Por Ricardo Cravo Albin –
Noel Rosa nasceu no bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro, tornando-se anos mais tarde conhecido como o “Poeta da Vila”.
Ele morou durante seus vinte e seis anos e meio de vida na mesma casa na rua Teodoro da Silva, que tempos depois seria demolida para a construção de um prédio residencial que leva seu nome.
Filho de Manuel Medeiros Rosa, que era gerente de camisaria, e da professora Marta de Azevedo, teve em seu nascimento fratura e afundamento do maxilar provocados pelo fórceps, além de uma pequena paralisia na face direita, que o deixou desfigurado para o resto da vida, isso tudo não o poupou de submeter-se à cirurgias sofridas dos seis aos 12 anos de idade. Quando seu pai foi trabalhar como agrimensor numa fazenda de café, sua mãe abriu uma escola dentro de casa, passando a sustentar os dois filhos, Noel e Hélio.
Já alfabetizado pela mãe, Noel foi matriculado no Colégio Maisonnete quando tinha treze anos. Depois foi para o São Bento, onde ficou até 1928, recebendo dos colegas o apelido de Queixinho. Noel teve paixões por mulheres que se tornaram musas de alguns de seus sambas, como no caso de Ceci, dançarina de um cabaré da Lapa. Para ela, compôs “Dama do Cabaré” e “Último desejo”.
O poeta-boêmio casou-se com Lindaura, em dezembro de 1934. Na verdade, o casamento ocorreu por pressão da mãe da moça, pois Lindaura tinha apenas 13 anos, dez a menos do que ele. Grávida, ela perderia o filho meses após o casamento. A união com Lindaura não modificou seus hábitos noturnos, que acabariam por comprometer irremediavelmente a sua saúde. No início de 1935, já com os dois pulmões lesionados, viajou com a mulher para se tratar em Belo Horizonte, onde se hospedou na casa de uma tia. Porém, o tratamento durou poucos dias, porque o compositor logo começou a frequentar os bares e o meio artístico da cidade, apresentando-se até na Rádio Mineira. Ainda em Minas, em maio desse mesmo ano, recebeu a notícia do suicídio do pai, que se enforcou na casa de saúde onde estava internado para tratamento dos nervos. Depois de perambular em busca de tratamento para seus pulmões por diversas cidades serranas, Noel voltou ao Rio em maio de 1937 com Lindaura, às pressas, num táxi, em estado muito grave, do qual não conseguiria se recuperar. Durante dois dias recebeu visitas de muitos amigos, entre os quais Marília Baptista e Orestes Barbosa, que procuraram animá-lo.
Morreu na noite do dia 04 de maio, enquanto em frente à sua casa comemoravam o aniversário de uma vizinha numa festa em que tocavam suas músicas.
Diversas versões sobre sua morte foram publicadas em diferentes jornais e biografias, onde se fez referência até a um ataque cardíaco. Ao seu enterro compareceram muitas personalidades da música e do rádio. À beira de seu túmulo, Ary Barroso fez um discurso emocionado, homenageando o amigo e parceiro. Depois de alguns anos de sua morte, seu nome ficou esquecido durante a década de 1940, até que Aracy de Almeida, em 1950, passou a cantar na famosa boate Vogue, incorporando sambas inéditos dele ao seu repertório. Desde aí, o compositor foi redescoberto e passou a ser homenageado pelo público e por autoridades, como no caso do busto inaugurado na Praça Tobias Barreto e que hoje se encontra na Praça Barão de Drummond e pela comunidade de Vila Isabel, que inaugurou um monumento no Cemitério São Francisco Xavier, onde o compositor foi sepultado.
Em 1967 eu tive a alegria de celebrá-lo no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro – que acabara de lançar o elepê “Noel Rosa por Noel Rosa”, com o compositor cantando suas próprias músicas. O MIS fez também uma grande homenagem ao Poeta da Vila em seus 30 anos de morte, inaugurando exposição comemorativa e juntando os amigos remanescentes em gravação histórica.
Selecionei, embora em opinião pessoal, as doze frases mais definidoras da obra poética de Noel Rosa. Representam todas elas fragmentos de suas músicas e de sua vida.
1- “Quanto a você, da aristocracia/Que tem dinheiro, mas não compra alegria/ Há de viver eternamente sendo escrava dessa gente/Que cultiva hipocrisia.”
2- “Quem acha vive se perdendo.”
3- “Perto de você me calo, tudo penso e nada falo.”
4- “Essa gente hoje em dia que tem a mania da exibição/Não entende que o samba não tem tradução no idioma francês/Tudo aquilo que o malandro pronuncia/Com voz macia é brasileiro, já passou de português.”
5- “Sambar é chorar de alegria/É sorrir de nostalgia/Dentro da melodia.”
6- “Nosso amor que eu não esqueço/E que teve o seu começo numa festa de São João/
Morre hoje sem foguete/Sem retrato e sem bilhete/Sem luar e sem violão.”
7- “Se existe alma/Se há outra encarnação/Eu queria que a mulata sapateasse no meu caixão.”
8- “Provei/Do amor todo o amargor que ele tem/Então jurei/Nunca mais amar ninguém.”
9- “Pobre de quem já sofreu nesse mundo/A dor de um amor profundo/Eu vivo bem sem amar a ninguém/Ser infeliz é sofrer por alguém.”
10- “Às pessoas que eu detesto/Diga sempre que eu não presto/Que meu lar é um botequim/Que eu arruinei sua vida e não mereço a comida que você pagou pra mim.”
11- “O costume é a força que fala mais forte do que a natureza/E nos faz dar provas de fraqueza…”
12- “Quem me fez chorar/Hoje chora por mim/Quem ri melhor é quem ri no fim.”
Ao encerrar esta pequena homenagem a Noel, vale aqui declarar uma curiosidade: seu verbete no nosso Dicionário da MPB é por vinte anos consecutivos incluído nas seções dos mais acessados pelo mundo inteiro nas plataformas da “Semana” e do “Mês”.
https://dicionariompb.com.br/noel-rosa/biografia
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin, Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
MAZOLA
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