Por Sérgio Ricardo –
Estamos diante de mais uma profunda contradição do Prefeito Crivella (PRB) ao determinar o fechamento intempestivo e sem critérios transparentes das feiras do município, o que se deu sem a administração municipal promover previamente qualquer diálogo com os agricultores que durante a quarentena tem sofrido fortes prejuízos econômicos, e, sem ao menos consultar o Conselho Gestor do Circuito Carioca de Feiras Orgânicas (CCFO) que é o órgão colegiado responsável pela gestão de mais de 20 feiras orgânicas e agroecológicas que funcionam, já há alguns anos, em diversos bairros na cidade.
Contraditoriamente, ao mesmo tempo, a medida do Prefeito mantém as grandes redes de supermercados abertas e em pleno funcionamento, apesar da maioria destes estabelecimentos comerciais, no cotidiano, venderem e exporem livremente nas suas prateleiras produtos e alimentos reconhecidamente contaminados por venenos químicos (agrotóxicos e transgênicos) que resultam da poluição do meio ambiente, dos solos e das águas e, comprovadamente, prejudicam a saúde dos agricultores e da população que os consomem diariamente: em geral, sem sequer saber a quais substâncias cancerígenas ou carcinogênicas estão expostos!
A Prefeitura do Rio age neste caso, infelizmente, com “dois pesos e duas medidas”: ao prejudicar ainda mais a vida e reduzir a renda dos agricultores; enquanto mantém inalterada e intocada a enorme lucratividade e a acumulação de capital de poderosas redes de supermercados, algumas delas formadas por corporações transnacionais.
Independente do atual cenário de pandemia sanitária (Covid-19), a Prefeitura do Rio de Janeiro e os governos do estado e federal, deveriam ter maior responsabilidade na defesa da saúde dos cariocas e fluminenses, assim como daqueles camponeses e assentamentos da reforma agrária ou que plantam em quintais agroecológicos – que com seu esforço e dedicação de sol a sol – produzem os alimentos saudáveis e sem venenos que abastecem a mesa de nossas famílias.
Sabe-se bem que os trabalhadores/as do campo, na maioria dos municípios do país, não contam com o efetivo apoio e incentivo por parte dos governos através de assistência técnica, fomento tecnológico, agroindústrias, linhas de financiamento para aquisição por ex. de caminhões para escoar diretamente a sua produção agrícola para as redes de consumidores urbanos e feiras, o que ajudaria decisivamente a reduzir o preço final dos alimentos.
É preciso também destacar que os produtores rurais/agricultores de diversos municípios que, semanalmente, trabalham nas feiras orgânicas e agroecológicas não recebem qualquer tipo de apoio financeiro da Prefeitura do Rio, apesar de prestarem um serviço de interesse da coletividade que já deveria ter sido reconhecido pelo poder público como de grande relevância para a prevenção da saúde e a garantia da segurança alimentar e nutricional da população, assim como para a salvaguarda do patrimônio ambiental e dos recursos hídricos (água).
Nota-se também que o município do Rio também não tem destinado recursos orçamentários, anualmente, para promover o fortalecimento da precária e insuficiente infraestrutura disponível nas feiras de bairros onde os produtores do Circuito Carioca de Feiras Orgânicas (CCFO) estão presentes, semanalmente, faça sol ou chuva, dialogando com os clientes e consumidores, num verdadeiro ato de amor e de compromisso com o fortalecimento da economia solidária.
São eles que, por sua conta própria e risco, nos trazem de longas distâncias (diga-se de passagem, pagando do seu próprio bolso os custos elevados do transporte dos alimentos que produzem como: legumes, verduras, ervas medicinais, geleias e pães) cuja comercialização é feira nos bairros sem contar com a mínima garantia prévia de que seus produtos serão comercializados – em especial neste período de crise econômica desde 2014/2015, que infelizmente tende a se aprofundar no pós-pandemia, onde imperam o desemprego estrutural elevado e a queda acentuada da renda das famílias que tem aumentado a desigualdade e os níveis de pobreza, e inclusive os indicadores de pobreza extrema.
