Redação

O Conselho Nacional de Justiça condenou o desembargador João Batista Damasceno, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, à pena de disponibilidade por “simular realização de evento” da corte e “debochar” da promotora Fernanda Abreu Ottoni do Amaral e do Ministério Público do Rio de Janeiro. Dessa maneira, ele ficará afastado da corte por pelos menos dois anos.

Damasceno afirmou à ConJur que o evento ocorreu e, inclusive, foi divulgado pelo site do TJ-RJ e nos corredores do tribunal. Portanto, não houve deboche da promotora e do MP-RJ.

O Conselho Municipal de Defesa da Criança e Adolescente de Itaguaí (RJ) promoveu, em agosto de 2017, evento sobre Direito da Infância e da Juventude. Fernanda Amaral, que é promotora da infância e da juventude do município, questionou os organizadores por que razão não foi convidada para participar do evento, argumentando que conhece a realidade local melhor do que os demais palestrantes, que atuavam em outras cidades.

Fernanda também questionou se a Defensoria Pública do Rio e o TJ-RJ indicaram o defensor Eduardo Newton e a juíza Cristiana Cordeiro, que atuam na área, para participar do evento. Se não fosse o caso, a promotora pediu que os organizadores apontassem o critério utilizado para o convite feito a Newton e Cristiana.

João Batista Damasceno então enviou convite a Fernanda Amaral para fazer palestra em evento do TJ-RJ sobre “as postulações formuladas por grupos identitários e autoridades locais para comporem as mesas de debates como se tivessem o direito de ser convidados”. O evento foi adiado, mas acabou ocorrendo em agosto de 2017 no auditório da Corregedoria-Geral da Justiça do Rio, segundo o magistrado.

Fernanda Amaral argumentou que o convite foi feito com o latente escopo de debochar dela. O ex-procurador-geral de Justiça do Rio Marfan Martins Vieira apresentou reclamação disciplinar contra Damasceno, afirmando que ele atacou a honra da promotora e do MP-RJ.

Evento real
Em esclarecimentos prestados à Corregedoria Nacional de Justiça em 2018, João Batista Damasceno o evento não foi fictício, nem o ofício forjado. Ele disse que, como ex-presidente do Fórum Permanente de Sociologia Jurídica da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj) e professor de Sociologia Jurídica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, constantemente organiza eventos. Também declarou que nunca usou instrumentos do Judiciário para fins diversos do interesse público.

Citando o princípio da legalidade (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, estabelecido pelo artigo 5º, II, da Constituição), Damasceno destacou que não há norma que “imponha o dever de convite aos promotores de justiça da comarca onde se realizam os eventos, bem como que impeça que sejam convidados para palestras em comarcas distintas”.

Assim, o desembargador ressaltou que pretendia promover o debate sobre as questões identitárias, de poder local e suas peculiaridades. E afirmou que não teve intenção de debochar da promotora e que comentários jocosos feitos em suas redes sociais por terceiros não podem ser creditados a ele.

Decisão do CNJ
A relatora do caso no CNJ, Ivana Farina Navarrete Pena, que é procuradora de Justiça do Ministério Público de Goiás, afirmou que Damasceno fez uso privado de documentos públicos e da estrutura de comunicação do TJ-RJ para forjar ofício, “redigido em linguagem desrespeitosa” e com o timbre da corte, para convidar Fernanda Amaral a participar de evento fictício.

Segundo a conselheira, o desembargador teve a “intenção de promover a ridicularização de membro do MP-RJ e da própria instituição ministerial em rede social”, na qual fez várias postagens “em tom crítico e jocoso”.

Conforme Ivana Pena, o comportamento de Damasceno foi incompatível com a dignidade, a honra e o decoro das funções dos juízes. Afinal, dos magistrados se exige “conduta irrepreensível na vida pública e particular e se impõem os deveres de zelar pela respeitabilidade entre as instituições e de cortesia para com os colegas, membros do Ministério Público, demais autoridades, advogados(as), servidores(as) e usuários(as) da Justiça”, destacou a conselheira.

