Por Aderson Bussinger –
Agosto é o mês do Advogado, pois sabido que a aprovação da lei que instituiu os primeiros cursos jurídicos de São Paulo e Olinda data exatamente de 11 de agosto de 1827, após a independência do Brasil de Portugal, motivo pelo qual este oitavo mês do calendário possui tanto simbolismo para os advogados e advogadas, estudantes de Direito e igualmente para todos os demais integrantes do judiciário. Aproveito também o significado da data para dizer que, apesar de diversas manifestações e reações, a advocacia brasileira, suas entidades representativas, especialmente a OAB, precisam reagir com mais contundência ás constantes ameaças ao regime democrático e, por conseguinte, aos tanques que já se arvoram, através de desfiles atemporais na Esplanada dos Ministérios, a querer ocupar os nossos espaços civis, como que enviando-nos um caricaturesco recado de que desejam sim, editar uma “versão-2” do triste desfile que iniciaram em 1 de abril de 1964 e que, pelo jeito, nunca totalmente o interromperam, de fato, tendo apenas estacionado os blindados nas garagens da “nova república” da festejada Constituição de 1988.
Em verdade, a OAB, pelas suas características próprias, um misto de entidade civil e paraestatal, que, inclusive, preenche constitucionalmente 1/5 das vagas dos tribunais judiciais, possui trajetória na qual sempre alternou convivência e confronto com governos e o Estado brasileiros, tendo historicamente nascido do antigo Instituto dos Advogados Brasileiros-IAB, criado em 7 de agosto de 1843, (também em agosto!) em pleno Estado Imperial, em que tanto a luta abolicionista, como a luta pelos ideais democráticos da revolução francesa já tinham lugar em corações e mentes de advogados, em menor ou maior grau, avanços e recuos, ao lado também de muita conciliação, evidente, mas o fato é que nem tudo foi aceitação ou submissão ao status quo, embora o confronto maior somente se deu com o fortalecimento social da luta abolicionista e pela derrubada da monarquia, sobretudo as massivas fugas de escravos, criação de quilombos e tudo mais que marcou a brava resistência negra e que serviu de inspiração e combustível aos bacharéis alinhados com o ideário democrático e antiescravagista.
Na sequência, com o fim do regime monárquico, banida a família Real do território nacional, veio a velha república e, desta vez, mais numerosa e consolidada, a advocacia nacional também resistiu ás políticas dos coronéis, eleição fraudulentas do “bico de pena”, envolvida que também esteve na luta contra a ditadura do Estado Novo, em um misto de convivência e referido confronto (afinal a própria OAB foi criada por um Decreto do ditador Getúlio Vargas em 1943), vimos finalmente ao longo da luta contra a ditadura varguista e a derrota do nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial, (com a heroica presença da FEB) a atuação também dos advogados em defesa da democracia, finalmente restaurada com a constituinte de 1946,com a destacada participação de diversos advogados eleitos em seus quadros constituintes.
Após isto, tivemos o golpe militar de 1964 e, novamente, em uma combinação de convivência nos primeiros anos de autoritarismo, com a intensificação da resistência a partir de 1968, especialmente após o AI-5 e prisões de muitos advogados, o que trouxe novamente a velha OAB para trincheira da luta democrática, de onde, de fato, apesar das idas e vindas, sempre marcou presença, conforme acima brevemente rememorado. Dito isto, a realidade é que novamente a OAB é historicamente chamada, portanto, a se manifestar, ante a escalada autoritária do Presidente Jair Bolsonaro, que, apesar de investido de poderes constitucionais, ataca a todo momento tais poderes, exaltando a figura de notórios torturadores como o então Coronel Ustra( agora promovido a Marechal), ameaça não realizar eleições em 2022, decreta sigilos por mais de 100 anos sobre informações públicas, como se pudesse, por vontade própria, alterar o calendário eleitoral constitucional, duração dos mandatos e cercear o direito constitucional de informação, a não ser que imponha um novo golpe, como fizeram os militares de abril de 1964.
Destaco – para os que logo venham a dizer que estou exagerando – que a lista de denúncias de crimes de responsabilidade do Presidente já alcança dezenas de crimes, desde que propostos os primeiros pedidos de impeachment perante o Ex-Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que, como o atual, Arthur Lira, cultiva a gaveta como a principal peça do mobiliário da mesa diretora dos trabalhos da Câmara. Nunca é demais repetir que o Bolsonaro é acusado da prática de 23 crimes contidos na lei 1.079/50, a chamada Lei do Impeachment, dentre estes, cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, ameaçar dissolver o Congresso Nacional, atrapalhar investigações da Polícia Federal, violar o direito à vida dos cidadãos na pandemia, incitar militares à desobediência á legislação vigente, crime contra a probidade administrativa, crimes contra a guarda e legal emprego do dinheiro público, enfim, uma gama de graves delitos contra a própria existência da União Federal, federativa e democrática, aos quais se acrescentam as investigações administrativas abertas recentemente no TSE, em que se apura delitos contra o processo eleitoral no pais, especialmente contra as urnas eletrônicas, tendo sido solicitado ao Supremo Tribunal Federal que investigue criminalmente o próprio presidente sob acusação de difundir diretamente informações falsas de supostas fraudes nas eleições brasileiras, no âmbito do denominado Inquérito das Fake News, todas estas investigações com possibilidades legais de atingir o atual mandato presidencial e mesmo decretar sua ilegibilidade em 2022.
A lista de acusações é imensa, apesar dos ouvidos moucos do atual titular da Procuradoria Geral da República.
Pois bem, encerro este breve texto, na condição de Advogado e Conselheiro Seccional da OAB-RJ, dizendo que, apesar dos inegáveis esforços do Presidente Dr. Felipe Santa Cruz, á frente do Conselho Federal da OAB, e aqui no Rio de Janeiro, os pronunciamentos inequívocos de nosso Presidente Seccional, Dr. Luciano Bandeira, em defesa da democracia e contra todo e qualquer tipo de retrocessos, ambos presidentes incontestavelmente democratas convictos, sou obrigado a dizer que sinto falta de uma resposta ainda maior, mas desta vez de nossa instituição nacional como um todo, que, para mim, seria, como destaquei no título deste artigo, o endosso ao recente pedido de impeachment, protocolado por mais de 40 signatários, provenientes dos mais diversos setores políticos, da esquerda á direita, ou, então o Conselho Federal aprovar o ingresso de pedido formal próprio de apuração de crimes de responsabilidade do Presidente da República, em nome da maioria da advocacia nacional, pelo cometimento dos delitos que esta advocacia, de norte a sul do país, sabe muito bem que foram, sim, cometidos pela pessoa do Exmo. Presidente Jair Messias Bolsonaro,(ou pelo menos que sejam apurados!) antes que seja tarde e que os tanques, em lugar de apenas desfilarem, resolvam adentrar nas instituições do regime democrático, em nossas casas e vidas.
Por todos estes motivos, urge que a OAB, como fez na luta pela Anistia e pelas Diretas já, esteja dentre as entidades que decididamente liderem a luta pela apuração dos crimes do Presidente, em defesa do regime democrático sob ameaça.
ADERSON BUSSINGER – Advogado sindical, diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ, conselheiro da OAB-RJ, membro efetivo da CDH da OAB-RJ, membro do IAB, ABJD e ABRAT (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas). Colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre, integra a Comissão Nacional eleita de Interlocutores do Fórum Nacional em Defesa da Anistia Constitucional.
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