Por Sergio Caldieri –
Edmundo Ferrão Moniz de Aragão nasceu em Salvador-BA, no dia 2 de novembro de 1911, e morreu em 23 de janeiro de 1997, no Rio de Janeiro. Seu pai, Antônio Moniz Sodré de Aragão, foi deputado, senador e governador da Bahia, em 1916. Foi o primeiro professor de economia política a falar de Karl Marx em uma sala de aula da universidade do estado, em 1910, talvez o segundo da América Latina. O primeiro foi o general Abreu e Lima (1794/1869), quando escreveu o livro O Socialismo, em 1855. Ele tinha conhecimento de Babeuf e dos autores clássicos do Socialismo utópico como Saint-Simon, Charles Fourier e Robert Owen.
Imagino Edmundo Moniz em seu berço: ao lado direito, sua mãe, Maria Clementina Moniz Sodré de Aragão, rezando Ave-Maria ou Pai Nosso; e, ao lado esquerdo, deveria ouvir seu pai rezando na cartilha do Manifesto Comunista. Acho que quando Edmundo desceu do seu berço, o fez pelo lado esquerdo. Ele dizia que seu pai era religioso, mas Edmundo teve uma formação sem a influência religiosa, e tornou-se um materialista.
Edmundo Moniz passou toda a sua vida pregando a igualdade entre os povos brasileiros, da América Latina, e as sofridas populações do Terceiro Mundo. Aos 19 anos já, ingressara nos movimentos estudantis, organizando o I Congresso Operário-Estudantil – uma espécie de precursor da Aliança Nacional Libertadora, de 1935. A organização era formada por Jorge Amado e Carlos Lacerda.
Seu pai morreu deixando a família sem recursos, todavia, Edmundo conseguiu terminar o curso de Direito no Rio, mas nunca exerceu a carreira de advogado. Começou a dedicar-se ao jornalismo e ao magistério lecionando História e Filosofia no Colégio D. Pedro II.
Por volta de 1930, conheceu Mário Pedrosa e tornaram-se grandes amigos. Eles fundaram os jornais A Luta de Classe, em 1934; e A Vanguarda Socialista, em 1945. Ambos fundaram o movimento trotskista nos anos 30, no Brasil. Mário Pedrosa foi um grande intelectual que sempre lutou pela igualdade dos povos. Escreveu vários livros, foi um dos mais consagrados críticos de artes plásticas e um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Mário Pedrosa, em 1979, apresentou o livro ‘A Guerra Social de Canudos’; e Edmundo fez a apresentação de ‘A Opção Brasileira’, um livro de Mário Pedrosa publicado em 1964. Os dois grandes pensadores brasileiros, Edmundo Moniz e Mário Pedrosa, achavam que “não há solução econômica e política no Brasil a não ser num regime socialista”.
Edmundo Moniz sempre caminhou na política ao lado da cultura. Durante o Governo do Presidente Juscelino Kubitschek e Jango Goulart, Edmundo dirigiu o Serviço Nacional de Teatro, criando a Campanha Nacional do Teatro e o Teatro Brasileiro de Comédia. Para ele, a comédia era o grande sonho de quase todos os escritores consagrados, como José de Alencar, Machado de Assis, Arthur de Azevedo e Joaquim Manoel de Macedo. Durante a sua direção no TBC, sempre procurou representar os autores nacionais e estrangeiros, principalmente, Antônio Callado, Rachel de Queiróz, João Bethencourt, Nelson Rodrigues e Dias Gomes.
Os diretores que trabalharam nas cinco temporadas com grande sucesso, foram Ziembinski, Gianni Rato, José Maria Monteiro, Paulo Francis e José Renato. Os cenários do TBC foram realizados por Oscar Niemeyer, Millôr Fernandes, Athos Bulcão e Salvador Dali. E sem esquecer, dos grandes atores que trabalharam nas produções, entre eles estão Jayme Costa, Rodolfo Mayer, Iracema de Alencar, Grace Moema, Glauce Rocha, Beatriz Veiga, Tereza Rachel, Wanda Lacerda, Milton Moraes, Sebastião Vasconcelos, Jorge Dória, Luiz Linhares, Ítalo Rossi e outros.
O atual prédio na Avenida Rio Branco, onde funcionou o Serviço Nacional de Teatro, foi construído na sua gestão, onde é o Teatro Glauce Rocha, e a biblioteca que recebeu o nome de Edmundo Moniz, transferida para Rua São José.
Ele se afastou do teatro em 1963 e, no ano seguinte começou a trabalhar no Correio da Manhã, onde sempre escreveu sobre temas econômicos, ensaios sociológicos e literários, foi editor-chefe na fase áurea do Correio da Manhã.
O Correio da Manhã, fundado por Edmundo Bittencourt, foi um dos mais combativos jornais do país. Um jornal que combateu o governo de Jango Goulart, com os famosos editoriais ‘Basta’, no dia 31 de março, e ‘Fora’, no dia 1° de abril de 1964. Mas alguns meses após a ditadura militar, o jornal rompeu com os golpistas, seguindo-se as perseguições políticas.