Ela apontou que o desembargador do TJ-RJ violou os deveres da magistratura dos artigos 1º, 15, 16, 18, 22, 37 e 39, do Código de Ética da Magistratura, além do artigo 35, VIII, da Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar 35/1979).

Dessa maneira, impôs a Damasceno a pena de disponibilidade com proventos proporcionais ao tempo de serviço.

O desembargador ficará afastado do TJ-RJ. Depois de dois anos, poderá pedir reintegração à corte. O Órgão Especial então promoverá sindicância da vida pregressa e investigação social; reavaliação da capacidade física, mental e psicológica; e reavaliação da capacidade técnica e jurídica, por meio de frequência obrigatória a curso oficial ministrado pela Emerj.

Ao analisar o pedido de reintegração, o Órgão Especial também avaliará se subsistem as razões que determinaram o afastamento ou se há fatos novos. Neste caso, a corte, para rejeitar o requerimento, deverá apontar motivo plausível, de ordem ética ou profissional, diverso dos fatos que ensejaram a pena.

Enfraquecimento da magistratura
João Batista Damasceno disse à ConJur que a decisão do CNJ “faz parte do momento em que estamos inseridos”. “A partir de 1968, quando foi decretado o Ato Institucional 5, foi pior”.

“O que está em questão são as prerrogativas da magistratura. Este pode ser um sinal aos magistrados que insistem ser independentes. O enfraquecimento da magistratura é o enfraquecimento da democracia e da cidadania que lhe é própria. É o que a história nos mostra”, declarou.

Damasceno explicou que, como tem 40 anos de serviço público, sendo 28 na magistratura, os vencimentos proporcionais que receberá enquanto estiver afastado são equivalentes ao que ganha hoje, na ativa.

O magistrado também disse que, “da relatora [Ivana Farina Navarrete Pena], cuja aprovação no Senado foi cercada de polêmica, representante dos Ministérios Públicos estaduais, julgando uma representação do MP fluminense, eu não esperava julgamento diferente”.

Em votação da indicação de Ivana Pena ao CNJ no Senado, em setembro de 2019, o senador Jorge Kajuru (Patriota-GO) a acusou de tê-lo perseguido no passado, em conluio com o ex-governador de Goiás Marconi Perillo (PSDB). O senador disse que a procuradora é desqualificada. Também afirmou que “Ivana pela vida inteira foi jagunça de Marconi Perillo e de outros, ou seja, ela é pau-mandado”.

“Não é possível que este Senado vai indicar uma mulher dessas que vive a prestar serviços para quem manda. Ela quer vir para cá — essa Ivana Farina — para blindar o maior corrupto da história de Goiás, Marconi Perillo, que é o seu verdadeiro patrão”, afirmou Kajuru.

Mesmo com o apelo de Kajuru, diversos senadores apoiaram a indicação e elogiaram a trajetória da indicada, entre eles, os senadores Weverton (PDT-MA), Vanderlan Cardoso (PP-GO), Luiz do Carmo (MDB-GO), Rogério Carvalho (PT-SE), Chico Rodrigues (DEM-RR), Roberto Rocha (PSDB-MA), Rodrigo Pacheco (DEM-MG), José Serra (PSDB-SP), Flávio Arns (Rede-PR) e Luiz Carlos Heinze (PP-RS).

Vanderlan e Kátia Abreu (PP-TO) afirmaram que o Plenário do Senado não era lugar para questões pessoais. A senadora acrescentou que a indicada é uma mulher trabalhadora, com currículo invejável, e competente. Luiz do Carmo disse que a procuradora tinha o apoio do atual governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM). Rogério Carvalho disse que Ivana foi escolhida para representar os Ministérios Públicos estaduais no CNJ. Com informações da Agência Senado.

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PAD 0000036-08.2019.2.00.0000

Fonte: ConJur


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