Por José Macedo

Essas breves considerações, postas neste artigo, decorrem de minha visão e de estudos sobre a atual conjuntura jurídico-politica do Brasil, podendo no caso, contextualizá-las a nível mundial. Gostaria de escrever sobre um mundo de paz, onde os conflitos fossem solucionados sem interferências externas, muito menos, houvesse a necessidade de medidas coercitivas ou punitivas. Gostaria de escrever sobre a abundância, não sobre a escassez, a paz à guerra, a saúde à doença, a tolerância e o amor ao ódio, a democracia (sem que seja mito) à tirania, o bem comum ao interesse privado, o acesso à Justiça para todos, a fartura à fome (Mapa da Fome), o diálogo e da solidariedade à violência.

O momento motivou-me a lembrar da frase, da escritora negra, ganhadora do prêmio Jabuti, Maria da Conceição Evaristo: “Eles nos querem mortos, mas estamos vivos”. Essa frase sintetiza e soou para mim como grito de alerta e sentimento de resistência, diante da morbidez social e politica, dos preconceitos e crueldades existentes. O Brasil atual é governado pelo capitão Jair Messias Bolsonaro, antes, um deputado obscuro, visto por sua atuação, seus pontuais pronunciamentos, todos eivados de preconceitos e criminosos, misóginos, homofóbicos e em defesa da ditadura e da tortura. Na votação do impeachment da presidente Dilma, dedicou seu voto ao conhecido torturador, Carlos Alberto Brilhante Ustra, chamando-o de “herói brasileiro”. O teor desse voto é uma apologia à ditadura e a tortura, incidindo na prática de crimes, previstos na Lei de Segurança Nacional, no Código Penal e na Lei dos crimes de Responsabilidade.

Esses fatos comprovam que a Lei, o Direito e a Justiça são ineficazes, não asseguram a paz social desejada e duradoura, para isso, deveria, incontinenti, afastar os criminosos do poder. O filósofo, Thomas Hobbes, (séc. XVI-XVII), no Leviatã, entende ser o homem, mau por natureza,e egoísta, o que justifica o “Estado forte e absolutista”. Seguindo essa lógica, o Estado Democrático de Direito, apesar de dispor do instrumental teórico e prático, perde a razão de ser, não consegue impor suas regras de mediador dos conflitos, essencial para a convivência pacífica e ordenada. Porém, sem justiça, sem solidariedade e direção, apesar da precariedade, sem o mínimo de ordem e de regras coercitivas, a convivência humana seria inviabilizada e retornaríamos à Lei de Talião. O Direito e o Estado se confundem, nessa gangorra, tornando-se, essencialmente, interligados e complementares, não havendo substitutos, apesar do comentado fracasso. Apesar dos críticos da democracia, fica o ideal por uma sociedade melhor, nessa luta para que a Lei seja aplicada, sem distinção de raça, de classe e de sexo (todos são iguais perante à Lei). A violação de dispositivos constitucionais e legais por práticas delituosas de agentes do Estado desalentam e frustram o cidadão de bem, destinatário dos direitos e da Justiça. A leniência e cumplicidade dos agentes do Estado constituem em maior peso e sofrimento para as minorias mais vulneráveis, índios, trabalhadores, negros e pobres. Os efeitos são devastadores para os ideais democráticos, fomentam crimes, a violência e a corrupção, além da insegurança jurídica e descrença no Estado Democrático de Direito. A tirania, em nosso País, tem origem e raiz nos três séculos e meio de escravidão, sem dúvida, responsável por nossa índole vingativa, perversa e punitiva. A dialética da formação do governo é também a de silenciar insatisfeitos, segurar o poder, decidir sobre a vida e a morte do outro.

