Por João Batista Damasceno

Todo o mundo é visível menos aquele que se encontra atrás das câmeras! A contestação às opiniões emitidas pela televisão não é ouvida. Sede de uma comunicação imaterial, o centro de produção de imagens foge a qualquer controle. As Câmeras podem entrar em toda parte… salvo nas sedes das grandes empresas de mídia”. A frase é do juiz francês Antoine Garapon em seu livro ‘O juiz e a democracia: o Guardião das Promessas’, publicado ao tempo no qual a Comunicação Social era produzida, sobretudo, pelos canais corporativos de comunicação.

Mentira sempre existiu. Boato idem. Igualmente os meios tradicionais de comunicação abusaram do poder de manipular as notícias. Os padrões de manipulação da mídia tradicional foram diversos: omissão, acentuação de fato irrelevante, atenuação de fato grave ou mesmo o falseamento de fatos. Mas, fake news é uma forma especial de inverdade difundida por meio das novas mídias e com maior potencial danoso. É mais que mentira ou boato, embora os contenha.

As fake news têm o objetivo de legitimar um posto de vista ou prejudicar uma pessoa, grupo ou instituição.

A novidade não são as notícias falsas. Mas, o poder viral das fake news em tempo de predominância das novas mídias. Com o avanço tecnológico e maior intercomunicação entre as pessoas e grupos as notícias se espalham rapidamente e as crenças são consolidadas irrefletidamente. As informações falsas apelam para o emocional e por isto as fake news têm maior apelo que as notícias verdadeiras ou aquelas que demandam raciocínios e formulação de juízos.

Neste momento de ascensão do arbítrio, da irracionalidade e da truculência o Poder Judiciário tem buscado recolocar-se em seu papel de árbitro de disputas institucionais e conflitos de interesses, depois da derrapada para a margem da legalidade, promovida pelo ‘Principado de Curitiba’. Não era ‘República de Curitiba’, pois nada fizeram republicanamente. A transformação do juiz-vingador em ministro do beneficiário de suas condutas caracteriza o patrimonialismo, onde se confundem interesses públicos e privados. As ilegalidades praticadas pelo lavajatismo possibilitou a crença de que tudo é permitido, ainda que fora dos padrões de comportamento determinados pela civilidade e pela ordem jurídico-constitucional.

O Poder Judiciário está na berlinda. Os que se beneficiaram das truculências praticadas pelo ‘Principado de Curitiba’ pretendem que tal poder continue a lhes prestar serviço. E por isso os magistrados estão sendo atacados.

No curso da semana que se encerra uma fake news foi difundida por uma das mais antigas e conhecidas jornalistas brasileiras: Leda Nagle. Nela, a jornalista leu uma postagem num perfil falso, atribuído a um delegado da Polícia Federal, no qual se dizia sobre um plano tramado pelo ex-presidente Lula e ministros do STF para assassinar o presidente da República. Diante da repercussão da leviandade, a jornalista atribuiu a responsabilidade da divulgação de sua fala a pessoa do grupo do qual faz parte, num ‘mea culpa’ mal disfarçado.

A lei prevê punição para quem imputa falsamente a outrem fato definido como crime, assim como a quem propala ou divulga a falsa imputação. Leda Nagle não é uma estagiária de Jornalismo, nem uma pessoa sem formação suficiente que lhe impossibilitasse desconfiar da falsidade de tão absurdo delírio. Durante 21 anos apresentou o programa Sem Censura, que chegou a ser reprisado em substituição ao programa de debate Espaço Público, apresentado por Lúcia Leme na TV Brasil. Ainda que tenha difundido a grupo determinado tem responsabilidade pelo que fez.

Na mitologia grega, o personagem Édipo, ao descobrir que a desgraça que se abatia sobre Tebas decorria do fato de estar casado com sua mãe, não se desculpou alegando não saber quem era a mulher que desposara. Assumindo sua responsabilidade, furou os próprios olhos e saiu da cidade.

Se falta dignidade, aos que causam danos a outrem, para assumirem as próprias responsabilidades não há de faltar instituições que as imponham.


JOÃO BATISTA DAMASCENO – Professor da UERJ, Doutor em Ciência Política (UFF), Juiz de Direito substituto de Desembargador do TJRJ, membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia, colunista do jornal O Dia, conselheiro efetivo da ABI, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.