Por Jeferson Miola –
“Líder!, Líder!, Líder! …”.
Com esta exaltação ao estilo “Führer!, Führer!, Führer! …” da Alemanha dos anos 1930, os aspirantes-a-oficial da Academia Militar das Agulhas Negras recepcionaram o então deputado Jair Bolsonaro, recém reeleito para o 7º mandato na Câmara Federal.
Acompanhado dos filhos Eduardo e Carlos, Bolsonaro comparecia pela enésima vez a uma solenidade de formatura dos aspirantes da AMAN. Na ocasião, ele retribuiu a recepção efusiva dos cadetes com um discurso que é o marco do lançamento formal da candidatura dele à presidência, que só ocorreria 4 anos depois, em 2018:
“Parabéns pra vocês. Nós temos que mudar este Brasil, tá ok? Alguns vão morrer pelo caminho, tá; mas eu estou disposto em 2018, seja o que deus quiser, tentar jogar pra direita este país!
[aplausos e gritos de “líder!, líder!”]
O nosso compromisso é dar a vida pela Pátria, tá ok?, e vai ser assim até morrer. Nós amamos o brasil, temos valores e vamos preservá-los. Agora, o risco que eu vou correr, posso ficar sem nada, mas eu terei a satisfação do dever cumprido, tá ok? Esse é o nosso juramento esse e o nosso lema: Brasil acima de tudo! Esse Brasil é maravilhoso, tem tudo aqui, tá faltando é político! Há 24 anos que eu apanho igual a um desgraçado em Brasília, mas apanho de bandidos. E apanhar de bandidos é motivo de orgulho e glória, tá ok? Vamos continuar assim. Boa sorte para todos. Um abraço a todos”.
[aplausos e mais gritos de “líder!, líder!”].
Este comício político-partidário, realizado numa unidade de alta significação das Forças Armadas, aconteceu no longínquo 29 de novembro de 2014 – vídeo aqui.
Parêntesis: [Cinco anos e cinco meses depois, em 19 de abril de 2020, e já como presidente da República, Bolsonaro promoveu outro comício político-partidário, desta vez na frente do maior totem das FFAA, o QG do Exército, para defender o fechamento do STF e do Congresso e a intervenção militar com ele mesmo, Bolsonaro, no poder.]
Instantes depois dos cadetes da AMAN confraternizarem com seu Führer naquele fim de primavera de 2014, o então ministro da Defesa Celso Amorim, acompanhado dos comandantes das três armas das Forças Armadas, conduziu a cerimônia de formatura. O quê dizer disso: negação, ou alienação da realidade pelos integrantes do governo Dilma?
A genealogia do “plano Bolsonaro” como dispositivo para a construção do poder militar tem raízes antigas. Hoje já é possível comprovar que a candidatura presidencial de Bolsonaro em 2018 foi metodicamente construída e preparada nos anos precedentes.
O discurso do Bolsonaro em novembro de 2014 na AMAN foi a rampa de lançamento deste projeto que estava sendo amadurecido bem antes. Ele foi o personagem que coube sob medida no figurino para contracenar, na eleição, o plano militar meticulosamente planejado. Os tuítes do general Villas Bôas, nesta perspectiva, nem de longe são peças improvisadas. Daí o segredo sepulcral firmado entre ele e Bolsonaro.
Em reportagem de 7 de outubro de 2018, a partir de informações e relatos de um alto oficial das Forças Armadas [FFAA] brasileiras, o jornalista argentino Marcelo Falak escreveu que Bolsonaro era o projeto secreto da cúpula militar; “o homem que a cúpula das FFAA elegeram, há 4 anos, para que ele se fosse convertido no presidente do Brasil”.
Segundo a influente fonte militar, Bolsonaro seria “convertido no aríete de uma doutrina para uma ‘nova democracia’ em que os militares terão voz e atuação política, superando o papel subalterno a que são confinados pelo poder civil” […], sendo que o “programa do futuro governo cívico-militar será conservador no político e absolutamente liberal no econômico, e buscará erradicar de uma vez para sempre a ‘extrema-esquerda’”.
Neste conceito de nova democracia, os militares se reconhecem “numa nova etapa”, e exigem “serem tratados como cidadãos plenos, não de segunda”. Na visão dos militares, nesta nova democracia “não deve haver nenhuma restrição à participação deles em cargos públicos” – o que se traduz hoje, concretamente, em mais de 3 mil cargos do Estado aparelhados por eles.
Estes militares mostram-se imodestos, cultivam uma imagem muito elogiosa de si mesmos. E, por isso, ambicionam exercer postos de comando do país – para aumentarem seus proventos – mesmo que incompetentes para certas funções técnicas. Gabam-se que “somos pessoas muito qualificadas, somos competentes, sabemos idiomas, temos pós-graduações. Entendem, por isso, que “tem que terminar com isso de não podermos ser ministros”.
Ainda de acordo com o alto oficial entrevistado, “o modo como Bolsonaro defendeu as FFAA fez com que crescesse nossa ponderação sobre ele, sobretudo porque o Comando estava ocupado por nós, que tínhamos sido contemporâneos dele na Academia” [AMAN].
A fonte militar de Falak menciona que Bolsonaro “se abriu para o diálogo, e dia-a-dia fomos vendo que ele mostrava valores importantes, como disciplina, respeito e muita humildade. Aceitava nossas sugestões e mudou muitas das suas posturas anteriores. Por exemplo, passou do nacionalismo econômico que antes defendia, ao liberalismo. Isso que se vê na campanha eleitoral foi produto do diálogo que o Exército abriu com ele, não tenha dúvidas”.
Segundo informou a fonte de Falak, em virtude da abordagem do comando das FFAA, Bolsonaro “mudou muito no pessoal, se casou com sua terceira mulher, teve uma filha e, algo que ninguém sabe, inclusive fez dois anos de psicanálise”.
O militar também confirma que “O nacionalismo econômico já não é nosso programa, esse deixamos para o Partido dos Trabalhadores. Agora é o liberalismo. Isso é o que dissemos a Bolsonaro. Queremos um país o mais livre possível, o que nos coloca radicalmente contra o que diz o PT”.
Por isso, reporta Falak, “o manejo da economia ficará para um civil: o ex-banqueiro ultra-liberal Paulo Guedes, cuja proposta é privatizar a totalidade das participações do Estado em empresas, incluída a Petrobras, e vender todos os bens que ainda estão em poder estatal”.
Refletindo uma visão embolorada da guerra fria, o oficial brasileiro diz ao jornalista argentino que “Pretendemos fechar o círculo que começou no Brasil com a intentona comunista de 1935, algo que ainda não acabou. Não vamos permitir estas propostas que enganam e se disfarçam de socialismo”.
Acerca da geopolítica regional, o alto oficial entrevistado por Falak em outubro de 2018 não escondeu que “ficamos muito felizes que se foi Cristina Kirchner e chegou Maurício Macri”, que ocorreu na eleição de 2015.
Como prova de reconhecimento da autoridade do capitão Bolsonaro, o alto oficial do Exército disse: “não vamos tutelar Bolsonaro. Seremos subordinados a nosso comandante Supremo. Ele é um homem com personalidade”.
Ilude-se, por isso, quem imagina que as Forças Armadas não estejam escalando a ditadura junto com Bolsonaro e tramando a intervenção militar com ele no poder. Bolsonaro é o “projeto secreto da cúpula militar”.
MAZOLA
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