Por José Carlos de Assis –
O mais abrangente dos custos que empurram a inflação para cima são os da energia.
Eles afetam generalizadamente todas as empresas, toda a produção de bens e serviços, todas as pessoas de todas as classes sociais. No Brasil, a produção de energia é conduzida por duas estatais, Petrobrás e Eletrobrás. Estão sendo impostos a elas critérios de preços do setor privado, o qual, enquanto visando exclusivamente ao lucro, abandonam qualquer preocupação com objetivos sociais.
Na atual crise energética mundial, os preços do setor teriam que ser regulados diretamente pelo Estado. No Brasil, como se trata de monopólios ou oligopólios, não faz sentido entregá-los ao mercado livre, no qual só existe concorrência na cabeça dos neoliberais. Diante disso, e da indecisão que tomou conta da diretoria da Petrobrás, que não sabe como fazer uma nova política de preços diferente da PPI (Paridade com Preços Internacionais), acho que chegou o momento de se propor uma iniciativa de lei em relação ao tema.
Seu foco, a meu ver, seria regular os preços dos combustíveis entregues pela Petrobrás nas refinarias segundo a fórmula clássica de preços pelos custos, usada principalmente em ambientes de monopólio ou oligopólio, como é o caso atual. Requer procedimentos técnicos de precificação próprios de uma de uma empresa que já não é totalmente monopolista quanto ao acesso a matérias primas, como acontece com ela, mas que podem ser ajustados de acordo com os esquemas clássicos.
O procedimento tradicional na área pública, quando ainda era dominada por monopólios estatais, era somar todos os custos de produção (insumos, serviços e impostos), e estabelecer uma margem de lucro para financiar a expansão. Hoje, na área estatal, praticamente só restam a Petrobrás e a Eletrobrás, mas elas são tão importantes para o funcionamento com menos inflação da economia e o desenvolvimento sócio-econômico do país que não há melhor alternativa para seus preços senão baseá-los em custos.
O expediente técnico que estou sugerindo, no caso da Petrobrás, para a precificação na entrega dos combustíveis nas refinarias, seria uma fórmula ajustada do preço pelo custo. Embora o Brasil seja virtualmente autossuficiente em petróleo, ele ainda importa uma margem de derivados, pois a Petrobrás não quis, nos governos neoliberais, completar seu plano de construção de refinarias. A ideia é, pois, descontar a parte majoritária de petróleo local na produção dos derivados, e tomá-la como custo básico para a aplicação dos outros custos de produção, dos impostos e da margem de lucro.
Em termos legais, esse procedimento poderia substituir, sem qualquer problema, a chamada PPI, imposta arbitrariamente no governo Temer, e seguida por Bolsonaro. Esta havia sido justificada como uma fórmula de precificar os derivados acompanhando os preços externos, embora o objetivo real, como demonstrei em outros artigos, foi abrir o mercado interno de combustíveis a petrolíferas internacionais, que, antes, por terem custos e preços maiores do que os da própria Petrobrás, não tinham como concorrer aqui.
A PPI foi empurrada goela abaixo do país, portanto, sob uma justificativa hipócrita, mas o fato de ter sido estabelecida por uma medida aprovada pelo Conselho de Administração da Petrobrás, e não por lei aprovada no Congresso, abre espaço para ser revista no governo Lula. Considero que uma lei nesse sentido poderia tomar a forma institucional abaixo, para alívio do povo brasileiro em relação à política injusta dos combustíveis, e para a raiva apenas dos neoliberais e dos especuladores do mercado:
Artigo 1º. Que seja restabelecido, nas empresas de economia mista nas quais o Estado tenha controle acionário, o regime de fixação de preços de bens e serviços por elas produzidos de acordo com seus respectivos custos.
Parágrafo primeiro. Os custos de oferta no mercado das empresas de economia mista sob controle acionário do Estado devem considerar exclusivamente, como referência, o valor das matérias primas usadas em seu processo produtivo nas quais o Brasil seja autossuficiente, ou, quando não o seja, a margem líquida de matéria prima efetivamente importada.
