Por Lincoln Penna

O erro maior que podem cometer os revolucionários é olhar para trás, para as revoluções do passado, enquanto a vida nos oferece toda uma longa série de elementos novos. (Lênin)

Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo foi escrito por Lênin, e publicado em 12 de maio de 1920. No livro, o autor condena a estratégia de uma parte de seus camaradas internacionalistas, membros da Internacional fundada em 1919, sobretudo os comunistas alemães e os ingleses, acusando-os de desvio ideológico à esquerda.

O empenho do líder da Revolução de Outubro de 1917 era a de entender porque razões alguns dos membros do movimento comunista internacional desprezavam a participação política nos espaços legais da ordem burguesa. O parlamento era um lugar no qual era possível denunciar a política colonialista a oprimir povos submetidos à dominação dos Estados burgueses.

O mais importante, no entanto, e que se encontra na lógica marxista de Lênin consistia exatamente em valorizar a ação política, não importa em que situação. Da mesma forma que não há senão uma única realidade e é nesta que se travam as lutas de classes. E estas passam por todas as instâncias. Minimizá-las a pretexto de que tal ação é oportunista define a doença diagnosticada pela autoridade do líder inconteste da Revolução que abalou o mundo.

Se há oportunismo de direita, no sentido do emprego sistemático da prática da conciliação de classes, não menos desastrosa é o oportunismo de esquerda, geralmente coberto por uma soberba de cunho autoritário. O primeiro por enxergar tão somente o momento e interesses imediatos, o de esquerda por se julgar acima de qualquer contestação porque se sente dono da história.

No caso do Brasil dos nossos tempos ambos os desvios se encontram presentes. No que se refere ao crônico e perverso direitismo a julgar oportuno qualquer iniciativa, o principal é a admissão de pequenas concessões geralmente de cunho meramente utilitárias. E neste oportunismo, os interesses das classes subalternas são colocados em segundo plano.

E sempre com a alegação de que é preciso evitar o pior.

Mas, num País em que o pior acontece lenta e cronicamente tais preocupações para quem supostamente deseja as transformações de que necessitamos se insere no caso concreto de um oportunismo, desvio que tem se cometido faz longo tempo.

Por outro lado, o esquerdismo como doença infantilizada do comunismo, prospera em diversos ambientes sejam eles sindicais, partidários, acadêmicos e têm nos ideólogos doutrinários os seus maiores representantes. Estes costumam desdenhar dos que contra eles se insurgem na expectativa de um diálogo construtivo, logo rechaçado como inconveniente para, como disse Lênin, manter-se preso ao passado. Ou seja, aos exemplos revolucionários do passado, o que é um contrasenso, porquanto cabe aos verdadeiros líderes compreender os desafios de seu tempo.

O ensaio de Lênin com vistas ao Segundo Congresso da Internacional Comunista está muito presente passado um século. Mas, se ele teve um objetivo concreto é preciso que dele se retire essencialmente a lição de que para ser revolucionário é preciso ser sensato e perspicaz, pois não é adotando o negacionismo político, ao não enxergar os processos sociais, e ater-se apenas nos postulados doutrinários que se pode chegar a algum lugar.

Repetir os dizeres do principal líder revolucionário russo é errado, como tê-lo como um mantra – e o próprio Lênin já dizia que o marxismo não é um dogma, mas um guia para a ação -, assim como o pensamento de Lênin não é senão uma fonte de inspiração jamais um receituário pronto e acabado. Mas tê-lo como exemplo de quem soube lidar com a realidade é parte de um ensinamento precioso. E como todo ensinamento que se fundamenta na razão e, principalmente no tirocínio da ação deve ser incorporado à cultura política.

De preferência para quem atua na vida pública e deseja sempre transformá-la para melhor.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.