Por João Claudio Pitillo –

Desde a entrada dos aplicativos de transporte privado individual no Brasil, que o modal de táxi passou a experimentar um desequilíbrio perigoso, com amplo reflexo no ambiente social. A categoria de taxistas está consolidada acerca de 100 anos em nosso país, tendo alcançando um nível bastante elevado de profissionalismo capaz de concorrer com seus pares de qualquer outro país graças à regulamentação do poder público. Mas, hoje essa categoria encontra-se encurralada devido a concorrência desleal e predatória promovida pelos aplicativos (Uber, Cabify. 99, Easy e Wappa), os mesmos não possuírem nenhuma regulamentação, ocupando uma espécie de “metacondição”, que os coloca acima do Estado brasileiro. Na cidade do Rio de Janeiro a ação massiva desses aplicativos não ameaça somente os taxistas, os mesmos já provocam uma crise tamanha nos transportes públicos, que linhas de ônibus estão desaparecendo pela falta de passageiros, que tem optado por usar esses aplicativos, que chagam a praticar preços mais baratos que uma passagem de ônibus, barca, trem e metrô.

Mas como esse “admirável mundo novo” de preços é possível? Graças a falta de vínculo empregatício, esses aplicativos oferecem baixas remunerações e se isentam de qualquer responsabilidade na relação consumidor X motorista, chegando ao ponto de afirmarem serem apenas “empresas de tecnologias”, sem nenhuma inspiração no ramo de transporte. Com baixo custo de operação, os aplicativos oferecem preços baixos aos consumidores, transferindo todos os problemas fruto dessa gigantesca frota de carros para a prefeitura. Enquanto os táxis precisam se submeter a uma série de normas ditadas pelos poder público que os normatiza e os regulamenta, onde a relação taxista X passageiro passa por uma série de salvaguardas, esses aplicativos se portam como verdadeiros “piratas do asfalto”, não cumprindo nenhuma regra da CLT, CTB, CF e Estatuto das Cidades.

Os cariocas estão seduzidos por um leve clicar em seus telefones, que permite a materialização de um carro com motorista em suas portas, acreditando fielmente que tal ato é a solução ideal para o problema centenário de transporte em sua cidade, pouco se atentando que o carro é um inimigo da Mobilidade Urbana. Ora, onde já se viu? Um veículo que transporta apenas quatro pessoas e que polui em cima e embaixo, porque a poluição não é só na emissão de gases. A poluição se dá também na queima da borracha do pneu, aumenta a densidade do trânsito e expõem a vida de milhares de passageiros que são transportados por pessoas sem a menor qualificação, serem visto como “um modal de transporte”? O ônus gerando por esses aplicativos para a cidade do Rio de Janeiro é tão grande, que hoje ameaça toda a cadeia de transporte da cidade do Rio de Janeiro, com reflexões para a Região Metropolitana.

Desde o Pan-Americano em 2007 que a cidade do Rio de Janeiro recebeu obras orçadas em milhares de reais, todas elas foram pensadas na Mobilidade Urbana, inclusive, visando à integração dos modais de transporte público de massa, nenhum desses projetos pensava o carro como solução, mas em pleno ano de 2020 temos mais de 200.000 carros circulando pela cidade sem nenhuma regra ou planejamento. É justo afirmar que os prefeitos Cesar Maia, Eduardo Paes e Marcelo Crivella foram péssimos admiradores no quesito Transporte, mas isso não justifica a aceitação tácita da balburdia que essas multinacionais estão fazendo em nossa cidade com seus aplicativos de carros, além de um ataque ao nosso Transporte Público, graças à concorrência desleal, existe a ameaça à soberania nacional com evasão divisas e o controle de dados dos brasileiros. A COPPE – UFRJ realizou um profundo estudo a pedido da Câmara Municipal do Rio de Janeiro para aferir o impacto desses aplicativos em nossa cidade, os especialistas da UFRJ revelaram no ano de 2019 que esses aplicativos seriam uma ameaça à Mobilidade Urbana e aos transportes público, passado um ano do referido estudo, as previsões tem se confirmado, juntamente com a inércia das três esferas de poder.

Quando o assunto é a condição de trabalho desses motoristas de aplicativos, ai a coisa beira o absurdo. Esses aplicativos geram uma exploração tamanha do ser humano que, impede que eles tenham o mínimo de segurança, obrigados a dirigir 12, 14 e até 16 horas por dias, competindo com mais de 200.000 carros, esses motoristas tem remunerações baixas, que mal conseguem dar conta da manutenção de seus veículos, quando recorrem aos carros de locadora, menos lucro ainda conseguem obter. Em geral, ganham 1/5 do que ganhava um taxista antes da chegada desses aplicativos. Está estabelecida ai a dinâmica pervença. Os aplicativos concorrem para a extinção do táxi através de seus preços baixos que atraem cada vez mais passageiros, em troca geram mais exploração com as baixas remunerações, precarizando ao máximo os seus motoristas. Transformando o serviço de transporte de passageiro que antes era feito por um profissional autônomo (taxista), em uma atividade exclusiva de quatro multinacionais que exploram ao máximo nossas vias, sem nenhuma contrapartida social. Isso está descrito em nossa Constituição Federal como “dumping social” e é expressamente proibido.

Esse processo de uberização do modal de táxi visa à destruição total de todo e qualquer direito trabalhista, de toda a segurança financeira que os taxistas autônomos gozavam e também o fim da participação estatal na regulamentação do transporte de passageiro. Onde as leis concernentes ao setor, sejam substituídas por regras estabelecidas por um “aplicativo” com sede nos Estados Unidos. O absurdo aumenta quando esses aplicativos bilionários insistem em chamar os motoristas que mal possuem um veiculo usado de “parceiros”. Parceria essa onde os motoristas entram com o pescoço e os aplicativos com a corda. Com a Reforma Trabalhista aprovada pelo governo Michael Temer, a Reforma da Previdência de Jair de Bolsonaro e as últimas decisões do STF, esses aplicativos ganharam força, a ponto de serem saudados pelos dois últimos ministros da Fazenda Henrique Meirelles e Paulo Guedes.

É imprescindível que as autoridades e os especialistas em transporte prestem atenção nos malefícios que esses aplicativos vêm causando às nossas cidades. É importante que regras duras sejam aplicadas para que esses aplicativos parem de explorar o nosso povo e destruir o nosso transporte. Um amplo debate precisa acontecer logo, ou os estragos serão tamanhos que as cidades podem ter seu transporte público colapsado em pouco tempo. Cidades que não possuem um serviço de transporte público integrado e eficiente podem morrer, cidades que se submetem à Uber já estão mortas.

Referências:

http://www.camara.rj.gov.br/noticias_avisos_detalhes.php?m1=comunicacao&m2=notavisos&id_noticia=14728

http://www.lesfer.coppe.ufrj.br/index.php/br/destaque/noticias/361-reuniao-na-camara-de-vereadores-do-rj

https://extra.globo.com/noticias/extra-extra/o-nao-estudo-sobre-impacto-de-aplicativos-de-transporte-no-rio-23895490.html

OIT (Organização Internacional do Trabalho) quer regular condições de trabalho em Apps como UBER e outras

https://www.transportesenegocios.pt/oit-alerta-contra-a-uberizacao-dos-transportes/https://www.hbo.com/documentaries/san-francisco-2-0


João Claudio Platenik Pitillo – Doutorando em História Social pela UNIRIO, pesquisador do Núcleo de Estudos das Américas da UERJ (NUCLEAS) e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre