Redação

As cúpulas do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) procuram escapar de um embate institucional com o presidente Jair Bolsonaro, neste momento, para não atiçar as alas mais radicais do bolsonarismo. Embora Bolsonaro esteja sendo muito criticado pela atuação na crise do novo coronavírus, por comparar a covid-19 a uma “gripezinha” e por pregar a volta ao trabalho em meio à necessidade de isolamento social, ministros do STF e parlamentares não querem alimentar um cabo de guerra.

A oposição tentou se unir pedindo a renúncia de Bolsonaro e acusou o presidente de crime contra a saúde pública, depois que ele iniciou a campanha pelo fim da quarentena. Até agora, porém, não conseguiu protagonismo. Coube à Associação Brasileira de Juristas pela Democracia denunciar Bolsonaro, na quinta-feira, ao Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda.

JUSTIFICATIVA – A alegação é a de que ele praticou crime contra a humanidade ao incentivar ações que aumentam o risco de proliferação da covid-19. Nos bastidores, deputados e senadores de vários partidos avaliam que Bolsonaro vai se inviabilizar sozinho.

Observam que o estado de calamidade pública vivido pelo País dificulta agora o levantamento da bandeira do impeachment. Por enquanto, líderes do Congresso decidiram segurar uma ofensiva mais forte na direção do Palácio do Planalto, mesmo apontando graves erros na condução da crise.

CONFLITOS – Além de defender o fim do isolamento, Bolsonaro não se cansa de desautorizar o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Chegou a dizer, por exemplo, que “falta humildade” a Mandetta, que o ministro “extrapolou” no enfrentamento da pandemia e que ninguém é indemissível.

“(Mas) não pretendo demiti-lo no meio da guerra”, avisou Bolsonaro, na quinta-feira, em entrevista à rádio Jovem Pan. “A mão que afaga é a mesma que apedreja”, disse Mandetta, no dia seguinte, citando verso do poeta Augusto dos Anjos.

ACHISMO – O presidente do STF, Dias Toffoli, condenou o “achismo” sobre medidas de combate ao coronavírus, mas não foi além. “O Parlamento e o Supremo têm dado decisões para facilitar o trabalho do Estado nessa realidade da pandemia”, afirmou Toffoli. “É um dos piores momentos da história da humanidade.”

Foi menos enfático, porém, do que seus colegas Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes. “As agruras da crise, por mais árduas que sejam, não sustentam o luxo da insensatez”, disse Gilmar. “Não é possível que todos estejam errados e só o presidente da República esteja certo”, afirmou Marco Aurélio.

CONTRAMÃO – Na avaliação do ex-presidente do STF Carlos Velloso, que comandou a Corte de 1999 a 2001, Bolsonaro parece estar “na contramão” de tudo. “Mas o Executivo tem um núcleo compreendendo bem a gravidade da pandemia e sua responsabilidade”, observou. Para Velloso, as manifestações de Toffoli estão adequadas. “Com o agir harmonioso ganha-se a sociedade”, comentou.

Desde que o primeiro caso de infecção pelo novo coronavírus foi confirmado no Brasil, Bolsonaro usou quatro vezes da prerrogativa de falar à Nação por meio de cadeia nacional de rádio e TV. O terceiro pronunciamento foi preparado sob a consultoria do “gabinete do ódio”, chefiado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).

AFASTAMENTO – Na semana passada, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ensaiou aumentar a crítica ao destacar que a pandemia evitou o afastamento definitivo do Congresso em relação ao governo.

Em duas videoconferências – uma com o Bradesco BBI e outra com o Santander –, o deputado garantiu que o Legislativo está empenhado em buscar soluções para os impactos da pandemia. Argumentou, no entanto, que o Planalto terá de mudar o relacionamento com o Congresso no pós-crise.

Em recente postagem no Twitter, Maia disse ser adepto do “gabinete da sensatez”, em contraposição ao “gabinete do ódio”. “A crise é uma oportunidade para se reconstruir a relação com o governo e sair dessa agenda de movimentos que querem fechar o Parlamento, o Supremo, que a gente vê nas redes sociais”, afirmou ele.

DESGASTE – Mesmo com os conflitos, o Congresso aproveita a crise para tentar mudar sua imagem desgastada diante da sociedade. Parlamentares falam em deixar de lado disputas políticas para privilegiar a agenda de enfrentamento à doença.

“Tudo que não precisamos no Brasil, hoje, é politizar a crise. Não tem esquerda contra direita, não tem centro. Tem que unir Legislativo, Executivo e Judiciário”, resumiu o deputado Baleia Rossi (SP), presidente do MDB.

ESTRATÉGIA – Para o cientista político Rafael Cortez, a opção por não confrontar diretamente Bolsonaro é uma estratégia. “Não se trata de inação ou aceitação desse comportamento”, avaliou Cortez, da Tendências Consultoria, ao argumentar que, sob tensão político-institucional, o bolsonarismo tem benefício.

“O choque entre a nova e a velha política é o terreno que propicia agenda e discurso típicos da mobilização bolsonarista. Então, a despeito do ambiente tumultuado, Bolsonaro olha seu mandato como mais preservado, porque o custo de um impeachment é alto, num cenário de problemas muito urgentes.”


Fonte: Estadão