Por José Dirceu –
União de partidos pode assegurar vitória eleitoral, mas ainda falta regulamentação.
Não será fácil fazer uma federação para as eleições de 2022. Ainda que haja vontade política e consciência da necessidade de união dentro dos partidos e entre os partidos de esquerda, mais concretamente PT, PSB e PCdoB, e mesmo com o Psol, Rede e PV. Sem desconsiderar que o próprio Psol está propondo uma federação com o PCdoB e a Rede, aprovada inclusive por sua direção nacional.
Deixando de lado as realidades de cada partido e partindo da necessidade de derrotar Jair Bolsonaro (PL), a frente de centro-esquerda já se justificaria. Ela cresce de importância quando se tem o fato que enfrentaremos também um candidato ou 2 da chamada 3ª via, ou seja, da direita neoliberal que foi sócia da Lava Jato, do golpe contra a presidente Dilma (PT) e do governo Temer (PMDB), e hoje sustenta o programa econômico razão-de-ser do governo Bolsonaro.
Assim, o momento histórico e a disputa político-eleitoral exigem unidade das esquerdas para derrotar Bolsonaro e a direita expressa na dupla Doria (PSDB)–Moro (Podemos) que, inclusive, poderá se tornar aliada por pressão das forças econômicas e midiáticas que se opõem a nós e ao nosso projeto político.
Não se pode desconsiderar as posições políticas de segmentos de partidos aliados, como PSB e Rede, que não apoiam a pré-candidatura de Lula (PT-SP). Defendem um candidato anti-bolsonarista da 3ª via.
Não bastassem esses obstáculos existentes no cenário atual, o fato é que como, foi aprovado pelo Congresso, o instituto das federações tem mais interrogações que respostas. Com um agravante: sua regulamentação caberá ao TSE, que ainda não a fez.
MUITAS INTERROGAÇÕES?
Qual será o critério de decisão dentro da federação, proporcional às bancadas dos partidos ou sua votação em 2022, ou cada partido terá um voto? Como serão decididos os candidatos aos cargos legislativos proporcionais e aos cargos majoritários do Executivo e do Senado? A definição de critérios é decisiva para a escolha de candidatos aos governos estaduais e ao Senado, a presidente da República e à Câmara dos Deputados.
Da mesma forma que setores dos partidos do campo das esquerdas não apoiam a pré-candidatura de Lula, muitos de seus congressistas, seja nas assembleias legislativas, seja na Câmara dos Deputados ou no Senado, se alinham com o governo federal ou com governos estaduais de posições neoliberais da chamada 3ª via. O que mostra que, no Legislativo, a implementação da federação também é um caminho difícil.
Em 2024, teremos eleições municipais. Qual será o critério para decidir quem representará a federação em cada um dos 5.570 municípios, tanto no Executivo como na Câmara de Vereadores? A mesma pergunta vale para os Estados.
E quando estivermos exercendo os mandatos legislativos e os governos, qual será o critério para decidir sobre políticas e projetos dos governos, sobre questões políticas essenciais, como compatibilizar as diferenças e divergências? Como organizar listas de candidatos de forma a não repetir as coligações, onde 1 partido indicava 20 ou 30 candidatos e outros apenas 1 ou 2, já com base eleitoral consolidada? Cada partido estará disposto a buscar candidaturas que contribuam para eleger mais deputados?
O fato é que, no nosso caso, a federação não surgiu como resultado de alianças e lutas comuns de partidos em torno de diferentes bandeiras, embora essas alianças existam tanto na luta Fora Bolsonaro, na Frente Brasil Popular e na Frente Povo sem Medo como na atuação comum das fundações dos partidos de esquerda citados e de seus congressistas na Câmara dos Deputados e no Senado. Particularmente na luta contra as tentativas de golpe de Bolsonaro e contra medidas autoritárias como o pacote anticrime e as reformas previdenciária, administrativa e trabalhista.
Experiências bem-sucedidas como a da Frente Ampla do Uruguai ou da Concertação chilena são arranjos históricos pela base ou acordos políticos pós-ditadura. Aqui, a aprovação da federação de partidos foi uma solução para impedir o desaparecimento de partidos históricos, como o PCdoB, o PV e a Rede e mesmo o Psol (depois o fantasma foi afastado), pelo risco de não superarem a chamada cláusula de desempenho. Portanto, uma solução muito mais casuística, já que as coligações proporcionais tinham sido proibidas, do que um instituto resultado de um processo de boas experiências coletivas.
De qualquer forma, é bom destacar que, ao contrário da coligação, seu âmbito vai muito além do período eleitoral e permite construir uma identidade programática e de atuação política que pode vir a ser uma arma contra a fragmentação partidária.
A federação, se regulamentada de modo a garantir o peso de cada partido, pode ser um ponto de partida para uma real frente de partidos pela base e com programa comum, com decisões democráticas que garantam a dimensão de cada partido em termos de voto e filiados, com órgãos proporcionais para a direção e real participação das bases em prévias e primárias e decisão sobre o programa.
Isso não quer dizer que, ao longo do tempo, não se tenha desenvolvido lutas comuns e realizado governos de coalizão e mesmo frentes nas Casas Legislativas, com líderes da Oposição e da Minoria quando somos oposição. Mas, até hoje, as experiências foram poucas e, em muitos casos, “para inglês ver”, já que só partido de governo toma as decisões.
Debate e discussão pública, com vetos e imposições, são o caminho certo para o fracasso da federação e para enfraquecer a posição daqueles que a defendem. O mais prudente é aguardar e trabalhar por uma decisão do TSE que viabilize a federação. É importante se levar em conta que, em 1º lugar, qualquer proposta de federação pressupõe um diagnóstico da crise social e econômica atual e um programa para superá-la.
A força da imagem e da mensagem de 4, 5 ou 7 partidos federados, apoiando um só candidato, pode ser forte e suficiente para a vitória. Mas, se mal administrada e se os critérios de decisão não forem democráticos e proporcionais ao peso de cada partido, criaremos, na verdade, as condições para o fracasso não só da federação, mas dos governos eleitos.
JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA E SILVA, 75 anos, é advogado. Foi deputado estadual e federal pelo PT e ministro da Casa Civil (governo Lula). Foi condenado na Lava Jato a 32 anos e 1 mês de prisão e solto quando o STF proibiu prisões pós-condenação em 2ª Instância. Lançou em 2018 o 1º volume do livro “Zé Dirceu: Memórias”, no qual relembra o exílio durante a ditadura militar, a volta ao Brasil ainda na clandestinidade, na década de 1970, e sua ascensão no Partido dos Trabalhadores.
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NOTA DO EDITOR: Quem conhece o professor Ricardo Cravo Albin, autor do recém lançado “Pandemia e Pandemônio” sabe bem que desde o ano passado ele vêm escrevendo dezenas de textos, todos publicados aqui na coluna, alertando para os riscos da desobediência civil e do insultuoso desprezo de multidões de pessoas a contrariar normas de higiene sanitária apregoadas com veemência por tantas autoridades responsáveis. Sabe também da máxima que apregoa: “entre a economia e uma vida, jamais deveria haver dúvida: a vida, sempre e sempre o ser humano, feito à imagem de Deus” (Daniel Mazola). Crédito: Iluska Lopes/Tribuna da Imprensa Livre.
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