Redação

Flávio Bolsonaro compartilha caso de “cura” do covid-19 com foto de idoso que nunca esteve infectado; veja mais abaixo.

O número de vídeos do YouTube compartilhados em grupos de discussão do WhatsApp cresceu 21 vezes desde o início de março, de acordo com um levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Dapp). O centro de pesquisa há anos estuda o debate político e a circulação de informações em plataformas digitais.

O levantamento da FGV-Dapp considerou mensagens trocadas em 162 grupos públicos de debate político no aplicativo — que podem ser acessados mediante convites. No período, foram coletadas mais de 830,2 mil mensagens.

EM 153 GRUPOS – O debate sobre novo coronavírus (Sars-Cov-2) aconteceu em 153 grupos, com menções à doença Covid-19 em 67 mil mensagens.

O G1 analisou os 30 links de vídeos mais compartilhados nesses grupos entre 2 de março e 26 de março (até o meio-dia). E 14 desses vídeos (46%) têm incentivo a condutas que desprezam orientações sanitárias, apresentam informações falsas ou ignoram o impacto da doença. O material foi dividido nestas três categorias de desinformação: vídeos que contrariam orientações de médicos e cientistas – 6 links; vídeos com mentiras sobre a Covid-19 e o coronavírus – 4 links; vídeos que minimizam os efeitos da doença – 4 links.

Os outros 16 dos 30 mais compartilhados não trazem desinformação – são comentários e entrevistas coletivas, por exemplo. Um dos vídeos foi removido por violar diretrizes do YouTube.

FORA DO PADRÃO – Para Victor Piaia, pesquisador da FGV-Dapp, o YouTube sempre foi um destino dominante entre links compartilhados em grupos de política, mas ele acrescenta que o crescimento durante o mês de março é “fora do padrão e mostra a urgência do tema”.

“A simbiose entre Whatsapp e YouTube é muito forte. Não só a nossa pesquisa mostra isso, várias outras também. É muito relevante”, afirma Piaia, dizendo que o número de links saltou de 254 para 5 mil

Ao longo do mês de março, cresceu o envio de links pelo WhatsApp que direcionavam para o YouTube.

AUMENTO VERTIGINOSO – A análise da FGV-Dapp levou em consideração o aumento em três diferentes períodos do mês: entre 2 e 10 de março, foram compartilhados 254 links que direcionavam para o YouTube nos grupos; entre 11 e 18 de março, o número subiu para 2.557; entre 19 e 26, foram compartilhados 5.572 links para o YouTube.

Na análise feita pelo G1 do conteúdo dos vídeos, o vídeo mais compartilhado dentre os que contrariam a orientação de especialistas é o pronunciamento feito na noite de terça-feira (24) pelo presidente Jair Bolsonaro. Em sua declaração, ele pediu “volta à normalidade” e o fim do “confinamento em massa”.

OMS NÃO ACEITA – No esforço para evitar o agravamento do surto da Covid-19, doença causada pelo coronavírus, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o distanciamento social e contraindica aglomerações.

E autoridades de saúde pública de diversos países gravemente afetados pela pandemia, como China, Itália e Espanha, recomendam que as pessoas fiquem em casa.

O link para o canal da TV Brasil com o pronunciamento de Bolsonaro também o mais compartilhado durante todo o mês mês dentre os avaliados pela FGV-Daap e foi citado em 285 mensagens compartilhadas no universo analisado. A fala do presidente recebeu críticas de profissionais de saúde e de cientistas.

HISTERIA E CAOS – Outros vídeos que contrariam orientações de especialistas falam sobre “histeria” (termo também usado por Bolsonaro), que ações de isolamento podem “criar caos social” e que as medidas atuais “vão quebrar completamente o país”.

Já o vídeo mais compartilhado na categoria “mentiras” cita que a China de não teve “o crescimento econômico afetado” em crises como a do coronavírus. Ocorre que país, em decorrência da Covid-19, teve contração da produção industrial pela primeira vez em 30 anos, além de redução em outros indicativos econômicos.

Outras mentiras inclusas em outros três vídeos dizem que o vírus Sars-Cov-2 não resiste a climas quentes; não há mortos em decorrência da doença – na verdade, já morreram quase 25 22 mil no mundo todo ; e o coronavírus foi criado em laboratório pela China – a tese foi desmentida por estudo com pesquisadores dos EUA, Reino Unido e Austrália

MUITA MENTIRA – O vídeo mais compartilhado com informações que minimizam os efeitos do coronavírus e da Covid-19 afirma que a doença irá matar somente “velhinhos e crianças imunodeprimidas”. A OMS já divulgou alerta afirmando que jovens não são imunes ao coronavírus. Além disso, há relatos de morte de jovens saudáveis.