Em face dessas idiossincrasias, a incerteza, a desconfiança nas instituições, nos valores humanos e no direito, paradigmas da contemporaneidade, corroboram para escolhas equivocadas de governantes espertalhões, sem qualquer compromisso com o bem comum. A corrida para dominar o outro e fazer do Direito um meio para enganar e dar roupagem de licitude (lawfere) facilitam a que candidatos vençam eleições sem ter razão e compromisso com a democracia. Para os representados restou a dificuldade e inexistência de tempo hábil para a desintoxicação do poder e ver-se livres dos espertalhões e estelionatários, travestidos de políticos. Ao homem revoltado, ao homem consciente, mutilado e impotente, resta a morte, como “castigo”, que pode ser física ou moral, frente a incapacidade de resistir. A tirania instala-se pela força, arbítrio, apelos, notícias falsas, discursos e a incapacidade de luta e de resistência dos governados e a desproporcionalidade de força para resistir. O poder ilegítimo fere e divide a sociedade em dois pólos, os favorecidos e os outros, negros, índios e pobres, vistos como fardo, daí vem a ordem, que é a de livrar-se deles, por isso, são escolhidos para a morte ou para o ostracismo. O Direito serve de instrumento eficiente dessa farsa, de que o poder ilegítimo de um lado; e do outro, o povo, amorfo, perdeu sua capacidade crítica, até bate palmas. É a tirania, a necropolitica, descrita pelo escritor, historiador e professor camaronês, Achille Mbembe.

Queria ser otimista, queria alimentar esperanças, até porque, para mim, viver é ver a dignidade soberana, ter liberdade para decidir, resistir, indignar-se e não ser cúmplice da tirania. Denunciar o governo do capitão, de traços nazifascista é um dever, é cidadania, omitir-se é covardia e colocar-se candidato à morte. Mas, o governo que foi eleito, democraticamente, para cuidar de todos, torna-se ilegítimo, sonha com o apartheid, coisifica o negro, o favelado, o pobre, o índio e criminaliza o homem do campo, os sem terras, que desejam um pedaço para plantar, viver e colher (aqui, falo do MST). Nesse tempo, o índio, o pequeno produtor rural e os sem terras estão sendo levados à morte, um genocídio, que se compara ao nazismo, política de extermínio, garante o agronegócio, a extração de madeira e de minérios nas terras dos verdadeiros proprietários, os índios Assim, o Estado serve a seus insanos impulsos e interesses, anular o outro, destruí-lo, silenciá-lo, escravizá-lo e levá-lo à morte. Hitler escolheu os judeus, deficientes, ciganos, negros e comunistas.

A visão distributiva do direito, para punir ou castigar é inoperante, cujo efeito foi o de produzir presídios superlotados, uma indignidade humana, masmorras em pleno século XXI, repito, uma farsa a favor de quem detém o poder. A violência assusta-nos com seu crescimento exponencial. Exemplifiquemos aumento abrupto das mortes no Rio de Janeiro, nos primeiros meses deste ano. Com a Ascensão do Bolsonaro ao poder e a “licença para matar”, os policiais empolgaram-se e matam sem motivos, sendo que os negros e jovens moradores das comunidades (favelas) são as vítimas preferidas, sob a corriqueira justificativa do “auto de resistência”, apesar da aparência de execução. Nos primeiros meses de 2020, o aumento da violência letal foi de 57%. Assim, fortalece minha tese, a de que, é escolhido quem deve morrer. Na minha visão, não haverá mudanças positivas, sem que haja transformações profundas e qualitativas nesse tipo de sociedade. Diante desse quadro, com a educação, escolas de qualidade e melhora na pirâmide de distribuição de renda, poderemos vislumbrar mudanças e expectativa de um País melhor, uma Justiça para todos e célere, a melhora na distribuição de renda, o ódio e divisão de classe não perdurarão nos níveis atuais.

O Direito Penal e seu impulso punitivo (o castigo), escolhidos como alternativa no combate ao crime e à violência são falácias e farsa. A situação dos indesejáveis e precarizados, fardo para esse poder, em nada mudará, permanecendo as coisas como estão. Desejaria ser otimista, mas os fatos, provas e fundamentos, ora aduzidos, não me permitem.


JOSÉ MACEDO – Advogado, economista, jornalista e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.