Por Luiz Carlos Prestes Filho

A indústria do entretenimento foi uma das mais afetadas pela Covid-19. Por essa razão, o gestor cultural Gabriel David mudou seus planos e metas. Formado em administração pela PUC-Rio, preparado profissionalmente para a organização de megaeventos, ele pondera: “O Carnaval é um momento de celebração das vitórias, das conquistas e da alegria das comunidades de todo o Rio de Janeiro e Brasil. Mas os desfiles das escolas de samba, para os quais nos preparamos o ano inteiro, virou uma incerteza. Existe a real possibilidade de cancelamento ou de adiamento da festa. Tive que buscar o caminho da sobrevida. O meu desafio foi o de motivar todos os componentes da Beija-Flor de Nilópolis, chamar minhas irmãs e irmãos, amigas e amigos, parceiras e parceiros para continuarem suas atividades. Sim, trancados em casa, impossibilitados de realizar encontros presenciais, mas sem desistir de nada. Posso dizer com segurança que a família Beija-Flor é um exemplo de amor e coesão”.

Já estava tudo preparado para o lançamento, neste mês de junho, do Instituto Beija-Flor. Por conta da Covid-19, o mesmo acontecerá somente quando a pandemia passar: “Vemos o instituto como o principal e mais atual projeto social de nossa escola de samba. Temos que apresenta-lo de maneira que gere grande impacto. Mas esse cancelamento não nos paralisou, usamos a pandemia para abrir outras frentes. O isolamento social fez surgir novos produtos que a comunidade desejava consumir, sempre através da internet e das redes sociais. Criamos espaços de interação entre os membros da escola e entre os nossos torcedores. Quando poderíamos imaginar que isso aconteceria exatamente durante os meses quando normalmente pouco se fala de carnaval!”.

Faz alguns anos, desde a sua nomeação como Assessor Especial da Beija-Flor, que Gabriel David se manifesta publicamente sobre a necessidade das escolas de samba do Grupo Especial inovarem, adentrarem no novo milênio: “Eu via que o Carnaval não conseguia conversar com os jovens, seus futuros consumidores. Dialogava muito mal com seus tradicionais consumidores. Faz quatro anos que eu venho batendo nessa tecla. Agora a situação provou que sem tecnologia e inovação não se pode mais fazer gestão desse mundo de magia. Até mesmo os gestores mais velhos compreenderam o que eu estava falando. Por tanto, as mudanças que ocorrem nesses meses vieram para ficar e elas vão avançar”.

Primeiro a escola promoveu lives que permitiu o reencontro de todos os amantes do samba, provocando virtualmente o rompimento do isolamento. Foram convidadas outras escolas para participar, sempre tendo o Neguinho da Beija-Flor como agregador: “Lives bem legais foram aquelas que permitiram a arrecadação de 60 toneladas de alimentos, um número bem expressivo, para distribuição aos necessitados. Depois, organizamos aquelas quando elaboramos o enredo do próximo desfile, aproveitando que as pessoas estão em casa, com tempo disponível para debater, palpitar, ajudar a escolher o melhor caminho criativo. O lançamento do enredo empolgou por conta da originalidade. Usamos a internet, com suporte da tecnologia audiovisual que é a mais consumida no mundo de hoje”.

Apesar do carnaval de 2021 ser uma incógnita, Gabriel David com entusiasmo fala do enredo escolhido – “Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor”: “Temos que oferecer direitos a cidadania para todos, o combate do racismo é fundamental para avançarmos como nação. Claro que, infelizmente, estamos distantes para alcançar o sonho da igualdade étnica e cultural. Mas a Beija-Flor decidiu levantar esta bandeira que representa a maioria dos nossos componentes e torcedores que são afrodescendentes. Estamos abrindo o nosso espaço para a participação de muitos segmentos sociais e culturais de fora da escola; para a intelectualidade negra; para grupos e ativistas que lutam contra o esse terrível preconceito. O carnavalesco Alexandre Louzada estuda o tema e reconhece que tem aprendido muito. O mesmo acontece comigo através das pesquisas acadêmicas, filmes, livros e, claro, ao mergulhar nessa realidade sofrida e violenta que as todas as etnias que formaram o Brasil ainda enfrentam. Desejamos melhorar a vida da maioria do nosso povo. Desejamos fazer um carnaval ativista”.

Os investimentos são fundamentais para o futuro desfile ser competitivo. Mas o quadro atual demonstra que será necessário vencer muitos outros desafios: “Estou preocupado com as receitas que a escola já deveria estar recebendo durante os meses de junho e julho. Nada entrou e provavelmente nada vai entrar. Mas a Beija-Flor tem uma estrutura financeira bem organizada e consegue suportar. Temos lastro para não demitir ninguém, manter todo o nosso corpo de funcionários trabalhando. Claro, trabalhando em casa. Infelizmente, o nosso espetáculo vai terminar afetado negativamente. Sabemos que quanto mais tarde entram os recursos fica mais difícil para realizar um desfile com alto padrão de qualidade. Temos profissionais capacitados, a nossa infraestrutura obedece a rigorosos métodos de organização. Sendo assim, temos como nos reinventar. Apresentar um grande Carnaval, independentemente de quando seja a sua data”.

Como um dos mais jovens e promissores líderes do Carnaval, realizado pelo Grupo Especial das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, Gabriel David, surpreende quando afirma que pensa exatamente no hoje e no agora: “Eu já vivi muito o futuro, o sonhar com um amanhã promissor. Fiz uma mudança na minha vida, quero viver o presente. Estou preocupado com o que vai acontecer agora! Tenho que saber sugar o máximo dos momentos que a gente vive, aprender com eles para poder caminhar com segurança. Meu foco tem sido a mais plena dedicação aos projetos acima elencados. Infelizmente, não tenho estado muito com a minha família, até porque o meu pai – Anísio Abraão David, presidente de Honra da Beija-Flor de Nilópolis – faz parte do grupo de risco e o isolamento social para ele tem que ser extremo. Hoje as pessoas não estão confortáveis com a situação que enfrentamos durante a pandemia. Por tanto, entendo que a minha missão é chamar toda a família Beija-Flor a viver esse momento intensamente, com toda a sua verdade. Quando a quadra voltar a ficar cheia temos que voltar para ela trazendo os mais nobres e puros valores de humanismo e de solidariedade”.


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).