Por Pedro Augusto Pinho

“Se tivermos de procurar um ponto de contato, um traço comum na história de todos os povos, na marcha de todas as civilizações, nós o encontraremos sem dúvida na figura do guerreiro. Os guerreiros eram, praticamente, todos os indivíduos aptos do bando. Não possuíam ainda um espírito de classe” (Theodorico Lopes e Gentil Torres, Ministros da Guerra do Brasil 1808-1948, Rio de Janeiro, 1949, 3ª edição).

É lugar comum afirmar que o mundo está mudando. Penso em meu pai, nascido no início do século XX, morrendo com mais de 90 anos, tendo passado por duas grandes guerras, vários golpes e revoluções e moedas correntes no Brasil; que espanto se nenhuma grande alteração ocorresse ao longo de três ou quatro anos!

Houve na História da humanidade pontos de deflexão fundamentais, quer impelidos pela natureza, quer por pensamentos, quer por um conjunto de acasos e quer também pela ganância ou poder de um grupo.

Vamos tratar do mundo que se transforma pela força do poder financeiro.

Não devemos confundir com a economia que, de modo geral, trata da escassez dos recursos necessários à vida e ao bem estar das pessoas, uma ciência social. As finanças cuidam do poder do dinheiro, e só. Poder-se-ia dizer que é um meio de expressão de sociopatas. O financista é quem age para acumular dinheiro, tudo se transforma em expressão monetária, como um rei Midas ou adorador do mamon talmúdico.

E como evidente, o mundo onde impera as finanças, é um mundo de critérios, valores, ações, bem distinto daquele em que impera a produção, a transformação da natureza em recursos para a solução de problemas humanos.

Não pretendo narrar uma história de banqueiros e financistas, que já a esbocei em artigos denominados “Breve História da Banca”. Proponho refletir sobre a expressão militar do poder no Brasil, neste tempo de poder do financismo, que se encobre sob a ideologia neoliberal.

A preocupação financista é obter a conversão de todas as rendas: das famílias, das empresas, dos Estados (salários, aluguéis, lucros, tributos) em receitas para as finanças.

Vejamos um exemplo. Vem sendo aprovado por Estados e Municípios brasileiros, sob argumentação das mais ridículas, o procedimento para cobrança tributária denominado securitização. Na definição teórica, securitização é a transformação de uma dívida num título de crédito capaz de ser negociado no mercado financeiro. É um procedimento de uso quase exclusivamente bancário.

O que se pretende com esta mudança nas funções dos órgãos de receita públicos? Ao fim do processo, privatizá-los; pois a cobrança dos tributos, estaduais ou municipais, será considerada dívida, entregue a empresa financeira, que ganhará o quanto estimar para cobrá-la, com todos os ônus para o setor público. E estará sendo dado mais um passo concreto para o Estado Mínimo, ideal neoliberal e da banca.

Precisamos notar que a ideia principal do tributo é que seja aplicado no bem estar da coletividade, mas o atual neoliberalismo/financismo é tão corrupto quanto o da antiga Roma, onde se fazia leilão anual para escolha do “coletor de impostos”. E, ao fim, a cobrança não era controlada pela autoridade pública. O interesse de quem vencia os leilões (e por quais meios!?) estava no recebimento da quantia cobrada. Não se cogitando se o tributo era adequado ou extorsivo.

Vemos neste caso, que tem até origens históricas, que as finanças copiam maus exemplos passados na ânsia de faturar, na volúpia de corromper. E se apossam dos Estados, levando-os à decadência, à fragilidade que assolou a imperial e poderosa Roma. E mergulhou a Europa na Idade Média.

Os Estados Nacionais são a formalidade da representação de uma comunidade reunida num mesmo território, com laços culturais idênticos ou homogêneos, no propósito de mútua proteção, auxílio, convívio solidário, mesmo que com eventuais disputas e desacordos internos. Para que um Estado Nacional sobreviva há de existir mais liames entre sua população do que ódios e desavenças.

O mundo é composto de Estados Nacionais. A ideia da globalização é um sonho místico ou uma solerte farsa. Por que a globalização neoliberal continua exigindo passaportes, continua excluindo de benefícios ou direitos os estrangeiros dos nacionais? E se os recursos naturais se distribuem de modo desigual pelo mundo, a paz é um momento excepcional.

Vivemos entre acordos de convivência ou ações diplomáticas e conflitos que no extremo são bélicos. E tão mais possante seja nossa força armada, mais facilmente poderemos obter, pacificamente, o atendimento de nossos interesses.

Quem respeita um país que não domine a tecnologia nuclear e possua ou possa com seus próprios recursos e rapidamente construir a bomba atômica?

Qual força armada existirá no Estado Mínimo? Sob o poder e domínio das finanças? Acertou quem disse nenhuma; bastará uma força policial que contenha os excessos da população.

Visto isso, ao discutirmos o papel das Forças Armadas estará claro e explícito que se trata de um Estado Nacional e, como tal, o poder será nele exercido pelas expressões que compõe o próprio poder, que na sequência recordaremos.

O poder político, que representa o interesse de todas as pessoas do território, tem a capacidade formal e processual, domina os recursos e modos de obter os consensos e a harmonização as vontades. É um poder importantíssimo pois seu fim, sua realização deve ser o bem comum de todos nacionais.