O auge da perseguição aconteceu o fatídico 13 de dezembro de 1968, quando o ministro da Justiça Gama e Silva leu pela TV o decreto AI-5. Naquela noite, estavam na mesma sala sua prima e diretora do jornal Niomar Moniz Sodré Bittencourt, filha do jurista Antônio Moniz Sodré de Aragão e casada com Paulo Bittencourt, Osvaldo Peralva e Edmundo Moniz. Logo após o anúncio pela TV, os policiais chegaram ao jornal para prender os combativos jornalistas, ocorrendo até tiros na entrada do jornal. Os militares queriam prender todos, mas o principal era Edmundo Moniz pela sua conhecida posição ideológica. Peralva desceu e foi logo preso, mas sua prima Niomar protegeu Edmundo de todas as maneiras. Chegou a arrumar um macacão de operário das máquinas para Edmundo fugir, pela janela, para ao prédio nos fundos, para a Rua do Lavradio. Arthur Poerner contou que fugiram os três: Edmundo, Franklin de Oliveira e Poerner.
O Correio da Manhã, além dos jornalistas citados, possuía em sua redação: Antônio Callado, Carlos Heitor Cony, Hermano Alves, Jânio de Freitas, Luiz Alberto Bahia, Graciliano Ramos, Otto Maria Carpeaux, Marcio Moreira Alves, Gilberto Paim, Newton Rodrigues, Carlos Drummond de Andrade, que assinava CDA, Paulo Francis, Pery Cotta, Moniz Vianna, Maria Raja Gabaglia, Cursino Raposo, Salvyano Cavalcanti de Paiva, Eurico Nogueira França, Van Jafa, José Lino Grünewald, Germana Delamare, Jorge Serpa, Moacyr Werneck de Castro e tantos outros que iniciaram a carreira no Correio da Manhã.
Edmundo, de macacão de operário, foi direto para o consulado do México, onde ficou seis meses esperando um visto de saída para o exílio, que durou sete anos, passando por Montevidéu, Buenos Aires, México, Argel, Roma e Paris. Foi justamente no exílio que ele teve oportunidade de se tornar amigo de Jango Goulart, Leonel Brizola e Darcy Ribeiro. Suas cartas trocadas com o ex-presidente Juscelino Kubitschek foram roubadas pelos militares quando entraram no seu apartamento em Ipanema.
Mas se Edmundo Moniz, com suas ideias socialistas já era odiado pelos militares, o que mais marcou as perseguições, foi quando ele denunciou o Caso Parasar, em que o brigadeiro João Paulo Burnier convocou o capitão Sergio Miranda de Carvalho, o Sergio Macaco para explodir o Gasômetro e colocar a culpa nos movimentos de esquerda. O artigo ‘A operação mata- estudante’, foi escrita pelo jornalista Pery Cotta, que acabou sendo preso, em outubro de 1968. Foi a gota d´água para banir o nome de Edmundo Moniz no Brasil inteiro, tanto que seu nome foi proibido de ser citado em qualquer órgão da imprensa, pois ele fazia parte da lista dos cassados que incluía Luiz Carlos Prestes, Leonel Brizola, Francisco Julião, Jango e outros. Edmundo havia sido enquadrado em quase todos os artigos do AI-5.
Ele escreveu cerca de 16 livros e praticamente nunca foi citado nos suplementos literários dos jornais. Suas obras foram: Branca de Neve, em 1942; A Vila de Prata, em 1956; O Espírito das Épocas, em 1950; Egléia, em 1960; Dom João VI e o Surrealismo, em 1960; O Golpe de Abril, em 1965; Poemas da Liberdade, em 1967; Antologia Poética de Brecht, em 1977; A Guerra Social de Canudos, em 1979; Canudos: A Luta pela Terra, em 1981; A Lei de Segurança Nacional e a Justiça Militar, em 1984; As Originalidade das Revoluções, em 1987; As Mulheres Proibidas, em 1993. Sem esquecer dos inúmeros ensaios publicados nas edições do Encontros com a Civilização Brasileira, dirigido por seu amigo Ênio Silveira e editado por Moacyr Félix, do qual ele fazia parte do conselho consultivo juntamente com outro grande amigo, o General Nelson Werneck Sodré.
Uma edição das coleções Encontros com a Civilização Brasileira, Edmundo Moniz respondeu e criou uma polêmica com o peruano Mário Vargas Llosa, quando publicou um livro sobre Canudos, A Guerra do Fim do Mundo. Foram trocas de farpas literárias para todos os lados. Aliás, Edmundo Moniz nunca concordou com o livro Os Sertões, de Euclides da Cunha, que descrevia Antônio Conselheiro e seus seguidores como um grupo de vadios e malucos. Edmundo disse que Conselheiro procurava suporte ideológico em Santo Agostinho, Thomas More e na Bíblia. E Euclides da Cunha era um engenheiro do Exército Brasileiro, que chegou no final de Guerra como correspondente do tradicional e conservador jornal O Estado de São Paulo, que sempre foi um bajulador da classe dominante. Como militar Euclides da Cunha não contaria os detalhes das três derrotas das tropas do exército brasileiro, inclusive quando morreu o Coronel Moreira César, o conhecido corta cabeças filho de um padre. Como também não iria contrariar os seus patrões do jornal O Estado de São Paulo. É claro que não vamos crucificar Euclides da Cunha que, com apenas um livro considerado um clássico da nossa literatura, conseguiu uma vaga da Academia Brasileira de Letras.
