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VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL CONTRA CRIANÇAS NO BRASIL – por Siro Darlan
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VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL CONTRA CRIANÇAS NO BRASIL – por Siro Darlan

Por Siro Darlan

As denúncias de violência contra crianças e adolescentes no Brasil lideram com folga o ranking do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) para esse tipo de ocorrência envolvendo grupos considerados vulneráveis.

Em 2024, até o dia 9 de dezembro, data da última atualização, foram contabilizadas 274.999 queixas. Os policiais militares e civis do Brasil matam quase o triplo do que os agentes de segurança de 15 países do G20 somados, segundo levantamento feito pelo UOL. Foram 6.393 mortos por policiais em 2023, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho. Ao todo, 15 países do G20 somam 2.267 vítimas fatais de policiais.

Proporcionalmente, os policiais brasileiros matam 36 vezes mais do que a média dos agentes das outras nações. A taxa é 7,5 vezes a da África do Sul, cuja polícia é a segunda que mais mata por habitantes entre os considerados. Para a Constituição, o controle externo deve ser feito pelo Ministério Público estadual. Uma pesquisa já mostrou que mais de 90% dos casos são arquivados a pedido do próprio MP.

Uma pesquisa publicada pelo UOL em 2021 mostrou que os MPs do RJ e de SP pediram, só em 2016, o arquivamento de nove em cada dez casos de mortes provocadas por policiais. Negros também são os maiores alvos no Brasil. Em 2023, representaram 82.7% dos mortos por policiais, segundo o Anuário de Segurança Pública. A violência policial coloca o Brasil entre os lugares de maior preocupação da ONU em relação às violações aos direitos humanos e chegou a soar um alerta no departamento do órgão internacional que trabalha pela prevenção do genocídio.

Nesse cenário de violência, onde as regras constitucionais e legais são ignoradas pelos órgãos de segurança, publica do ministério público e do judiciário, como assegurar um desenvolvimento sadio ás crianças cujos pais estão em cumprimento de pena pelo estado que tranca as pessoas para que elas possam aprender a viver em liberdade, e o próprio Estado violenta as pessoas para que elas aprendam a respeitar as leis, que o próprio estado não respeita.

Narro aqui uma cena de violação aos direitos das crianças, cujo texto constitucional assegura com absoluta prioridade, dentre outros direitos para que tenham um desenvolvimento sadio, o direito à convivência familiar e comunitário. O texto constitucional é claro quando estabelece o princípio da pessoalidade no art. 5º, XLV, no qual ” a pena é uma medida de caráter estritamente pessoal, em virtude de consistir numa ingerência ressocializadora sobre o apenado “, e ” a sanção penal não pode ser aplicada ou executada contra quem não seja o autor ou partícipe do fato punível “. E, no entanto, proíbe em clara ofensa ao princípio constitucional da intranscendência a visita dos filhos e netos do apenado, como ocorre via de regra nos presídios federais.

Ora a Convenção das nações Unidas sobre os Direitos das Crianças estabelece que os Estados Membros devem observar que: Artigo 3º “Todas as ações relativas à criança, sejam elas levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de assistência social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar primordialmente o melhor interesse da criança. O melhor interesse da criança certamente é o afeto dos pais, independente de sua condição de preso ou liberto. Aliás, segundo as novas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos, “atenção especial deve ser dada para a manutenção e o aperfeiçoamento das relações entre o preso e sua família, conforme apropriado ao melhor interesse de ambos” (Regra 106) e “desde o início do cumprimento da sentença de um preso, deve-se considerar seu futuro após a liberação, e ele deve ser incentivado e auxiliado a manter ou estabelecer relações com indivíduos ou entidades fora da unidade prisional” (Regra 107). Daí a importância da família como estimulo a sua ressocialização.

Aliás, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.8.069/1990), em seu artigo 19, § 4, informa que “Será garantida a convivência da criança e do adolescente com a mãe ou o pai privado de liberdade, por meio de visitas periódicas promovidas pelo responsável (…)’. Ou seja, a condição de recluso não retira (nem deveria retirar), a convivência familiar da criança com seus familiares. No mesmo sentido a Convenção sobre os direitos da Criança, no artigo 9, 3, assegura o contato direto da criança com os pais, mesmo estes segregados. In verbis: Os Estados Partes devem respeitar o direito da criança que foi separada de um ou de ambos os pais a manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos, salvo nos casos em que isso for contrário ao melhor interesse da criança.

Ainda, não é por falta de regras e princípios, que as novas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos dispõem expressamente que “sanções disciplinares ou medidas restritivas não devem incluir a proibição de contato com a família” (Regra 43.3). Como explicar esse paradoxo? O sentenciado é punido por desrespeitar as leis que o próprio Estado ignora.

Criança e adolescente são prioridades absolutas.

SIRO DARLAN – Advogado e Jornalista; Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Ex-juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), aposentado compulsoriamente por conceder benefício a preso em risco de vida, que uma vez preso faleceu nas grades da crueldade estatal; Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ousiro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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