Por Jorge Folena –
A pintura “A nau dos loucos”, de Hieronymus Bosch, constitui uma adequada alegoria do que se passa no Brasil neste ano de 2020, em que nos encontramos em plena crise sanitária do COVID-19.
Temos como presidente o condutor de um circo dos horrores (que inclui o uso literal de palhaço para atacar quem o questiona), cuja aparente loucura está associada à ação conjunta de pastores neopentecostais aproveitadores, crentes ingênuos e extremistas (muitos defensores do terraplanismo), militares egoístas, banqueiros avarentos, empresários gananciosos e políticos malandros.
Trazendo esta alegoria para a realidade nacional, a partir do consórcio do mau acima mencionado, que colaborou para a sua eleição e sustenta o seu governo até agora, é possível estabelecer, como firme hipótese, que Bolsonaro não é um político ingênuo nem muito menos maluco.
Ao contrário do que muitos sustentam, ele tem um claro plano de governo. Da mesma forma que também não é tutelado pelos militares que o cercam: em sua astúcia, Bolsonaro colou a figura dos militares do alto escalão ao seu governo. E, ainda que um ou outro possa questioná-lo nos seus círculos íntimos, vêem-se obrigados a sustentá-lo pelo fato dele dispor de apoio nas fileiras inferiores das Forças Armadas e das Polícias Militares.
É importante deixar claro que, desde a campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro ataca a todos os socialmente diferentes e que merecem proteção do Estado, como índios, negros, gays, mulheres, crianças e, agora, os anciãos, que podem morrer em decorrência da “gripezinha.
Ainda candidato, também afirmou que seu governo seria destinado a diminuir a participação do Estado na economia e a proteger os interesses dos muito ricos. Foi para isso, para alcançar esses objetivos, que buscou o apoio emblemático da Lava-Jato de Sérgio Moro (aquele que, quando juiz, desprezava direitos e garantias fundamentais, em particular o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa) e o de Paulo Guedes (um serviçal dos mercados financeiros e dos banqueiros) e lhes deu o título de “superministros”.
No seu discurso de posse, Bolsonaro afirmou que, a partir de 1º de janeiro de 2019, teria chegado ao fim o governo do “politicamente correto”. E o que se viu desde aquele dia até hoje foi um ataque permanente a qualquer forma de equilíbrio das forças políticas e sociais no Brasil. Inclusive, no momento atual, ele direciona suas baterias de guerra contra antigos apoiadores nos governos dos Estados.
Muitos desses ataques explícitos contaram com o apoio incondicional de vários setores da sociedade, que se manifestam agora chocados com as atitudes de Bolsonaro e seus apoiadores de rua, constituídos, na maioria, por pessoas de classe média, saudosos da ditadura e da tortura, que vestem camisas verde-e-amarelo e negras; grupos paramilitares que achacam comerciantes e cobram taxas de segurança à população; e fanáticos religiosos, crentes em um deus da prosperidade e em um “messias”, que irá salvá-los na terra, inclusive do coronavírus.
Com efeito, só não acredita quem não quer, que Bolsonaro tem um plano de governo fascista! Ele, com seu tradicional símbolo da arminha feita com os dedos da sua mão, é um defensor incondicional da morte. Morrerem duas mil, trinta mil, cem mil ou duzentas mil pessoas pelo COVID-19, não representa absolutamente nada para ele, que tem este claro objetivo e nunca escondeu de ninguém a defesa de ações terroristas e de torturadores como forma de eliminação da vida.
As táticas ora empregadas por Bolsonaro, ao incentivar a retomada da economia sem qualquer apreço à vida das pessoas e contrariando as orientações científicas da OMS, durante a crise sanitária do COVID-19, são típicas de governantes autoritários e déspotas, que se alimentam do terror e do medo!
Assim, dá continuidade as mesmas táticas utilizadas na campanha eleitoral de 2018, com a assessoria de Steve Bannon (ex-assessor de Donald Trump) e de seus filhos, para a disseminação do terror nas redes sociais e aplicativos de comunicação, a fim de atingir os mais débeis na compreensão da gravidade da crise sanitária em curso pelo mundo, que está matando diariamente milhares de pessoas, independente de classe social. Aliás, os mesmos procedimentos usados, neste momento, pelo presidente norte-americano.
No mesmo sentido, Bolsonaro ativou o apoio de clubes de tiro e seus adeptos espalhados pelo Brasil, e também das milícias, para atuarem na repressão necessária para garantir a abertura do comércio nas cidades em confronto direto com a autoridade de governadores e prefeitos. Sem dúvida, são ações fascistas, que conduzirão à solução final para muitos brasileiros, a exemplo das mortes provocadas nos campos de concentração.
