Por Pedro do Coutto –

Os atos dos radicais da direita que logo depois das eleições do último dia 30 de outubro foram para as portas de quartéis pedir intervenção militar, portanto, contra a democracia, e organizaram a paralisação de caminhoneiros  no país, na realidade, estão abrindo caminho para o Centrão deslocar-se de imediato para o bloco de apoio ao governo Lula no Congresso.

A radicalização não interessa, e nem poderia interessar, aos parlamentares que ao longo do tempo têm apoiado todos os governos que se sucedem, e agora, sobretudo, por causa do radicalismo, deslocam-se para a corrente partidária que vai apoiar o governo Lula a partir de janeiro de 2023.

MAL-ESTAR – Matéria de Weslley Galzo, o Estado de S. Paulo de ontem, relata o mal-estar causado por bolsonaristas ao ministro do Supremo, Luís Roberto Barroso, que jantava com um grupo de amigos em Santa Catarina. Além disso, as ameaças através das redes sociais, agressivas como sempre, levaram canais como o Instagram a não veicular mais as publicações inapropriadas.

O radicalismo da direita, um extremismo no fundo, não consegue compreender que soluções de ruptura institucional e democrática não podem interessar em primeiro lugar ao país, em seguida a deputados e senadores que foram eleitos também em 30 de outubro e que têm mandatos a cumprir.

A intervenção militar que os radicais propõem atingiria também em cheio os mandatos de todos os eleitos. Além disso, levaria o Brasil a um descrédito internacional profundo, como já ficou evidente ao longo da campanha eleitoral, e sobretudo destacado pelas mensagens de congratulações de chefes de Estado de uma série de países a Lula da Silva por sua vitória nas urnas de outubro.

ARTICULAÇÕES – A respeito de articulações iniciadas por fontes do Centrão ao governo que começa em janeiro, reportagem de O Globo deste sábado, de Natália Portinari e Jussara Soares, focaliza e destaca amplamente o panorama que já se forma a partir de declarações das figuras que atuaram no bolsonarismo até o desfecho eleitoral.

Entre essas figuras, é claro, a de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, líder político que apoia o poder ao longo dos 30 anos, que vem da redemocratização de 1989 às urnas de 2022. Trata-se de um impulso irresistível para o poder como há muitos anos, numa ironia, comentaristas da época de JK, anos dourados, classificavam o comportamento do antigo PSD de Amaral Peixoto e Benedito Valadares.

Na realidade, o radicalismo não tem lugar nos quadros partidários na época de hoje. Nem poderia, pois afinal de contas, nenhum partido ou facção pode ter um projeto de paralisar o país, o que no fundo puniria a população mais do que ela já foi punida pela política econômica formulada por Paulo Guedes e colocada em prática pelo presidente Bolsonaro. Basta examinar os fatos sem paixão e com a isenção que só o realismo consegue retratar nitidamente.

PROGNÓSTICOS – Além do Datafolha que previu vitória de Lula por 52% a 48% (ela foi por 51% a 49%), um acerto também foi alcançado plenamente pelo economista Filipe Campello que montou uma equação lógica sobre o desfecho final com base  no resultado do primeiro turno.

Considerou que à luz da diferença de votos, sobretudo numa eleição intensamente polarizada como a de Lula e Bolsonaro, não haveria possibilidade de o atual presidente chegar na dianteira pois para isso teria que haver a transferência de votos numa escala incapaz de superar a diferença registrada nas urnas de 2 de outubro. De fato, com apenas dois candidatos, a diferença diminuiu. Mas não foi compensada pelos votos nas urnas democráticas.

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Inflação e concentração de renda são os desafios permanentes para os governos do mundo inteiro

A inflação e sua eterna parceira, a concentração de renda, são os fatores essenciais que separam a população e os governos formando uma barreira difícil de transpor e que é o único caminho para o desenvolvimento econômico e social de um país. O problema é que nas nações democráticas, o voto é a renovação de esperanças de que o impasse que se eterniza entre o capital e o trabalho seja solucionado sob a ótica cristã e democrática.

Não se trata de atentar contra a propriedade. Essa visão comunista já se esgotou e está arquivada no passado. Trata-se apenas de destinar uma parcela do que se produz no mundo (cerca de US$ 90 trilhões por ano) para uma solução que tenha base, digamos, 90% para o capital e 10% para remuneração do trabalho humano.

IMPASSE – Em 20 anos, a extrema pobreza e a fome terão ou teriam desaparecido no universo.  O impasse atravessa os séculos e o desafio permanece. Agora mesmo verifica-se seu ressurgimento nos Estados Unidos e seu reflexo nas eleições americanas de amanhã, terça-feira.

Excelente reportagem de Filipe Barini, O Globo deste domingo, focaliza o arremate da campanha eleitoral para a escolha da nova Câmara dos Deputados, um terço do Senado e de governadores para 36 dos 50 Estados americanos. O Partido Democrata, consequência da inflação que tem marcado o governo Joe Biden, alimentou a campanha republicana, que está sendo comandada por Donald Trump.

As pesquisas dão avanço dos candidatos trumpistas. Incrível isso, já que o episódio de janeiro de 2021, quando foi feita a brutal invasão do Congresso e a tentativa idêntica e absurda de impedir o reconhecimento de Biden nas urnas, o grupo da direita tenha conseguido avançar.

INDECISOS – Uma ameaça bastante forte, tanto assim, que levou o ex-presidente Barack Obama às ruas da Filadélfia para apoiar um candidato do partido ao Senado, provavelmente tentando com a sua presença motivar eleitores indecisos e levando-os a comparecer às urnas num país em que o voto não é obrigatório.

Tenho a impressão de que o nível de comparecimento será fundamental para um desfecho no qual, além de um julgamento parcial do governo Biden, pode representar uma derrota dos ideais dos fundadores da nação. Surpreende o reflexo na participação de Donald Trump, pois não se trata apenas de um julgamento sobre a Casa Branca. Trata-se, mais que tudo, de um combate ideológico entre a direita conservadora e o partido democrata que representa muito mais o esforço para um desenvolvimento social mais concreto.

Surpreende o impasse da concentração de renda porque os mais ricos são os ganhadores da inflação, já que não pode haver crédito sem débito. O encontro efetivo entre capital e trabalho dentro da visão cristã e progressista, dois mil anos depois de Cristo, ainda está para se realizar.

Mas é preciso não confundir uma dificuldade milenar e uma diferença de não aceitar o resultado das urnas, essência da liberdade e da democracia.

PEDRO DO COUTTO é jornalista.

Enviado por André Cardoso – Rio de Janeiro (RJ). Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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