Por Ricardo Cravo Albin

“Réveillon é ótimo na primeira taça. Na vigésima vira uma chatice.” (Marques Rebelo)

A vida de cronista do cotidiano, ou de comentaristas dos dirigentes do país, anda de fato muito problemática. Por quê?

A resposta um tanto capciosa fui encontrar em frase de Rubem Braga espertamente anotada e soprada a mim pelo amigo Otto Lara Resende, ao reclamar da insistência com que Braga se referia aos malefícios da gripe de Hong Kong (uma pandemia histórica – 1968/1969) de que pouco se falou nesses tempos muito mais agudos de coronavírus – “Otto, você se queixa de que dou importância assídua à tal gripe asiática. Eu não tenho nada com isso, mas o fato é que meus amigos e até parentes me azucrinam os ouvidos com queixas e mais queixas sobre os incômodos dessa maldição que surgiu em Hong Kong, causou um milhão de mortes que tinha nos idosos sua maior presa, na linha direta da pior dentre todas, a “asiática” do final da primeira guerra de 1918. Então eu te imploro, crie borboletas e as espalhe em minha casa, em especial as amarelas.”

Imagino também a inquietação ou mesmo fúria de cronistas políticos ao ouvir o Ministro da Saúde declarar alto e em bom som que a ANVISA não tem razão em recomendar a vacinação de crianças. Ou seja, nós, os que escrevemos sobre a atualidade, estamos atordoados com a veiculação desse tipo de contradição, já que as coisas começam a perder a lógica, a sensatez. E até a coerência.

A realidade de hoje indica a redução consistente do coronavírus apontada pelas pesquisas, o que pode dar – como está de fato dando – a falsa impressão de que a pandemia já foi para o espaço. Ledo engano. De fato, ela ainda está incrustada em nosso espaço. Prova claríssima é que a variante ômicron se espalha em velocidade assustadora e acaba de fazer as primeiras vítimas fatais. Até agora, ao que tudo indica, embora aparentasse não ser letal, ela se espalha em altíssimo nível e é muito contagiosa. Por conta disso, fiquei horrorizado ao saber de sábado até agora, nesta noite de segunda-feira, dos países europeus se fechando em severa cautela. Sabe-se também de um número quase asfixiante de contágio nos Estados Unidos e até na pequena Holanda. Portanto, às vésperas do Natal e do Réveillon o acúmulo de infecções nos bate à porta, ostentando cartazes de “alto risco”. O óbvio: não há como não implorar aos meus amigos e leitores que “todo cuidado será pouco”, como asseverava a sabedoria de minha bisavó aos familiares mais afoitos.

Muito acertadamente a maioria das capitais do país cancelou suas festas de réveillon. Rio, Recife e Florianópolis descartaram o risco óbvio de shows, mas mantiveram a queima de fogos. Ainda bem que Eduardo Paes teria tomado medidas convenientes para evitar o “indesejado”, a contaminação de multidões espremidas à beira da praia. Uma dessas medidas é particularmente eficaz: as restrições nos sistemas de transportes para desestimular a circulação. Meu temor é que os fogos possam atrair multidões. Pela primeira vez na vida, quero crer, estou a torcer para que as pessoas não saiam de suas casas e tomem seus espumantes apenas com os familiares.

Todos os meus amigos infectologistas me asseguram que quaisquer aglomerações nas praias seriam desaconselháveis, não só pela Covid como pela epidemia de gripe e ainda por cima a ômicron de agilíssimo contágio.

É claro que este intimidado escriba ficará em casa, com no máximo oito familiares-amigos, em espaço aberto e super ventilado. Com máscara, até pelo menos a segunda taça de vinho. Daí em diante ninguém segura – E é aí que mora o perigo…

Mas para finalizar, uma palavrinha de tênue esperança. Hoje se esboça à nossa frente um cenário diferente do ano passado. Afirmava-se então que os primeiros meses de 2021 seriam os mais tristes do século. De fato, de janeiro a abril a Covid matou mais brasileiros que em 2020 todo. Agora, convenhamos, a vacinação de quase 60% da população nos dá mais esperanças. Cautela, contudo, será a palavra de ordem mais prudente. Não se esqueçam do que ocorre agora na Europa, onde a pandemia que parecia sob controle voltou e continua a matar. E a desferir tiros de canhão em economias fortíssimas. É obrigação de cada consciência minimamente ligada ao real – e não ao negacionismo – combater essa peste demoníaca.

Desgraçadamente ainda desconhecida e sempre perigosa, em especial em ocasiões temerárias como o réveillon, que sempre agrega multidões em praias ou em festas particulares.

P.S. 1: Uma lágrima pela morte do amigo de vida inteira Paulo Fernando Marcondes Ferraz.

P.S. 2: Um abraço ao dramaturgo Sérgio Fonta pela eleição para a presidência da querida Academia Carioca de Letras. Outro para o poeta Claudio Murilo Leal, que transfere ao Fonta a ACL, tal como eu lhe transferi o cargo há dois anos.

P.S. 3: Saudação fraterna a Merval Pereira que, eleito presidente para a ABL, com o luxo de Nélida Piñon como vice, terá o encargo de abri-la neste ansiado fim de pandemia.

P.S. 4: Dia 8 de Janeiro estarei lançando ‘PANDEMIA E PANDEMÔNIO’ na IPANEMA WINE BAR (Rua Gomes Carneiro, 132/112 – Ipanema), do querido casal de jornalistas Daniel Mazola e Iluska Lopes, editores desta TRIBUNA DA IMPRENSA LIVRE. Será às 19h e teremos degustação de vinhos, oferecimento da Família Brito.

RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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NOTA DO EDITOR: Quem conhece o professor Ricardo Cravo Albin, autor do recém lançado “Pandemia e Pandemônio” sabe bem que desde o ano passado ele vêm escrevendo dezenas de textos, todos publicados aqui na coluna, alertando para os riscos da desobediência civil e do insultuoso desprezo de multidões de pessoas a contrariar normas de higiene sanitária apregoadas com veemência por tantas autoridades responsáveis. Sabe também da máxima que apregoa: “entre a economia e uma vida, jamais deveria haver dúvida: a vida, sempre e sempre o ser humano, feito à imagem de Deus” (Daniel Mazola). Crédito: Iluska Lopes/Tribuna da Imprensa Livre.