Por Lincoln Penna

Quando o presidente Bolsonaro disse que “todo mundo morre”, em resposta à pergunta de jornalistas sobre o que achava do crescimento de mortes pela covid-19, ele não só não estava sozinho como expressava a ideologia que nos governa.

A pandemia que se instalou no mundo trouxe várias mazelas, dentre as quais o incremento da vulnerabilidade das classes proletárias, relegadas em parte não desprezível ao desemprego e à fome, a exposição da indiferença dos mais abastados e, sobretudo a manifestação de como é possível num quadro da mais intensa crise sanitária que conhecemos haver exploradores da saúde do povo.

Os responsáveis individuais geralmente instalados nos cargos públicos do executivo dos diversos países atingidos têm sido objetivamente avaliados pelo desempenho nessas funções. Alguns foram e são elogiados como se fossem verdadeiros heróis, outros tidos como retardatários nas providências para impedir à proliferação das infecções e, outros ainda, acusados de agirem no sentido de negarem a evidência da epidemia. Neste caso, o campeão dessa negação absoluta é Bolsonaro e seus cúmplices.

Até aí tem sido um julgamento das autoridades no exercício de suas gestões públicas. Mas, quando se verifica e se constata a existência de iniciativas visando tirar partido dessa situação pandêmica, por parte de inescrupulosos agentes que deveriam zelar pela saúde e segurança públicas, a coisa se torna muito mais relevante. Causa a indignação diante dos fatos e até revolta incontida, sobretudo por aqueles que perderam familiares e amigos.

Mas, ao contrário do que muitos pensam, não se trata unicamente de um mau-caratismo flagrado pela inadvertência de fazer circular um vídeo no qual o então ministro da saúde divulga a aquisição de vacinas, em companhia de atravessadores. Verdadeira negociata das mais indecentes, com o fito de burlar o bom senso das pessoas e ao mesmo tempo cumprir ordens – um manda e o outro obedece – para demonstrar a força e a autoridade do governo federal sobre os demais entes federados.

E num momento em que a união de todos em favor da população deveria estar na ordem do dia do governante.

Não bastasse a divulgação pelas redes sociais de conteúdos falsos sobre tratamentos preventivos, além de outros negando a imunização pela via vacinal, única forma de evitar e combater a ação de vírus, desservindo a sociedade sôfrega por solução que a retire do sofrimento e da angústia que se abateu sobre toda a humanidade, tem-se agora a demonstração do absoluto desprezo pelos que deveriam ser amparados pelo governo.

O problema, contudo, não tem morada somente nos palácios que respondem pela governança do país. Lá se encontram os que eleitos cometem os desatinos de uma gestão que agride as boas práticas governamentais, independente das suas orientações políticas e ideológicas.

Trazer essas providências para esse campo não é de bom grado. Afinal, se a disputa acontecer na esfera ideológica, como preferem os que só têm um projeto, o da rejeição do estado democrático de direito, então a situação é pior para os ideólogos da destruição dos bens democráticos.

Esses parceiros de Bolsonaro não são poucos a alimentarem o ódio aos que o criticam pelo abuso de poder, a arrogância e o desleixo com a coisa pública em todas as áreas. Vão desde os que acreditam, como no caso de seus apoiadores militares, na Doutrina de Segurança Nacional como verdadeira constituição, aquela mesma que identifica os inimigos internos; até os que sustentam teses e bandeiras retrógradas com o fito de impedir o avanço natural da modernidade, no que ela significa um campo mais amplo de libertação de entraves, de modo a travar a expansão da verdadeira democracia, a de caráter social.

Cabe, por fim, concluir essa reflexão com a sentença tão atual, de Lima Barreto, que disse e eu subscrevo: “Em resumo, porém, se pode dizer que todo o mal está no capitalismo, na insensibilidade moral da burguesia, na sua ganância sem freio de espécie alguma, que só vê na vida dinheiro, morra quem morrer, sofra quem sofrer”.

De resto, acreditar que estamos a recolher ensinamentos para a vida, porquanto em todas as adversidades e tragédias o ser humano se reinventa. E essa capacidade é a esperança que temos no momento, ainda às voltas com os cuidados diante da fúria causada em grande parte pela ação muito bem identificada de nossos males pelo escritor e cidadão de seu tempo, que nos deixou um exemplo de vida voltada para os seus semelhantes.

Em especial para o povo humilde e trabalhador dos subúrbios cariocas.


LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


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