Por José Carlos de Assis –
Quando vemos o que está acontecendo em torno de nós, na sociedade e na política, sob a forma mais escabrosa de agressões a direitos sociais, à degradação das instituições da República, a uma escalada explicita de corrupção no Executivo e no Legislativo, à degeneração do próprio Judiciário – quando tudo isso acontece, sem maior reação social e política do povo, a não ser falatório, nos ocorre que alguma coisa de muito errado deve estar acontecendo conosco em termos de percepção do real.
Somos nós que temos a lucidez da loucura, ou é a sociedade que se afunda na escuridão coletiva da inação por falta de coragem de atuar concretamente contra o terrorismo social e político a que estamos submetidos? Estamos na era da informática, as ondas eletrônicas nos trazem instantaneamente novos fatos a cada dia, esses fatos se acumulam numa pilha interminável de comunicações orais ou por escrito. Contudo, não temos tempo de analisá-las. O máximo que fazemos é falação, lives na internet!
Façamos um sumário do que tem sido esses últimos dois anos e dez meses e meio em termos sociais e políticos no país, desconsiderando a ordem cronológica: 1) um presidente da República faz dois comícios gigantescos, em Brasília e em São Paulo, transmitidos pela televisão para todo o país, e proclama para quem quiser ouvir que não mais obedecerá a ordens judiciais. Ataca pessoalmente um ministro do Supremo. Este não reage. É um crime público de responsabilidade. Mas não acontece nada.
Um presidente da República, obcecado pela ideia de levar o povo a lhe apoiar num golpe contra as instituições, aconselha pessoas famintas a comprar armas, em lugar de arroz e feijão. Não acontece nada! Um presidente da República faz gestões para retardar propositadamente compra de vacinas contra a Covid e contribui para acelerar negociatas com uma vendedora estrangeira, facilitada por seu líder na Câmara. Não acontece nada. Com nenhum dos dois. A não ser falação! Blá, blá, blá!
Basta por aqui no Executivo. Na Câmara, seu presidente, Arthur Lira, manobra diante do país inteiro, com a maior naturalidade, a aprovação da emenda dos Precatórios, de iniciativa do Executivo e em cumplicidade com o Legislativo. Dentro de uma falsa embalagem social, contém o objetivo claro de liberar bilhões de reais para patrocinar campanhas políticas de parlamentares acobertados pelo anonimato no ano eleitoral de 2022. Não acontece nada!
No Senado, seguem as manobras para assegurar a aprovação da emenda dos precatórios, com ajuda explícita do líder do governo na Câmara, o homem que retardou a vacinação contra a Covid, Ricardo Barros – o mesmo a respeito de quem, com testemunha, Bolsonaro disse que a negociata “era coisa” dele. Nada. Em seguida, vem desoneração da folha de pagamentos dos trabalhadores, não para desonerar os próprios trabalhadores, mas para favorecer o capital. Não acontece nada!
No Judiciário, no momento de uma decisão sobre uma querela judicial visando a indenizar famílias de mais de 200 mortos na tragédia de Brumadinho, em Minas, o Superior Tribunal de Justiça do Estado manda a ação voltar ao estágio inicial na Justiça Federal, sob um pretexto chulo, com o óbvio propósito de retardar os pagamentos. Não acontece nada! O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, retarda por 18 meses e decide mandar julgar na Justiça comum, onde se encontram cúmplices explícitos de Bolsonaro, as “rachadinhas” de seu filho . Nada acontece!
Este mesmo STM, rápido como quem rouba, decidiu em tempo recorde que a Petrobrás pode privatizar oito refinarias sem passar pela “formalidade” da aprovação no Congresso. Com isso, possibilita que se torne definitiva a política de preços dos derivados de petróleo que, através de uma fórmula matemática artificial, obriga a empresa a aumentar aceleradamente os preços internos de gasolina, diesel e gás de cozinha para dar margem a entrada no mercado interno de petrolíferas externas.
Essa decisão do STF, para todos os efeitos práticos, eventualmente permitirá – se Bolsonaro e Guedes não caírem antes – que a Shell e suas co-irmãs aumentem para 50% sua participação no mercado interno. Esta, devido à política de preços de derivados da Petrobrás, já é de 30%. Por enquanto, isso é viabilizado por importações de petrolíferas que têm custos muito superiores aos da Petrobrás e que só vendem aqui por causa da fórmula que força a alta dos preços da por cima dos preços dela. Ninguém faz nada!
Ainda não é tudo. A empresa que vende para os consumidores que a construíram nacionalmente, ao longo de décadas, os combustíveis mais caros do mundo, tornou-se, desde a administração de Pedro Parente, continuada pelos sucessores, inclusive o general atual que nada entende de petróleo, a mais lucrativa e que distribui os mais generosos dividendos do planeta. Ninguém faz nada, mesmo porque esse processo começou ainda com FHC, com a internacionalização dela.
