Por Lincoln Penna

Não a conciliação e a favor da mobilização popular.

Nestes primeiros momentos do governo Lula algumas questões se impõem. Não me refiro àquelas que serão objeto de negociações com o poder legislativo, tanto na Câmara quanto no Senado, mas as que dizem respeito ao norte a ser perseguido para o empreendimento de uma pauta verdadeiramente reformista. De tal modo implementada que possamos vislumbrar mudanças substanciais em médio prazo.

Há as que decorrem do jogo de composição capaz de se construir o consenso mínimo, cujo único perigo ou ameaça é a de se proceder a concessões à torto e à direita. Expressão esta que se presta para configurar um excesso de favorecimentos que não devem caber em um governo popular e diante do desafio de reconstrução nacional. A pergunta que se coloca é a seguinte: cabe ou não um consenso mínimo, que garanta governabilidade sem abdicar das tarefas constantes das promessas eleitorais?

Digo promessas eleitorais porque o eleitor, independente de ser ou não filiado a um partido ou corrente política e ideológica, tende sempre a dar importância ao que dizem os candidatos durante as campanhas eleitorais. E Lula foi pródigo nisto. Em parte, pela sua maneira de assumir os desejos de uma grande maioria do povo mais desassistido, e de outra parte em razão de seu compromisso com a história recente do país, o que explica a sua escolha em uma nova eleição, a sua sexta.

Contudo, existem alguns obstáculos à realização dos pleitos que se encontram faz tempo sem serem encaminhados, mas um deles consiste nos próprios resultados da eleição de segundo turno a demonstrar que o eleitorado se encontra efetivamente dividido, a despeito de um mandato de seu adversário ter sido extremamente nocivo para a imensa maioria do povo. Não obstante, Bolsonaro alcançou cerca de 48% dos votos válidos, o que não é pouco.

No cenário atual temos dois desafios concretos: o do legislativo, que compete aos parlamentares que compõem a frente ampla com as sempre notórias adesões do velho pragmatismo conhecido por todos, e o das ruas. Neste, com certeza o enfrentamento tende a ser mais cruento, pois não se trata mais de uma corrente conservadora e pouco afeita a ações dessa natureza. Ressurgiu uma extrema-direita, tal como nos anos de 1930 com o Integralismo, em condições de criar cenas de confronto direto.

Se no primeiro caso a alternativa do consenso mínimo é conveniente, uma vez que se trata de uma atividade política que implica negociações, desde que republicanas, naturalmente; no que se refere ao segundo desafio, carece de organização popular em condições de conter a chama fascista. Neste caso, não há como negociar dada a natureza violenta dos que se filiam a essa corrente renascida sob uma liderança que jamais foi considerada capaz de liderar qualquer coisa.

Mas, para o fascismo o que importa é ter alguém que represente a ordem e os valores das classes dominantes.

São, portanto, dois confrontos que estarão na ordem do dia neste primeiro ano de governo Lula. Sua liderança pode ajudar e muito a que as pautas do legislativo acolham os projetos mais generosos para as amplas massas de nosso povo. Tirocínio e sagacidade Lula têm o bastante para fazer valer esses desejos compartilhados por muitos. Da mesma forma, que conhece como pouco a maneira de tratar com os representantes do povo a despeito de sua composição mais conservadora e arredia a mudanças.

O que não pode acontecer é que Lula dê absoluta prioridade a construção de consensos ilimitadamente, porque neste caso ele corre o risco de reeditar as velhas práticas da conciliação, presentemente impensáveis diante do projeto de reconstrução nacional e popular. Cabe-lhe, sim, a tarefa de falar diretamente ao povo, seja pela mídia oficial de forma recorrente ou diretamente em comícios que venham a ser organizados porque essas falas são geralmente muito sensíveis a quem vive de esperanças.

Claro que enquanto não se remover os estragos perpetrados pelas hordas fascistas logo no início de seu mandato ainda é cedo para cobrar medidas dessa natureza, isto é, atitudes mais afeitas a proximidade com o povo. É preciso antes dar seguimento aos processos contra o seu governo e a democracia. O dia 8 de janeiro não pode ser esquecido. É indispensável medidas enérgicas e justas, sem o que poderemos ter novas iniciativas antidemocráticas, que, aliás, independem até dessas apurações e criminalizações.

Para que tudo isso aconteça é preciso também desmontar a tática da conciliação, geralmente adotada pela via da eternização das soluções, ou seja, empurrar com a barriga, para usar um termo popular, e daí nada acontece de fato. Em outras palavras, adiar sempre as decisões para que caiam no esquecimento e quiçá surja algum parlamentar a sugerir uma anistia aqueles que atentaram contra os processos democráticos. Trata-se de algo impensável desejar anistiar quem agride os marcos da democracia.

Não basta, portanto, evitar essa situação contumaz de passar a mão na cabeça de quem age conscientemente contra as instituições democráticas, que costuma ser comum em nossa história política. Urge agir com energia. O bastante, pelo menos, para reparar a pobre imagem da democracia tão violada ultimamente.

Por fim, nunca é demais lembrar os anos de 1930, que foram extremamente radiantes no que diz respeito à participação popular, mas que ocorreu num contexto de escalada fascista, de modo a criar o medo de mudanças mais radicais numa sociedade com fortes traços ainda da escravidão. Os confrontos entre integralistas e aliancistas, da Aliança Nacional Libertadora, foram frequentes causando o pânico para os detentores da riqueza num país ainda precariamente industrializado e com fortes traços das relações pré-capitalistas em grande parte de seus território.

A solução pelo alto gerou o Estado Novo, que se de um lado implantou com mais vigor a relação capital e trabalho, por outro empreendeu uma feroz repressão, cujas sequelas são conhecidas até hoje e devem ser sempre lembradas.

Cabe, portanto, ao governo de reconstrução nacional de Lula a tarefa gigantesca de fazer valer a demanda reprimida que precisa ser posta em prática, diante das ameaças de novo retrocesso, o que seria desastroso para a massa de brasileiros que sonha com um futuro melhor.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


PATROCÍNIO

 


Tribuna recomenda!