Por outro lado, empresários gananciosos do comércio varejista que apoiam Bolsonaro vão continuar colaborando para a morte de jovens trabalhadores, negros e pobres das favelas e periferias das cidades. Enquanto banqueiros continuarão a se apropriar dos recursos do Tesouro Nacional, recebendo os juros e os encargos de uma questionável dívida pública, cujo pagamento deveria ser suspenso pelo menos até a solução da crise sanitária do COVID-19.
Infelizmente, governadores e prefeitos de variados partidos (que resistem a Bolsonaro) não terão saída e deverão ceder ao plano de morte dos fascistas, uma vez que o Governo Federal vetará qualquer ajuda financeira aos estados e municípios, a exemplo das dificuldades que vem criando para pagar míseros 600 reais aos trabalhadores autônomos.
Desta forma, o consórcio governamental formado por Bolsonaro, militares, a Lava-jato de Sergio Moro, Paulo Guedes, banqueiros e pastores neopentecostais tornará ineficazes as medidas aprovadas pelo parlamento brasileiro e por governadores e prefeitos, em favor da população e dos pequenos e médios empresários, por serem contrárias aos interesses dos que defendem a morte para salvaguardar suas economias a qualquer custo, e, por causa disso, pressionam para tornar ineficaz o necessário isolamento social.
No Congresso Nacional, Bolsonaro reafirma a “velha política” que tanto negou praticar, ao sinalizar com o loteamento de cargos para o baixo clero do Centrão, a fim de tentar formar uma maioria parlamentar para, deste modo, enfraquecer o controle político do parlamento dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Estes dois, em conjunto com o STF (que ratificou a reforma trabalhista) têm sido até aqui os grandes prepostos e fiadores dos banqueiros, que ganham cada vez mais dinheiro com Bolsonaro e sua política econômica ultraliberal, que permite aos bancos controlarem o orçamento público, como ocorreu com a aprovação da proposta de emenda constitucional do denominado orçamento de guerra, apresentada pelo Presidente da Câmara dos Deputados.
Além disso, para enfraquecer ainda mais a resistência à retomada das atividades comerciais, pastores neopentecostais, parceiros na difusão do ódio e da morte promovidos por Bolsonaro, fazem forte campanha contra os governadores, prefeitos, deputados e vereadores que defendem o isolamento social, para que seus fiéis não votem neles nas próximas eleições.
Da mesma forma, mais uma vez, não se pode esperar muito do Supremo Tribunal Federal, depois do que se viu no julgamento da ação que questionava a necessidade de intervenção dos sindicatos nos acordos de trabalho para redução de salários e jornadas.
A Constituição é explícita em afirmar que os sindicatos devem autorizar a redução de jornada e de salários, por meio de acordos coletivos. Porém, o STF mais uma vez rasgou a Carta Política de 1988; da mesma forma que fez e vem fazendo desde sua permissão para o indevido impedimento de Dilma Rousseff da presidência da República.
Por tal razão, não creio na assertiva apresentada pela BBC News Brasil, em 17 de abril de 2020, ao comentar a troca do ministro da saúde, quando destacou que a “condução da crise deve seguir com Estados, Congresso e STF” e que “Bolsonaro hoje é um presidente enfraquecido e seu governo não terá forças para ditar uma mudança de rumo da crise”.
Ao contrário. Bolsonaro está, neste momento, no controle da crise, mantendo em pleno curso a sua nau dos ensandecidos e emplacando um governo terrorista-fascista no Brasil, que poderá levar à eliminação de milhares de brasileiros pelo COVID-19.
Nada disso o intimida. Ao contrário, faz parte do projeto defendido por ele desde a campanha eleitoral, cujo ideário inclui, de forma colateral, a diminuição da população idosa, cuja existência é vista como custo previdenciário e considerado prejuízo pelos ultraliberais; da mesma forma, também prosseguirá com a política de extermínio de jovens negros e pobres das periferias, dos trabalhadores rurais e dos índios, além de prosseguir na perseguição e criminalização de todos os que se opõem ao seu governo, como está fazendo agora com alguns governadores, inclusive liberais de direita, que até pouco tempo eram seus apoiadores, mas agora são considerados “comunistas” pelos integrantes da nau.
Por tudo isto, afirmamos mais uma vez que é preciso deixar de lado as divergências políticas e ideológicas, e formarmos urgentemente uma grande frente nacional antifascista no Brasil, para frear e impedir o projeto de governo de Bolsonaro e todos os seus consorciados do mal.
JORGE FOLENA – Advogado e escritor. Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro e mestre em Direito pela UFRJ. Ocupou no Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) os cargos de presidente das Comissões Permanentes de Direito Constitucional e Direitos Sociais. Na Sociedade Brasileira Geografia (SBG) ocupou os cargos de diretor-secretário e presidente da comissões de publicações. Atuou na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Rio de Janeiro, como membro da Comissão de Constituição, Justiça e Legislação. Atualmente dedica-se à análise das relações político-institucionais entre os Poderes Legislativo e Judiciário no Brasil.
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