Por Lincoln Penna

Os acontecimentos do dia 8 de janeiro deste ano de 2023 a ensaiar um ato golpista não se encerrou, seja no que se refere aos processos em andamento, seja pelas repercussões que se farão doravante na política nacional.

O ato perpetrado pelos bolsonaristas mais extremados já causou uma mudança ainda pouco enfatizada pelos analistas da política. Trata-se da atitude proativa do presidente Lula diante da ameaça de ter de conviver com os permanentes atentados contra o seu governo.

As atitudes de Lula após o evento do dia 8 têm sido na direção certa, isto é, a de fazer avançar uma pauta que impeça objetivamente novos e seguidos atentados à democracia e, para isso, parece disposto a não tergiversar, muito menos conciliar com o inconciliável.

A ocupação de um espaço no cenário internacional não visa apenas restaurar a imagem do Brasil, mas também cercar-se externamente de eventuais ações de uma extrema-direita conjugada com forças desse naipe espalhadas mundo afora. Ao assumir um protagonismo aparentemente cedo demais para os seus poucos dias de governo, suas andanças têm a ver com a defesa da democracia no país.

Após montar uma frente ampla internamente para ganhar as eleições e governar com um mínimo de defecção, Lula pretende certamente fazer o mesmo movimento no que diz respeito à ordem internacional. Sua proposta de paz e de reativar o pleito de assento no Conselho de Segurança Permanente na ONU, além de admitir a formação de um novo foro mundial caminham nessa direção são exemplos dessa estratégia. Antes, já havia alcançado um consenso mínimo com os governadores, base importante para frear as arremetidas antidemocráticas.

Cabe, no momento, o arranjo de um pacto de ação nacional e quiçá mundial em defesa da democracia e pela soberania dos povos sujeitos a sistemáticas intervenções sempre a levar a mortes e a tragédias que podem e devem ser evitadas e combatidas, sem que se deixe de lado a concertação entre as nações.

Quer queiram ou não os adversários de Lula ou aqueles que o desprezam por motivos ideológicos, o fato é que não nos restam alternativas senão dar sustentação a um presidente que pode unir povo e governo como há muito não tem acontecido. Não basta vencer as eleições, é preciso que o eleito consiga mobilizar o eleitor.

O 8 de janeiro parece que vai se distanciando e para muito ficará tão somente na memória nacional como um momento inglório para a política, principal ativo ferido com esse atentado falido, porém não enterrado de vez dos nossos costumes políticos. Ele poderá a qualquer momento reaparecer com mais ou menos intensidade dado que é de sua essência assim dar vazão aos seus objetivos antipovo.

O denominado Levante integralista de 11 de maio de 1938 fará dentre em pouco 85 anos. Foi na época, como agora, tido como um fracassado golpe antidemocrático dentro de um período de governo que havia restringido o exercício da democracia, pois desde 10 de novembro do ano anterior, com a implantação do Estado Novo a democracia tinha sido usurpada. Restou a falência de uma corrente política de cunho fascista, cujos herdeiros jamais deixaram de tê-los como referência.

O mesmo desfecho, no entanto, não é certo que aconteça, uma vez que a fragilidade das respostas com vistas à barrar as intentonas fascistas demonstram que existe a possibilidade de novas investidas. E para fortalecer as barreiras antifascistas só mesmo o povo conscientizado e organizado. As medidas institucionais nem sempre conseguem impedir o avanço da barbárie.

Além das datas que evocam a última ditadura, como o uso costumeiro das hordas bolsonaristas da data de Sete de Setembro, há também a falsa data do 31 de março do que denominam de “Revolução democrática”, na verdade o golpe de Primeiro de abril, a primeira data que se aproxima e já vista como um possível momento de arregimentação dos ainda esperançosos adeptos do mito auto banido. Da mesma forma, que ao longo do mandato de Lula outras iniciativas serão por certo adotadas pelos seus fanáticos golpistas.

Essas conjecturas se farão mais ou menos presentes a medida em que Lula assuma de fato a pauta das grandes transformações que o país necessita, e ele sabe disso como poucos. No entanto, sabe ele também que precisa somar forças, tanto apoiado pelas massas como manter os apoios que teve por ocasião do pleito eleitoral que o levou de volta à presidência da República. Difícil equilíbrio imposto pela realidade.

Contudo, Lula sabe mais, que este governo não é como os seus governos anteriores, uma vez que as demandas se multiplicaram e não dá mais para conciliar interesses que não mais correspondem aos novos tempos em que vivemos. Eis a grande decisão que gravita na consciência de Lula, que pode levá-lo à decisões que o levarão ou não para figurar em nossa história como estadista.

As grandes lideranças se fazem em momentos cruciais para os seus países. Elas não alcançam esse patamar em tempos harmoniosos, se é que em algum momento esses tempos se fizeram presentes, mas os líderes são os que enfrentam as adversidades e as vencem. Jamais sozinhos, mas com o tirocínio que desperta e realimenta as esperanças dos que mais precisam.

O 8 de janeiro não mais será esquecido, como esquecida não será a pronta resposta dada contra quem ousou afrontar os valores civilizatórios. Mais do que lembrar a data de uma ação bárbara cabem medidas para que ela não mais venha a acontecer, ou seja, punir com severidade, sempre dentro da lei, os culpados pelos atos. Basta querer fazer. E esta é uma decisão que não pode entrar no rol da nossa velha conciliação. Há casos em que a anistia é não só imprópria como indigna para a nação que se preza.

Recuperar os desatinos dos ingênuos, que acreditaram no falso mito é uma coisa, bem diferente daqueles que exibiram o ódio destilado contra os valores democráticos numa arruaça terrorista absolutamente consciente e sob o manto protetor de quem os estimulou a violar o patrimônio público e o voto popular.

Para estes o recurso empoderado da lei deve ser aplicado sem meio termo.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

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