Parágrafo segundo. A regra estabelecida no Artigo anterior deve aplicar-se imediatamente aos preços dos principais combustíveis derivados do petróleo praticados pela Petrobrás em suas refinarias, como óleo diesel, gasolina e gás de cozinha, anulando-se, no caso da Petrobrás, a regra atual de referência a preços internacionais (PPI).
No caso da Eletrobrás, não há PPI. A precificação da energia elétrica, pode, portanto, seguir exclusivamente os custos internos de produção.
A propósito, considero que é hora de atacar toda essa hipocrisia neoliberal que apela para preços livres e generalizados na economia, a fim de justificar uma livre concorrência que efetivamente não existe. O mercado está efetivamente dominado por oligopólios e monopólios privados. Deveria ser controlado pelo governo, mesmo que indiretamente, através de algum sistema de pacto social. Nessa hipótese, sugiro que os outros artigos da lei sugerida acima tratem dos seguintes pontos:
O artigo terceiro estabeleceria as medidas necessárias para regular o comércio de exportação e importação de petróleo, de derivados e de commodities, através de impostos, no sentido de controlar minimamente a oferta e os preços dos alimentos básicos no mercado interno. Entretanto, o preço fundamental, ao lado daqueles dos combustíveis e dos alimentos, que mais influi no processo inflacionário, é o do câmbio, que nos expõe diretamente à inflação internacional. Assim, um artigo específico da lei obrigaria o BC a adotar efetivamente políticas antiinflacionárias na área de câmbio, à margem da ineficaz política monetária e fiscal atual.
A generalização do uso da internet no Brasil, inclusive pelas classes pobres, reclama a intervenção da agência reguladora Anatel também quanto aos preços dos serviços públicos praticados pelas operadoras privadas. As medidas implicadas estariam no âmbito do poder público, que é soberano para adotá-las, com a prévia aprovação do Congresso Nacional.
O fato é que a intervenção no mercado das telecomunicações se justifica também no plano legal. Trata-se de um oligopólio que, como todos eles, evita a concorrência de preços. Aumentam-nos livremente. E como se trata de grandes organizações que só funcionam na base de fortes controles internos, podem ser de fácil controle também pela Anatel, se houver necessidade e vontade política para isso.
A extensão dos poderes do CADE para intervir no sistema de preços de monopólios e oligopólios industriais privados se justificaria especialmente na atual situação inflacionária, mas deve ser encarada como de caráter permanente, como medida de defesa da livre concorrência e contra o abuso do poder econômico em relação ao consumidor. Isso se aplicaria também ao próprio setor comercial, quando verificados conluios explícitos ou implícitos para aumentar preços. A propaganda de financiamento a prazo no comércio lojista deve deixar explícita a taxa de juros implícita nas prestações fixas estabelecidas.
A suspensão das leis anteriores de restrição de gastos públicos se justificaria por sua evidente ineficácia no controle da inflação, mediante medidas como realização de superávits primários, obediência a teto orçamentário e aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Essas medidas, de caráter essencialmente monetário e orçamentário, foram inócuas no controle da demanda real na economia. Em verdade, como apontam especialistas, foram responsáveis por restrições reais de produção e de oferta de bens e serviços públicos e privados, que tiveram forte influência na estagnação da economia e na inflação ascendente.
Enfim, o país está ainda em tempo de evitar o total descontrole do custo de vida, resguardando a sociedade de uma situação que, embora vivida em outro tempo de grandes dificuldades e insegurança social e financeira, no tempo atual esteve acrescida da tragédia social da Covid-19, do alto desemprego e da virtual estagnação econômica.
A solução para evitar a estagnação prolongada está num grande acordo no nível da Sociedade Civil, na forma de um Pacto Social que estabeleça as indicações para uma nova economia; está também ao alcance do Congresso Nacional, que tem prerrogativas próprias, exclusivas e inalienáveis para aplicá-lo.
JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, doutor em Engenharia da Produção, autor de mais de 25 livros de Economia Política e introdutor do jornalismo econômico investigativo no Brasil com denúncias de escândalos sob o regime militar que contribuíram de forma decisiva para o desgaste da ditadura nos anos 80. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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