Por Jorge Folena

Até a última sexta-feira (4 de dezembro de 2020), o plenário virtual do Supremo Tribunal Federal já contabilizava três votos a favor da reeleição dos atuais ocupantes da presidência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, dentro da mesma legislatura.

Votaram a favor da reeleição os ministros Gilmar Mendes (relator do processo), Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Pela reeleição somente do presidente do senado, e contra a reeleição do presidente da Câmara, votou o ministro Kassio Marques. Contra a reeleição dos atuais presidentes, na mesma legislatura, os ministros Cármen Lúcia e Marco Aurélio. Faltam ainda os votos de Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Morais e Luiz Fux.

Na verdade, se fosse para cumprir a Constituição, não haveria a menor dificuldade para o STF decidir a questão, uma vez que o texto do § 4º do artigo 57 não deixa qualquer dúvida: “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.”

Ou seja, o texto constitucional veda a recondução para o mesmo cargo dos membros da mesa diretora na mesma legislatura1, na eleição imediatamente subsequente.

O impedimento constitucional a esta recondução tem como objetivo impossibilitar a perpetuação no exercício do cargo diretivo das casas legislativas e segue a linha do princípio republicano, que tem na transparência e na igualdade os seus pontos fundamentais.

Ocorre que, como já visto muitas vezes desde a fundação da República brasileira, o Supremo Tribunal Federal, em diversas oportunidades, deixa de atuar como garantidor da Constituição, como deveria fazer no sistema de poder baseado nos “freios e contrapesos”, difundido no mundo ocidental a partir da revolução liberal americana do século XVIII.

Por diversas vezes, como pudemos observar no julgamento do mensalão, no estabelecimento do rito do impedimento da presidenta Dilma Rousseff e no habeas corpus do ex-presidente Lula da Silva na questão da presunção de inocência, os ministros do STF preferem construir uma hermenêutica constitucional para acomodar interesses políticos, econômicos e sociais, muitas vezes em desacordo com o estabelecido com toda a clareza no texto da Constituição.

No caso da reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado, na atual legislatura, os votos dos ministros do STF apresentados até 4 de dezembro de 2020 têm o claro propósito de assegurar uma estabilidade em favor do mercado financeiro, para que possa continuar a impor sua agenda de reformas constitucionais anti-nação, por imaginarem que Rodrigo Maia e David Alcolumbre tenham a capacidade de estabelecer um ponto de equilíbrio diante dos arroubos autoritários do ocupante da presidência da República.

As reformas impostas pelo mercado vão se materializando mediante uma reescrita tão feroz do Pacto Política de 1988, que este adquire a face de uma nova constituição, engendrada e imposta em desacordo com o processo constituinte originário.

Parece que, mesmo que seja preciso negar a Constituição e fazer prevalecer os interesses do patrimonialismo brasileiro, os ministros do Supremo Tribunal sempre estarão a postos para executar o serviço, a exemplo do que destacou Raymundo Faoro (em Os Donos do Poder, formação do patronato político brasileiro), sobre a atuação do STF na formação da república velha, na imposição do federalismo no Brasil, quando se ergueu “a doutrina da supremacia do Supremo Tribunal Federal, moderador único da onipotência dos presidentes, da harmonia dos Estados e da Supremacia militar”.

Isto é, o STF está sempre pronto para prosseguir na construção de sua interpretação constitucional “supremacista”, não de acordo com a vontade popular, mas em favor dos interesses dos grupos políticos e econômicos que controlam o estado brasileiro, mesmo que indo contra o texto expresso da Constituição, a exemplo dos votos manifestados até o dia 4 de dezembro de 2020, que possibilitam a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado, o que é vedado na mesma legislatura.

Fica a torcida para que os votos dos ministros ainda pendentes, no referido julgamento, sejam no sentido de dar o correto cumprimento à Constituição, vedando a recondução ao cargo dos atuais presidentes das casas legislativas.


1 A atual legislatura iniciou-se em 1º de fevereiro de 2019 e terminará em 1º de fevereiro de 2023.


JORGE FOLENA – Advogado; Doutor em Ciência Política, com Pós-Doutorado, Mestre em Direito; Diretor e Vice-Presidente da Comissão de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros. É colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre e dedica-se à análise das relações político-institucionais entre os Poderes Legislativo e Judiciário no Brasil.