Por Lincoln Penna

Quando escrevi o livro O Cabo, o Capitão e o Capital disse que a característica mais saliente da ação política de Jair Bolsonaro era a do confronto movida pela intolerância. As suas falas marcadas pela agressão a desafetos incluíam o sabor de ódio a quem o contrariasse em seus pronunciamentos.

E assim tem sido a desqualificar interlocutores e ao dar aos seus mais fanatizados adeptos a sensação de dono da verdade. Em todos os momentos reitera o compromisso com os seus eleitores, cativando-os ao mesmo tempo em que destila ameaças àqueles que julgam inimigos da pátria verde e amarela.

Assim foi no início da expansão da pandemia no Brasil, quando não suportou o protagonismo do ministro da saúde, Henrique Mandeta, sumariamente demitido porque o incomodava em razão da comunicação fácil com o público e mais ainda em virtude de sustentar a importância dos protocolos de proteção contra a rapidez da contaminação da covid 19, além da defesa do SUS e da prevalência da ciência de modo a contrariar radicalmente o negacionismo militante do presidente e seus seguidores.

Também agiu confrontando com membros do STF, das casas legislativas e, particularmente da imprensa, a quem frequentemente despreza e acusa de combatê-lo, descendo da condição de Chefe de Estado, que jamais foi até aqui e nem deseja sê-lo, para agradar aos que o tomam como mito. Não fosse só isso seria tão somente uma atitude condenável dada a nenhuma importância que ele dá ao rito que se espera de um presidente da República.

O pouco caso que vem demonstrando em relação à vacina num país de tanta experiência comprovada no trato das epidemias como o Brasil, não pode ser atribuído a incompetência. Creio que se trata de uma política deliberada de desmonte do Estado Nacional, como já tive oportunidade de chamar atenção em escritos anteriores. Suas atitudes são mais pensadas do que meras explosões inconsequentes, muito embora ele também as tenha.

Diria que faz parte de uma estratégia de combate às tradições humanistas e civilizatórias típicas da componente fascista, sem precisar erigir em regime político formal tais práticas.

Como fiel partidário do pior legado da ditadura, cujos remanescentes deixaram registradas no livro Orvil (o contrário de Livro), cujo objetivo é de combater a cultura, a academia, a inteligência, enfim, a comunidade do conhecimento e seus eventuais condutos, como a imprensa a veicular conteúdos do interesse da sociedade; Bolsonaro e sua turma consideram que essa tarefa lhes pertence e estão dispostos a tudo fazerem para enfrentar inclusive o bom senso. Daí, a tática do confronto permanente. O culto ao senso comum e o aplauso à ignorância.

Agora há pouco, com o episódio da invasão de extremistas incitados por Trump para irem ao Capitólio, sede do Congresso, as mensagens de Bolsonaro e de seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, primam pela mais simplória adoção à tese de Trump, com o agravante de que Bolsonaro acrescenta uma advertência. No Brasil, disse em outras palavras, a se manter o voto eletrônico a situação será muito pior em 2022, num prévio aceno ao confronto de seus milicianos armados literalmente e aos que armados pelo voluntarismo inocente ou não estão desde já convocados para o próximo e mais importante confronto, que não importa o resultado do pleito será – caso de chegar até lá – o do confronto para valer.

Aos democratas de todas as tendências, não importando as convicções ideológicas ou partidárias desde que se assumam como antifascistas, precisam se preparar para o desmonte do confronto que atenda à única esperança de Bolsonaro para crescer como candidato à reeleição. E essa preparação torna-se mais do que nunca a mais importante tarefa para barrar o fascismo entre nós. Pelo menos para impedir que os saudosistas da ditadura continuem a ameaçar as conquistas democráticas, que foram poucas, mas que mesmo assim foi o resultado de lutas do povo.

As lutas de classes permanecerão enquanto estivermos sob o domínio de estruturas sociais desiguais caras à dinâmica do capitalismo. Mas, o confronto das ideias, no estágio alcançado pelas conquistas civilizatórias sugere que não abandonemos esse campo da argumentação. Ao cairmos no domínio da barbárie, só nos resta o confronto violento, que só interessa as forças retrógradas a agirem no terreno da agressão sem limites com altíssimo custo social, sobretudo para o povo mais desguarnecido. Não caiamos nessa lógica. As lutas de classes exigem de nossa parte o recurso à inteligência.

Nossas armas não devem ser destruidoras, senão nos igualamos aos que desprezam a fraternidade e a convivência entre os povos irmanados.


LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional; Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.