Além de repudiar a atitude profundamente contraditória adotada pelo equivocado e pouco democrático titular da Administração Municipal, vimos por meio deste prestar nossa Solidariedade aos trabalhadores do campo e das cidades, em especial os profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) que estão na linha de frente salvando vidas, mesmo sem contar com as condições adequadas de segurança ocupacional e os equipamentos necessários para tratar e cuidar dos enfermos.
Assim como prestamos nosso reconhecimento solidário também aos milhares de Comerciários e trabalhadores/as de supermercados (como os caixas de supermercados, repositores de mercadorias e promotores de venda, motoristas) que diariamente tem sido expostos para com seu trabalho essencial assegurar o abastecimento das cidades. Em várias grandes redes de supermercados, em especial nas Zonas Norte e Oeste do Rio – onde independente de pandemia ou não a fiscalização é notadamente insuficiente ou inexistente no cotidiano-, assim como ocorre em diversos outros municípios das periferias urbanas, nota-se que esta categoria profissional continua trabalhando sem dispor dos imprescindíveis Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) como máscaras!
São estes importantes trabalhadores/as do campo e das cidades, que muitas vezes são invisíveis para as políticas públicas e para a sociedade, que tem nos garantido o direito à alimentação, em especial durante esta devastadora pandemia sanitária.
Temos a esperança de que no Pós-pandemia, a sociedade não mais admita a volta de uma falsa e predatória ‘normalidade’ ou um ‘novo normal’ em que nossas vidas continuem sendo devoradas por alimentos contaminados por agrotóxicos; as águas para consumo humano sendo poluídas por esgotos, lixo, óleo e metais pesados e as cidades com o ar envenenado por gases tóxicos altamente nocivos à saúde humana e ao meio ambiente.
Caso esta rota de destruição da vida e do planeta não seja alterada, seremos devorados como civilização por novas epidemias e pandemias e/ou pela convergência das crises ecológica, sanitária, hídrica e quiçá climática.
Para o efetivo enfrentamento deste cenário preocupante, é necessário e urgente, desde já, que os governos passem a investir em redes de produção regionalizada de alimentos saudáveis e limpos de venenos químicos; incentivem processos produtivos e o acesso a tecnologias sociais sustentáveis por parte das comunidades camponesas e pelos agricultores urbanos; promovam a reforma agrária ecológica em substituição ao predatório modelo agro-exportador de matérias-primas (commodities) com seu pacote tecnológico à base de venenos químicos e sua socialmente injusta estrutura latifundiária; e apoiem a diversificação das culturas agrícolas, preferencialmente, nos locais mais próximos aos mercados e consumidores finais.
Está provado que um dos principais fatores da dinâmica de disseminação da pandemia do Coronavírus na escala global, diz respeito ao insustentável padrão de consumismos excessivo, instantâneo e sem limites. Assim como, pela acelerada circulação de pessoas e mercadorias (inclusive de produtos alimentícios, além de muitos bens supérfluos e artigos de luxo desnecessários), que ao se tornarem símbolos de uma suposta contemporaneidade ou modernidade, tem resultado numa exponencial degradação ambiental que é a marca de um estilo de desenvolvimento que se caracteriza pelo “progresso destrutivo.”
Que o mundo pós-Covid-19, ou o futuro porvir, não se limite a projetar uma nova geografia econômica pelo viés tradicional da espiral de acumulação de capitais pelos “super ricos” e de uma excludente globalização financeirizada: mas que caminhemos rumo à uma Economia Ecológica e ao Bem Viver.
SÉRGIO RICARDO – Ecologista, coordenador do movimento BAÍA VIVA, gestor e planejador ambiental, produtor cultural, engajado nas causas ecológicas e sociais, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
MAZOLA
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