Por Miranda Sá

“Esse estranho que mora no espelho (e é tão mais velho do que eu) olha-me de um jeito de quem procura adivinhar quem sou.” (Mario Quintana)

O espelho entra na História do Brasil com a árvore que batizou o País…  Foram os indígenas que derrubavam as árvores, cortavam em toras e as transportavam até os navios. Em troca deste trabalho, recebiam espelhos, miçangas e outros objetos.

A magia de refletir a própria imagem era motivo de muita alegria para os nossos ancestrais; e vem de muito longe…. Investigações sobre o espelho registram que o seu uso vem de muitos séculos, trazendo como exemplo as conhecidas Histórias das Mil e Uma Noites.

No texto original de um dos contos, a personagem, Sherazade, é descrita por suas características intelectuais — coragem, memória, astúcia, leitura, dedicação aos estudos de medicina, filosofia e belas artes, poetisa —além das belas características físicas refletidas no espelho.

Casou-se com um potentado que após possuir a virgindade das esposas, as sacrificava, se houvesse oferecido seu lindo corpo teria morrido como as outras; mas ao enfrentar o risco, ela exaltou a dignidade feminina e venceu a morte pela inteligência distraindo o príncipe com histórias fantásticas em série…. Foi a inventora das novelas.

Também nas histórias infantis dos Irmãos Grimm, temos Branca de Neve e sua madrasta, descrita como bonita, mas orgulhosa e dominadora, que não conseguia aceitar o fato de alguém ser mais bela do que ela.

A Rainha possuía um espelho mágico e todos os dias lhe perguntava quem era mais bela, para ter certeza de ser a mulher mais linda do reino. O espelho não mentia, e quando Branca de Neve desabrochou como uma linda adolescente tornando-se mais bonita que ela, o espelho disse que a Princesinha era “mil vezes mais bela” do que a madrasta.

A moça foi condenada â morte, mas escapou com a ajuda de anõezinhos.

Temos também o interessante e proverbial conto de Hans Christian Andersen, “A Roupa Nova do Imperador” em que o monarca gostava de ser admirado pelas roupas que usava sem se olhar no espelho. Certa vez um mágico que passava no reino costurou para ele que, aos seus olhos, era um encantador uniforme; o traje, na verdade, era transparente mostrando-o inteiramente nu.

Vestido orgulhosamente com a nova vestimenta, percorreu desnudo nas ruas em procissão sem que nenhum cortesão lhe alertasse para isto. Assim, escandalizou aos seus súditos, até que o silencio dos bajuladores fosse interrompido pelo grito de uma criança, entre os assistentes, dizendo que o Imperador estava nu.

A verdadeira situação despertou o monarca vaidoso que então resolveu tomou consciência para mostrar-se diante do povo. Desta maneira se vê que a construção da identidade dos chefes de Estado deve ser autêntica sem se refletir nos espelhos dos fanáticos que o seguem, sendo elogiado mesmo sendo agressor dos costumes e da ética.

Refletindo, vemos que política é um espelho, em que os seus agentes refletem o que realmente são, com real semblante de egoístas e mentirosos; vestem-se com odiosas ideologias, transparentes da Nação. Na sua soberba não creem que um dia responderão ao eleitorado para julgamento.

No caso brasileiro, é interessante vermos no espelho da realidade nossas crianças ficarem expostas à contaminação pelo vírus, gritando que que vestido de negacionismo, o Presidente estás nu.

Nas clínicas infantis públicas e privadas meninas e meninos doentes denunciam a estupidez que serve de farda transparente ao Capitão necrófilo sob o silencio cúmplice dos seus fanáticos seguidores.

Felizmente esta face horrenda da maldade não se reflete sozinha no espelho. A imagem refletida do amor nos encanta com o canto dos poetas, como Pablo Neruda:

“Se sou amado, quanto mais amado mais correspondo ao amor. Se sou esquecido, devo esquecer também, pois o amor é feito espelho: – tem que ter reflexo.”

MIRANDA SÁ – Jornalista profissional, blogueiro, colunista e diretor executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã; Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo.


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NOTA DO EDITOR: Quem conhece o professor Ricardo Cravo Albin, autor do recém lançado “Pandemia e Pandemônio” sabe bem que desde o ano passado ele vêm escrevendo dezenas de textos, todos publicados aqui na coluna, alertando para os riscos da desobediência civil e do insultuoso desprezo de multidões de pessoas a contrariar normas de higiene sanitária apregoadas com veemência por tantas autoridades responsáveis. Sabe também da máxima que apregoa: “entre a economia e uma vida, jamais deveria haver dúvida: a vida, sempre e sempre o ser humano, feito à imagem de Deus” (Daniel Mazola). Crédito: Iluska Lopes/Tribuna da Imprensa Livre.