O poder econômico que estudará a solução para escassez dos recursos de modo a melhor atender a todos os cidadãos e não a uma única parcela da população, por numerosa e poderosa que seja.

O poder psicossocial onde se encontram os letramentos e as expressões da cultura, onde reside a alma de um povo e deve estar aberto a todas as manifestações e as vocalizações de indivíduos, isoladamente e em associações nacionais.

O poder militar que garante a segurança do território e da população em face da potencial ou efetiva agressão exterior.

Não estamos, como é óbvio, construindo uma estrutura de Estado, mas discorrendo pelo que é efetivamente existente: as expressões do poder de qualquer sociedade organizada.

Outra questão a ser previamente esclarecida é aquela da liberdade. Os financistas se apontam como os condutores e defensores da liberdade. Mas é importante conhecer o pensamento filosófico mais contemporâneo que sustenta a liberdade.

Sartre escreveu na obra prima do individualismo, “O ser e o nada”, que a liberdade sem vínculo humano, descomprometida do outro, era a “angústia’”. “O conflito é o sentido original da relação com o outro” (Jean-Paul Sartre, L’Être et le néant, Gallimard, Paris, 1943). Mas ele mesmo, ao vivenciar a batalha com os nazistas que tomavam Paris, escreveu: “Na luta que cada um se punha para enfrentar o opressor, opção verdadeiramente pessoal, despia-se da própria liberdade para escolher a liberdade de todos” (J.-P. Sartre, Situations III, Gallimard, Paris 1949, ambas citações em tradução livre).

Liberdade e competitividade não são valores absolutos, descomprometidos, neutros ou alforriados. Eles se dão na comunidade humana, entre pessoas, e se condicionam aos pactos de convivência, aos protocolos da harmonia e do respeito mútuo. Por isso qualificamos as ações dos financistas como próprias de sociopatas.

E disto decorrem atos cínicos, desde o despontar neoliberal. No campo politico apoiando socialistas e conservadores, financiando republicanos e democratas; no campo religioso, ora com os islâmicos ora com os cristãos; no campo social as questões identitárias, as lutas pelo e contra o direito da mulher ao aborto; na ecologia, financiando indústrias poluidoras e campanhas ambientais. Pois tudo o que lhes interessa é somente o ganho financeiro máximo e mais rápido.

A Força Armada está na estrutura do Estado Brasileiro desde a primeira organização, na colônia, constituída por Tomé de Souza, ao instalar o Governo-Geral do Estado do Brasil, em 1549, na pessoa do capitão-mor da costa, responsável por defender o território da cobiça dos demais impérios do século XVI.

E por muitos momentos, no enorme território que se formou o Brasil, foram as Forças Armadas chamadas a intervir em nosso próprio território, para impedir separatismos, insurreições e movimentos contestatórios aos poderes coloniais e imperiais. Foram quatro séculos de atuação onde se misturaram, sob as óticas dos poderes vigentes, inimigos e opositores numa única variedade que se impôs aos militares.

E nem se diga que esta atuação não levou a defecções entre seus profissionais e comandantes, em diversos episódios da vida nacional. Mas as Forças Armadas, ora se impondo pelas armas ora pela simples presença, foram garantindo a integridade do território brasileiro, um dos importantes compromissos e objetivo da Nação.

Vimos que o Brasil começou com uma estrutura de Estado, mas sem povo reconhecidamente brasileiro. As funções de Estado eram preenchidas pelos colonizadores. Os brasileiros que aqui já existiam e os que foram trazidos da África eram escravos ou a serem escravizados. Na obra em citação no início do artigo, lê-se que o primeiro Ministro da Guerra que nasceu no Brasil foi Luís Pereira da Nóbrega de Sousa Coutinho (1760-1826), em 27 de junho de 1822.

Tivemos o paradoxo de um Estado com estrutura de poder para administrar-se, mas sem povo para atender. Os habitantes, na imensa maioria, não eram considerados nem mesmo seres humanos. Podemos ver que, nesta conformação, a ação da defesa da pátria se confundia com a defesa de um conjunto de pessoas que agiam para manutenção do seu poder, naquela estrutura do Estado e para produção de riqueza que não iria enriquecer o país, mas ser transferida para o exterior sob o zeloso olho do provedor-mor.

E o mais notável é que esta estrutura de um governante, um administrador fazendário, uma autoridade judicial e outra militar, com a propensão a crescer de qualquer organização administrativa, perdurou por toda colônia e todo o império. As exceções foram de atribuições únicas do Reino transferidas para o Império independente, como as relações exteriores.

A educação e a comunicação social, bem como a iniciativa econômica ficaram fora da ação do Estado, salvo as constituídas para abrigar no Brasil a sede do Reino. Veja portanto o caro leitor como seria complexo e até estranho criar nas Forças Armadas um sentimento nacionalista brasileiro se seu mister era garantir nesta terra o domínio estrangeiro e colonizador.

E sempre lembrar que o sangue derramado pela independência não foi de quem a proclamou. Para não sermos injustos, é preciso registrar a única voz, no Estado, por todo este período, que elaborou e defendeu um projeto de Nação Brasileira, o Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva.


*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado.