídia ganhou uma chance de ouro para finalmente fazer sua autocrítica.

Moro, Deltan e o lavajatismo ficaram totalmente nus. Encobrir esta escória para manter viva uma arma antipetista de amea’ça e chantagem permanente só aumenta o risco de o Brasil não conseguir sair do precipício em que a extrema-direita fascista o afundou.

***

MPF acionado para apurar omissão do TCU em relação à conduta golpista do ministro Nardes

Em representação formalizada ao MPF – Ministério Público Federal [23/3], solicito “que sejam apuradas eventuais condutas ilícitas, ilegalidades e irregularidades no âmbito do TCU” em relação à conduta golpista do ministro Augusto Nardes.

A denúncia, formulada por meio do Portal da Transparência, recebeu o nº 20230021874/2023, e foi direcionada pela Central de Atendimento ao Cidadão “ao GCAA – Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos, para as eventuais providências que julgar necessárias”.

Em que pese um áudio com comentários gravíssimos do ministro Nardes ser de conhecimento público desde 20 de novembro de 2022, pelo menos até a data da representação ao MPF o TCU ainda não havia instaurado formalmente um procedimento de apuração.

No referido áudio [íntegra aqui], Nardes demonstrava conhecimento pormenorizado de “um movimento muito forte nas casernas”, que teria “desenlace bastante forte na nação”.

O teor do áudio evidencia que o conhecimento do ministro Nardes sobre os atentados à democracia que posteriormente vieram a se confirmar – em 12 e 24 de dezembro de 2022 e 8 de janeiro de 2023 – derivava de uma associação do referido ministro com os perpetradores de tais atos criminosos contra as instituições e Poderes da República.

Isso ficou evidente em citações dele como “Falei longamente com o time do Bolsonaro essa semana …”; “Eu não posso falar muito até porque, sim, tenho muitas informações, …”; “Não vou me alongar mais, tenho muitas informações especialmente para o grupo do agro, mas eu acho que é o grande momento …”.

Apesar da gravidade do fato, que revela uma associação direta do ministro do TCU com os atentados à democracia e seus perpetradores, Nardes continua despachando normalmente, como se absolutamente nada tivesse acontecido. Ele inclusive foi designado relator do processo sobre o roubo de jóias e objetos pertencentes à União por Bolsonaro e militares.

Questionado desde 6/1/2023 via Lei de Acesso à Informação [Lei 12.527/2011] a respeito das providências adotadas em relação ao caso, numa primeira resposta a Ouvidoria do TCU informou “que, por meio de sua Corregedoria, vem apurando os fatos noticiados na manifestação nº 356998”.

Entretanto, o órgão não informou, como solicitado, qual o procedimento de apuração foi instaurado [sindicância, processo administrativo, inquérito etc]; qual o número do processo e mecanismo de acompanhamento processual; e, também, o prazo para conclusão da apuração.

Já o segundo pedido via LAI sequer foi respondido pelo Tribunal.

Após 11 dias do prazo estipulado na LAI, a Corregedoria do TCU informou laconicamente por e-mail [27/3], e não no Portal de Transparência, como corresponderia, “que os fatos em questão estão sob análise da unidade, a fim de proceder ao tratamento adequado”. Porém, não prestou nenhuma informação que assegure veracidade da informação de que a conduta criminosa do ministro Nardes esteja efetivamente sendo apurada pelo órgão.

Devido à possível omissão e leniência do TCU no caso, a representação solicita que o MPF analise a veracidade ou não da afirmação do TCU, de que “vem apurando os fatos noticiados na manifestação nº 356998”.

E requer, ainda, que sejam apuradas eventuais práticas ilícitas em vista do descumprimento da Lei 8.112/1990, em especial o artigo 143, que determina que “A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa”.

A impunidade do ministro Nardes é uma bofetada na democracia. Este personagem nefasto tem uma trajetória vinculada à ditadura, aos militares e a Bolsonaro. Ele foi, também, o arquiteto da farsa das pedaladas fiscais para derrubar a presidente Dilma.

Nardes precisa ser investigado e demitido do TCU a bem do serviço público. E também precisa ser incluído no inquérito do STF que investiga os criminosos implicados nos atos bárbaros de 8 de janeiro.

JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.

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