Por Siro Darlan

Liberdade, a fonte da autodeterminação do ser como humano. Liberdade de falar e ouvir todas as opiniões é a fonte de todas as liberdades.

A liberdade de expressão, através de sua capacidade de dar voz a todos os cidadãos é instituinte da noção de autogoverno e da soberania popular que embasa a constituição de uma democracia de estado. A liberdade de expressão é instituinte e ao mesmo tempo instituída pelas condições democráticas da formação de uma opinião pública. No Brasil não existe essa liberdade já que vivemos sob o julgo de uma opinião deformada por uma mídia de comercializa os fatos noticiosos, segundo os interesses de seis famílias que detêm o monopólio da mídia dominante.

Com tanto poder em suas mãos, notadamente com seus interesses financeiros e políticos, a exploração, autoritarismo, imperialismo cultural, alienação, estigmatização… Quantos não são os que padecem hoje de várias formas de opressão e desse modelo autoritário e egoísta dominação? É fácil reconhecer que vivemos em um mundo injusto. Muito mais difícil, porém, é saber o que fazer para torná-lo mais suportável e determinar quem deve agir para combater as injustiças que afetam as vidas de tantas pessoas.

É a esta questão que Iris Marion Young (1949-2006), filósofa e cientista política norte-americana, dedicou seu último livro, “Responsibility for Justice”. Trata-se de uma obra em que a autora desenvolve sua resposta ao desafio suscitado por fenômenos sociais complexos que resultam em injustiças estruturais.

Nas sociedades atuais, a interação entre grandes números de indivíduos e instituições resulta em padrões que afetam as relações entre as pessoas, assim como as posições que elas ocupam umas em relação às outras. Enquanto alguns acabam por sofrer sistematicamente com o risco de serem dominados e de serem privados dos meios que lhes permitam desenvolver e exercer suas capacidades, outros são beneficiados e dispõem de mais oportunidades. Em tais contextos, indivíduos comuns, ao agirem de modo não-intencional e ao seguirem regras e normas sociais comumente aceitas, acabam ainda assim contribuindo para a reprodução de processos sócio-estruturais que engendram injustiças.

Quem é responsável por tais injustiças estruturais?

Diante de tais fenômenos, concepções tradicionais de responsabilidade moral e jurídica são de pouca ajuda. Diante da complexidade das interações, não é possível identificar e isolar os agentes “culpados”. O fato de que os danos gerados por processos estruturais derivam de ações não-intencionais, praticadas por diversos indivíduos que respeitam leis e convenções bem estabelecidas, adiciona mais uma dificuldade. Nesse caso, seria sequer possível falar de responsabilidade?

Como avaliar a responsabilidade da Nação brasileira por ter mantido escravizados por mais 300 anos cidadão e cidadãs de pele preta? Ora, em nosso passado recente foi possível indenizar as vítimas da ditadura militar que receberam indenizações pelos danos causados durante a perseguição dos que pensavam diferente do modelo autoritário. Do mesmo modo são indenizados por força de norma constitucional todo aquele que sofre danos causados por outrem, inclusive pelo Estado. Já se questiona se será possível requerer indenização pelas mortes na pandemia, em razão da evidente negligência dos detentores de poder.

A filósofa Young traça em seu livro um “modelo de conexão social”, desenvolvido para lidar com os problemas de atribuição de responsabilidade colocados pelo fenômeno das injustiças estruturais. Explorou com sabedoria filosófica as principais etapas da argumentação em seu livro, assim como algumas dificuldades e críticas relativas à sua proposta teórica – a qual tem inspirado o trabalho de uma série de pesquisadores ao longo dos últimos anos.

A mídia, que pode ser definida como o conjunto de meios ou ferramentas utilizados para a transmissão de informações ao público (televisão, rádio, internet, etc.), poderia assumir um papel muito importante na formação de uma sociedade menos conflituosa. Porém, em uma realidade complexa como a nossa, a mídia serve principalmente como um mecanismo utilizado para garantir a manutenção do sistema capitalista, fomentando o consumo, ditando regras e modas, agindo sob interesses estritamente comerciais.

Para chamar a atenção do público e obter o lucro, a mídia passa a utilizar expedientes sensacionalistas, normalmente dando conta de fatos negativos, como crimes e catástrofes, disseminando o sentimento de insegurança no seio social, ocasionando o surgimento da cultura do medo.

Ao influenciar as pessoas, ocasionando drásticas alterações comportais, o fenômeno acaba perpetuando um ciclo de violência e insegurança, abrindo espaço para o surgimento do populismo punitivo que culmina no encarceramento em larga escala, contribuindo sobremaneira, para a proliferação da criminalidade.

SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.


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