Por Miranda Sá

“Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem” (Mário Quintana)

Antes de me profissionalizar como jornalista, trabalhei em vários órgãos da imprensa do Rio de Janeiro que já não circulam. Guardo com saudade “A Manhã”, dos Diários Associados, onde reportei o esporte amador dos subúrbios cariocas; e, o “Diário Trabalhista”, onde fiz a incursão pelo jornalismo político. Reverencio especialmente a lembrança da revista “Leitura”.

Despertando para a vida, tive a felicidade de ver, mesmo de longe, na redação da Leitura, na Rua das Marrecas, Carlos Drummond, Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego, Lúcia Miguel Pereira, Raquel de Queiroz, Rubem Braga…. E ao tê-los por perto, mergulhei na produção literária deles….

Graças à convivência imaginária com estes ídolos, tornei-me um voraz leitor. Li tudo o que me caiu nas mãos; além dos periódicos, jornais e revistas, os almanaques (multiplicavam-se naquela época), “best-sellers” estrangeiros, peças teatrais, poesias, romances, e até bula de remédio…

Adotei obsessivamente uma máxima de Monteiro Lobato, que veio num artigo escrito para a Leitura, alertando: – “Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê. ”

Partindo daí, não vejo o “pior analfabeto” de que fala Brecht; para mim todos analfabetos são os piores indivíduos da raça humana… Excetuam-se apenas os combatentes em campo de guerra, conforme ouvi um relato sobre a atuação da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra.

Um primo meu, que foi para a Itália guerrear contra o nazi-fascismo, contava uma passagem do comandante da FEB, general e depois marechal Mascarenhas de Morais, uma história que nenhum livro divulga.

“Quando inspecionava as tropas, Mascarenhas viu um soldado que trazia duas medalhas no peito, a cruz da bravura e a cruz do mérito; então perguntou ao oficial no comando: -“Por que este soldado ainda não foi promovido? ”. E ouviu que o praça era analfabeto e o regulamento impedia isto.

O General foi curto e grosso: – “Se ele demonstra coragem enfrentando o inimigo e conquista vitórias, quem vai exigir que leia e escreva? ”; e atropelando a regra, promoveu o soldado a sargento…

Esta é a única exceção porque o analfabetismo é imperdoável, mesmo considerando que o acesso aos estudos no Brasil é privilégio da alta burguesia e das classes médias; mas não são poucos os que rompem com isto, e mesmo com o ensino público deficiente, enriquecem-se pelo autodidatismo. Não há perdão sequer para militares analfabetos cujo combate se trava nas trincheiras da política…

A leitura está muito facilitada pelo advento da Internet e o acesso às redes sociais. Acompanhei (não vou citar nomes) muitos que se iniciaram trocando dois esses pelo cê cedilha e botavam ene antes de pê e bê…. Na sua maioria, passaram a escrever razoavelmente bem, e esta evolução se deve à leitura expressa no exercício da escrita e à paciência e à bondade dos vários professores que atuam na Rede.

O verbete Leitura, dicionarizado, é um substantivo feminino significando “ação de ler, compreender um texto escrito”; tem origem no verbo latino “lĕgo,is,lēgi,lectum,legĕre”, captar com os olhos, substantivado como “lectura,ae”.

Não me lembro qual o filósofo que defendeu a tese da importância da leitura ultrapassar os livros, aconselhando que se deve ler diretamente a realidade que nos cerca. Considero interessante a proposta, mas quem tem preguiça de pegar um livro terá olhos para ler o mundo?

Está certo o Padre Antônio Vieira quando diz que “Quem não lê, não quer saber; quem não quer saber, quer errar”. É assim que lemos penosamente a realidade brasileira, vendo a falta de estímulo do Ministério da Educação e das próprias universidades que dão mais valor a um diploma do que ao conhecimento.

Aos meus leitores (coautores dos textos, como diz Ledo Ivo) os meus agradecimentos; e, como na sinonímia da palavra “Ler” encontramos também “Adivinhar”, podem crer que faço tudo para compreendê-los e interpreta-los.


MIRANDA SÁ – Jornalista profissional, blogueiro, colunista e membro do Conselho Editorial do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã; Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo.