Por Ricardo Cravo Albin

“Discordo do “liberou geral” para com as cautelas que a terrível pandemia ainda pode provocar”. Margareth Dalcolmo, médica e benemérita em advertências ao Brasil por dois anos.

Confesso que apenas um indeclinável dever me move a escrever estas linhas de agora, batendo na mesma tecla que já me enjoa o estômago: insistir no mesmíssimo tema por já dois anos e que é a necessidade de cautela em relação aos riscos de que se desativem os mecanismos de proteção à insidiosa e traiçoeira pandemia. O dever está representado em ação e inação. Ação por ter escrito o livro “Pandemia e Pandemônio”, amplamente lido no país, um balanço trágico dos porquês quase 670 mil brasileiros perderam a vida assim, de repente, sem mais nem menos. A inação se deve ao fato extremamente preocupante de o Ministério da Saúde ter anunciado há horas o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (sigla que responde pelo apelido ESPIN).

O sempre controvertido Ministério da Saúde anunciou duas medidas, a primeira, verdadeira, que está sendo a melhoria do cenário da pandemia e o avanço da vacinação contra a Covid. Declara ainda, o que tentei decifrar sem chegar a qualquer conclusão, que nos próximos dias haverá um ato normativo para oficializar a medida da “extinção” da pandemia.

De qualquer modo, cerco-me de intuição sombria, o rebaixamento do status emergencial da crise sanitária não poderá em nenhuma hipótese ser a ridícula afirmação, autoritária e eleitoreira, de considerar a tragédia encerrada. Até porque a decretação do fim da pandemia é uma atribuição da OMS (Organização Mundial da Saúde). Como também é exclusivo seu alcance para baixar a pandemia ao patamar de endemia. Não há o que falar em tal tolice quando temos no Brasil uma média de 100 mortes diárias, bem como quase 3 mil contaminações/dia.

O mais grave desse tipo de lero-lero enganador é que o estado formal de decretação de Pandemia protege decreto e leis a favor da saúde pública, desde direitos trabalhistas até a compra e venda de insumos à vigência da emergência em saúde.

Mecanismos relacionados à ESPIN tornam possíveis ampliações do uso de tele consultas, além de facilitações tanto para importação de medicamentos quanto para compras em mercados internacionais.

Outra questão que não podemos esquecer ao “declarar” extinta a pandemia será o cancelamento das autorizações emergenciais concedidas à Anvisa para compra e entrega imediata de medicamentos e vacinas. Isso vem salvando vidas aos milhares por aqui, desde que já 80% dos brasileiros conseguimos o benefício de três doses protetoras. Além de medicamentos hoje de farta utilização, como sotrovimad, evulshed e o paxlovid, e também o remdesivir, já com registro definitivo para importação emergencial.

O que me cabe observar de imediato é que esse tipo de anúncio causa efeito exatamente oposto ao que o Ministério da Saúde pretendia. Ao invés de acalmar o mercado, apenas provoca grave inquietação, desequilíbrio e instabilidade. Até porque ninguém é idiota ou cego a não ver o que as estatísticas diárias do “pool” de imprensa divulgam, exatamente porque o Ministério se recusou a fazê-lo lá atrás no começo da pandemia, lembram-se?

Outro fator intimidador, e parece que o Ministério se recusa a entender, será olhar para trás e para outros países, que acabaram por se transfigurarem em ioiôs simbólicos: sobe-desce, tira-bota, libera tudo – proíbe tudo outra vez. Na Europa esse feito contraditório se fez presente dezenas de vezes. Agora mesmo, há poucas horas, assisti na televisão que o uso de máscaras, abolido por algumas das maiores cidades norte-americanas em ambientes fechados, voltou à obrigatoriedade, até mesmo ao ar livre, quando há multidões.

A epidemia, todos sabemos, não está controlada em muitas regiões do planeta. A voz geral da OMS é que o mundo é cada vez mais uma aldeia global. Todos, para o bem ou para o mal, estaremos intercomunicados.

Daqui há poucas horas, se reunirão no Sambódromo Darcy Ribeiro, gigantesca massa humana, plateia e quase 60 mil desfilantes.

Será mesmo a hora de retirar máscaras? Serão convenientes a aproximação por abraços ou os beijos e afagos íntimos, a que todos os cariocas estamos tão acostumados?

Eu irei. Lá trabalharei comentando para as emissoras estrangeiras. Mas de máscaras. Sempre. E já preveni aos que se aproximarão o afastamento de um metro. Sem exceção.

***

P.S.1– Ainda bem que ao solicitar, e de pronto receber, minha credencial de “pista livre” pela Presidência da LIESA, fui solicitado a apresentar o passaporte vacinal. Se não recebesse essa solicitação, lá não poria os pés. Ponto positivo para os cuidados da LIESA para com os que circularão pela passarela.

P.S.2– Vejo com grande pesar e indignação que, contrariando normas do STF, alguns Tribunais se dão o desplante (e o despudor) de derrubar exigência de passaporte vacinal em universidades federais. Os insensatos que se lixam para a vida dos seus alunos: as universidades de Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Mato Grosso. E que pare por aí…

RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.


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