Por Lincoln Penna –
As perguntas são mais importantes do que as respostas.
(Paulo Freire, o educador)
É uso corriqueiro para certos casos este questionamento. É também uma interrogação que usamos para indagar muitas outras coisas que deveriam nos interessar. Na maioria das vezes o fazemos por mera curiosidade. Raras são aquelas em que nos debruçamos para obter respostas que nos dizem respeito, em geral em razão de tergiversar sobre o que é fundamental para as nossas vidas em relação aos nossos concidadãos.
Assim, essa indagação na vida pública tornou-se algo pouco comum, salvo em momentos em que o mal-estar causado por decisões que afetam de alguma maneira os indivíduos ciosos de seus direitos e temerosos de agravos maiores os levam a que se interroguem sobre o que fazer.
No entanto, vários por quês deixam de ser proferidos diante de situações que provocam certos constrangimentos. Na área da política os por quês têm ficado restritos aos ambientes que operam os debates e as ações dos processos políticos, e se refugiam no silêncio dos que acompanham discretamente o que se passa nesse mundo não freqüentado pela imensa maioria do povo.
A motivação para que nos ocupemos dessa questão se explica em virtude do que acontece presentemente no mundo e no Brasil, referências conjuntas porque inevitáveis uma vez que essa relação entre o nacional e o internacional é absolutamente indiscutível. A ideia da globalização ou mundialização, como queiram nada mais consiste do que o reconhecimento de que compartilhamos da sorte e das eventuais e possíveis desventuras que nos atingem.
Procuraremos traçar em seguida um rol de alguns por quês sempre correndo o risco de cometer até várias omissões a depender, é claro, do juízo de cada um. O critério para elencar essa lista se baseou no que poderíamos chamar de prioridades no campo social para as atuais gerações e seus compromissos éticos com as futuras.
Afinal, a humanidade com todas as turbulências havidas ao longo de sua trajetória no mundo jamais deixou de prever e prover com os meios possíveis as estradas rumo à prosperidade de seus semelhantes. Cultivar essa tradição importa tanto quanto mais exijam os apelos conscientes dos que buscam zelar pela sua existência.
Eis a relação de oito pontos para reflexão, sujeita a novas inclusões:
· 1. Por que a conquista de territórios ainda mobiliza interesses motivados pelo acesso a riquezas do solo e subsolo de áreas a favorecerem grupos em detrimento de outros, a originar desde o início a formação da propriedade comunal desfrutada por alguns grupos sociais e depois incorporada à propriedade privada dos que se impuseram aos seus semelhantes. E hoje em dia, essa política de apropriação figura nas estratégias de conquista em desprezo pela lógica do bem comum, só presente nos discursos de autoridades visando mascarar intuitos determinados pelo poder de conquista. É possível mudar essa lógica?
· 2. Por que ficamos reféns de podres poderes que infernizam a vida da humanidade e a impede de se libertar do uso e abuso dos que se julgam donos do mundo, e cujas insurgências em face de tal situação são objeto de repressão de todo tipo?
· 3. Por que a fome que atinge inúmeras pessoas ainda tem lugar num mundo que esbanja excedente e produz uma acumulação de riqueza jamais vista? A produção de alimentos, em particular, tem rendido fabulosas concentrações de renda sem que se repassem minimamente que sejam as sobras de gorduras provenientes dessa indústria a crescer em paralelo ao crescimento da miséria humana. Como conviver com essas desigualdades sem nos revoltar?
· 4. Por que se mantêm vivas as mais diversas formas de intolerância, sejam elas culturais, religiosas, étnicas, regionais, ideológicas e de gênero, entre outras possíveis e aqui não arroladas, em plena expansão do conhecimento científico e tecnológico alcançado pela humanidade? Como conviver com essas atitudes e práticas divisionistas, arraigadas a princípios irracionais a alimentar a intolerância e fazer do mundo um barril de pólvora capaz de explodir por força da supremacia da ignorância e das taras provenientes dos preconceitos, que continuam a ser alimentados em nome dos mais diversos argumentos com vistas a justificá-las?
· 5. Por que ainda aflora a estupidez ao lado da prepotência como símbolos de supremacia e de sucesso numa existência tão curta do ser humano? A vaidade é um dos motivos para que se tolerem essas distorções reveladoras de um modo de vida caótico e desprezível na contramão dos desafios da humanidade a necessitar da comunhão de todos e todas com vistas à superação desses desafios. É possível manter tais atitudes como símbolos de ostentação em um mundo tão precariamente em combustão?
· 6. Por que naturalizamos os abusos de autoridade quando, por exemplo, certos governantes ultrapassam os limites da razoabilidade para enfeixar interesses escusos e em função do cargo ocupado há como que um acatamento indevido da sociedade? E mais especificamente no que diz respeito à preservação dos bens naturais, como é o caso das florestas e biomas que têm sido alvos da exploração predatória de agentes que visam exclusivamente o lucro com tais intervenções, exemplo mais destacado no Brasil com o que se passa na Amazônia e no Cerrado, principalmente. É possível tolerar esses verdadeiros crimes que afetam diretamente a humanidade?
· 7. Por que é aceitável a desigualdade social como se ela fosse inevitável ou incorrigível? Ou, o pior, como se não nos fossem dadas as condições para removê-la de nosso mundo e em conseqüência fossemos incapazes de prover de dignidade e efetiva integração os nossos irmãos, seres humanos como nós que foram expelidos de nosso meio através da política do desprezo pelo outro tendo na sociedade o seu beneplácito. É isto compatível com o que temos insistido em chamar de humanidade?
· 8. Por que os excluídos sociais são amparados para que possam não apenas sobreviver se alimentando graças a ações de caridade dada a inépcia dos poderes públicos, mas dando-lhes oportunidades de real participação na vida do país. Adotar a caridade não é um erro, mas a sociedade tem condições de reparar os seus erros que deram origem a essa situação, razão pela qual é preciso que se criem mutirões para proporcionar respeito e dignidade a pessoas que não querem apenas comer e permanecer sem perspectivas. Não é hora de se fazer mais e melhor por quem mais precisa?
Por fim e para atiçar a reflexão sobre esses pontos provenientes desse desabafo, sugiro uma resposta global para essas questões enunciadas sejam de fato levadas às últimas consequências, isto é, que precisamos mudar o mundo mediante a implantação de um modo de vida que seja verdadeiramente inclusivo, democrático e libertário, sem o que dias piores virão.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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