E não é só isso. Bolsonaro e Guedes, depois de promoverem a privatização fatiada de mais de 200 segmentos da Petrobrás, alguns de importância vital para a sua expansão como o mais poderoso instrumento estratégico para o desenvolvimento da economia, querem privatizar seu próprio núcleo. A reação tem sido retórica, de petroleiros, ou uma greve frustrada de caminhoneiros que venderam os interesses da sociedade ao aceitarem a regra inflacionária do aumento dos preços dos fretes.
O fato é que o aumento acelerado dos preços dos combustíveis, cuja revogação era o primeiro item reivindicatório da proposta de negociação levada ao governo pelos caminhoneiros, quando associada ao aumento dos fretes, que eles tinham como segunda revindicação, é contraditória em relação aos interesses da sociedade. Se não há redução (na verdade há aumentos) dos preços dos combustíveis, e os preços dos fretes aumentam para atender a reivindicação dos caminhoneiros, segue-se uma escalada inflacionária que, no limite, levar à hiperinflação. Ninguém faz nada!
Vejo-me como os antigos profetas bíblicos, uma voz que prega no deserto: ou a sociedade reage, já que o sistema político não o faz, ou mergulhamos todos numa hiperinflação catastrófica, liderada pelos preços da energia, dos juros e do câmbio, que nos levará à desorganização completa da economia e da própria sociedade. E isso frustrará os incautos que acham que tudo se resolverá com as eleições do próximo ano. Na verdade, nada se resolverá. A hegemonia do PT, o partido dividido que provavelmente as ganharia, é ameaça para a economia que requer unidade de ação.
Estamos, pois, numa situação política que confere ao povo, em confronto com um poder tirano, o direito à rebelião. Bolsonaro não é um ditador. Ele só é ditador enquanto governo, na medida em que chefia uma coalizão com o Congresso, onde tem maioria comprada, para impor sua vontade ao povo, na prática, como se fosse um soberano absoluto, sem possibilidade de contestação. É o caso da infame emenda dos precatórios, de evidente favorecimento próprio e apoiada na prerrogativa de emendas parlamentares sem prestação de contas.
Quem recebe da sociedade a prerrogativa do exercício do poder, sustenta Locke, um dos fundadores da democracia moderna, tem de “salvaguardar os direitos naturais” da comunidade – principalmente a vida e a liberdade. Bolsonaro os viola sistematicamente ou tenta violá-los. Nesse caso, a comunidade tem o direito de resistir. “Se um governo subverte os fins para os quais foi criado e se ofende a lei natural, então pode ser deposto”, conclui um dos pais da filosofia política.
Entretanto, não sou tão louco quanto os revolucionários que, antes de uma eventual estabilização, levaram o caos à França do século XVIII, à Rússia de 1917, à China de Mao, a Cuba de Fidel e à própria Venezuela de Chavez e de Maduro. No período intermediário entre o caos e a estabilização, os líderes ou se protegem ou se matam, enquanto o povo sofre as consequências do terror revolucionário e da escassez de comida. Por isso, a revolução de hoje, pacífica, deve ser planejada e justificada.
É ao planejamento de uma revolução pacífica, mudando o regime neoliberal e não simplesmente pessoas que o comandam, que me dedico desde que, com o impeachment de Dilma e a radicalização do neoliberalismo no Brasil, me convenci de que caminharíamos para o caos. Era preciso preparar logo não apenas a derrubada do regime iníquo, mas, principalmente, o resgate do povo e da Nação. Estamos literalmente no Caos. A melhor prova disso é o sumário apresentado acima das decisões institucionais dos dias presentes.
O psiquiatra Paulo Andre Issa, diante da realidade dramática que nos cerca, dá o seguinte aviso: “Está todo mundo louco. Não é impressão sua. Não é só você”. De fato, é a própria sociedade que está louca. Arriscando um diagnóstico político, não propriamente psiquiátrico, digo a razão: é porque falamos demais e temos pouca ação. Blá, blá, blá, blá, blá, blá, dizia Salvador Dali debaixo de seu Cristo crucificado. Entre nós, o Cristo sacrificado é o povo, e os que dizem blá, blá, blá, são as elites!
Por isso estou oferecendo um plano de ação à sociedade brasileira. Qualquer um poderá ter acesso a ele, através do artigo sob o título de “Agir Já. Chega de blá, blá, blá!”. Breve estará neste blog e nas redes.
JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Autor de “A Era da Certeza”, que acaba de ser lançado pela Amazon. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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MAZOLA
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