Outros três vídeos dessa categoria chamam a doença de “gripezinha”, afirmando que o coronavírus “não é perigoso para quem é saudável” ou dizendo que “índice de mortes está dentro do normal”.

Contudo, nesta quinta o diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, escreveu em rede social: “A pandemia da Covid-19 está se acelerando a uma taxa exponencial. Sem ação agressiva em todos os países, milhões poderão morrer”. (Fonte: G1)

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Flávio Bolsonaro compartilha caso de “cura” do covid-19 com foto de idoso que nunca esteve infectado

O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) compartilhou em seu perfil no Instagram uma foto falsa em publicação do site bolsonarista Senso Incomum sobre supostos casos de cura da covid-19 com uso de hidroxicloroquina – substância defendida pelo pai, o presidente Jair Bolsonaro, para tratamento dos contaminados pelo coronavírus.

O texto afirma que quatro pacientes de São Paulo se salvaram após uso do remédio e foi ilustrado com a foto de um morador de Porto Alegre que não contraiu a doença. A informação foi noticiada pela jornalista Vera Magalhães, do site BR Político, do Grupo Estado.

FOTO ANTIGA – O paciente que aparece em um leito de hospital é o arquiteto Walter Hugo Balestra Palombo, de 71 anos. Ele realmente esteve internado em uma UTI, mas no meio do ano passado e para tratamento de um enfisema pulmonar. Na imagem, ele está ao lado de uma das filhas, Antônia Balestra, de 41, que também é arquiteta.

A foto na verdade é um frame capturado de um vídeo da RBS, afiliada da TV Globo no Rio Grande do Sul. Em 30 de julho de 2019, Walter foi personagem de uma reportagem da rede sobre a possibilidade de parentes acompanharem internados em UTIs de hospitais de Porto Alegre.

NÃO INFECTADO – O arquiteto, considerado do grupo de risco para a covid-19, não contraiu a doença e segue em isolamento social em sua casa, conforme recomendação do Ministério da Saúde.

O texto dá a entender que, assim como ele, outros supostos três pacientes tomaram a hidroxicloroquina por sete dias e tiveram alta de um hospital da capital paulista, sugerindo que a substância tenha de fato a capacidade de curar os infectados. O tratamento, no entanto, não foi comprovado cientificamente.

DEPOIMENTO – No mesmo texto, a página ainda menciona o depoimento de um médico para afirmar que, “como se trata de um número pequeno de pacientes, ainda não dá para comprovar a eficácia do medicamento, mas que a impressão é muito favorável”.

O site Senso Incomum é ligado ao assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Filipe G. Martins. Ele foi um dos integrantes da comitiva que viajou aos Estados Unidos com Bolsonaro no início de março. Diferente do arquiteto, Martins testou positivo para o vírus.

“ERRO” – . Após a reportagem do BR Politico, no domingo pela manhã, o site acrescentou nota à publicação afirmando que o uso da imagem de Walter Balestra foi um “erro”, pediu desculpas à família e trocou a imagem por uma foto genérica.

“Assumimos o erro e retiramos a imagem, que havia aparecido em uma busca no Google sobre ‘hidroxicloroquina + pacientes curados’”, diz a nota, ressaltando, no entanto, que o texto está correto. O site também negou que seja bolsonarista e afirmou que Filipe G. Martins só colaborou com a página por um curto período, em 2017.

“CASO ENCERRADO” – Em nota, Flávio afirmou que o conteúdo da matéria é verdadeiro. “O importante é que a cloroquina está funcionando na maioria esmagadora dos casos de pacientes com covid-19, graças a Deus. O próprio site ‘Senso Incomum’ já trocou a foto e manteve o teor da reportagem. Então, caso encerrado.”

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TRÊS PERGUNTAS PARA…

Mariana Balestra, publicitária, filha de Walter Balestra

Como a família tomou conhecimento do caso?
Minha irmã, que aparece também na imagem, começou a receber print dessa matéria pelo WhatsApp de amigos que nem moram no Brasil. Quando soubemos logo entramos em contato para que fosse corrigido. É inacreditável saber que meu pai serviu de marionete para fake news.

Seu pai não contraiu coronavírus?
Não, não contraiu nem se curou da doença. Meu pai é do grupo de risco. Tem enfisema pulmonar, se contraísse é possível que não durasse nem cinco minutos. Ele está em casa, quase não sai nem do quarto, de tão assustado que está.

Pretendem tomar alguma medida judicial?
Não. A família agradece a retirada da foto do site e das redes sociais. E lembra que o compromisso com a verdade e a não disseminação das fake news precisa ser permanente, não só quando os abusos são explicitados.


Fonte: Estadão