O livro O Espírito das Épocas, na quarta edição, é considerado uma obra prima de Edmundo, que deveria ser recomendado nos cursos de literatura. Mas qual professor falará numa sala de aula que Camões frequentava a corte, morreu esquecido e quase na miséria? Quando morou em Moçambique, Diogo do Couto encontrou-o tão pobre que comia com a ajuda de amigos. Em 1572, foi publicado Os Lusíadas, com o poema oferecido ao Rei Dom Sebastião, que lhe rendeu uma pensão anual de 15 mil réis.
Molière foi um homem que via o mundo sorrindo e fazendo graça, zombando dos costumes de sua época. Retratou a aristocracia francesa em decadência, o que existia de grosseiro, o baixo nível e o ridículo. Não perdoava a burguesia que procurava imitar os aristocratas. Tornou-se amigo e protegido de Luiz 14, compondo algumas peças a fim de contentá-lo.
Goethe, era plebeu, filho de alfaiate, admirado pelo Duque Carlos Augusto, integrava o Conselho Secreto. Ele achava que as evoluções das camadas inferiores eram consequências das injustiças das classes superiores. Engels dizia: “Goethe é, às vezes, colossal e, às vezes, um filisteu precavido, estreito e satisfeito”.
Byron era um aristocrata que escandalizou com sua poesia ousada e irreverente. Goethe era plebeu e tentava entrar na aristocracia. Byron saiu da aristocracia, deixando a Câmara dos Lordes, onde pronunciava discursos contra o governo. Mudou-se da Inglaterra para a Grécia, onde passou a beber com frequência, e morreu com uma febre muito forte aos 36 anos.
Dostoiewsky foi tzarista, perseguido, preso, passou fome e frio com a mulher e dois filhos. Apesar de reacionário, escreveu uma obra profundamente revolucionária.
Em 1992, Edmundo Moniz fez uma conferência no Congresso Internacional de Filosofia na UFRJ, sobre o tema A Transição dos Períodos Históricos, uma resposta ao historiador do departamento de estado americano Francis Fukuyama, que pregava o “fim da história”.
Edmundo foi membro dos conselhos da ABI, MAM, SBAT e pertenceu ao IHGB, PEN Clube do Brasil, Diretório Nacional e Conselho de Ética do PDT. Foi Subsecretário e Secretário Estadual de Cultura, na primeira gestão do Governador Leonel Brizola, em 1983, e Secretário na segunda gestão, em 1991. Ele foi presidente da Funarj, da Faperj e do Conselho Estadual de Cultura.
Ele residia com sua esposa, Dona Ofélia, em um apartamento na Rua dos Jangadeiros, em Ipanema, e tinha uma biblioteca de 25 mil volumes. Chegou a comprar um apartamento em Copacabana, somente para abrigar seus livros, avaliados em 70 mil dólares. Talvez seja a maior biblioteca particular com as doutrinas de Karl Marx, Lênin, Engels, Trotsky, Hegel, Rosa de Luxemburgo, Kautsky, Bukarin, Gramsci, Lukacs e tantos outros.
Edmundo estudava tanto esses autores que chegou à conclusão de que, nem Rosa de Luxemburgo nem Lênin, conheceram as obras inéditas de Marx e de Engels. Estas obras não contradizem o que Lênin e Rosa de Luxemburgo escreveram no campo da economia, da ciência e da filosofia. Ele foi um estudioso do Socialismo científico, e sempre acreditou na solução da exploração dos seres humanos. Aliás, Edmundo Moniz perguntou certa vez: “o que o povo vai esperar do Capitalismo, que só pode oferecer a fome, a miséria e as guerras?”
Edmundo Moniz era considerado por Luiz Carlos Prestes, o maior teórico marxista da América Latina. Lembro-me de que no sepultamento de Prestes, Edmundo foi a única personalidade convidada e autorizada pela família a discursar sobre o líder comunista.
Foi candidato à Academia Brasileira de Letras, mas acabou derrotado na vaga de Deolindo Couto, cuja cadeira era muito pequena pela vaidade de Darcy Ribeiro.
Se Edmundo Moniz tivesse seguido a carreira do seu pai Antônio Moniz, em Salvador, teria sido deputado, senador ou governador, herdando a inteligência, a dignidade e a honestidade de um verdadeiro político.
SERGIO CALDIERI – Jornalista, escritor e diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro – SJPERJ.
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