Por José Carlos de Assis –
A única medida razoável que pode ser adotada em face da crise cambial é o fechamento do câmbio. Nenhum dólar das reservas, por nenhuma razão, deve sair do país enquanto a crise durar. É o meio de assegurar que, nas próximas semanas e meses, o país não fique sem dinheiro para financiar investimento, tecnologias e outros ativos reais. Associado a isso, devemos adotar também uma taxa de câmbio próximo de zero, na altura do que fazem os EUA, a Europa e outros países industrializados, pois apenas juros altos não atrairão inversões.
É claro que os investidores estrangeiros – fiquei tentado a dizer, picaretas estrangeiros – não vão gostar de ver suas aplicações presas no Banco Central. Querem continuar se ceifando em nossas reservas, ganhando cada centavo que puderem em especulação financeira. Não importa seu choro. Afinal, nos últimos anos, com a cumplicidade total do Banco Central, exerceram no Brasil o papel de agiotas privilegiados, à custa do povo e dos trabalhadores, submetidos estes últimos às infames reformas trabalhista e previdenciária.
As reservas inéditas que temos são reservas acumuladas no governo Lula. São, em grande parte, produtos da sorte, porque corresponderam a um grande aumento das quantidades e do valor das commodities minerais e agrícolas exportadas para a China pelo Brasil. De qualquer modo, o governo Lula aplicou uma política cambial sábia, porque evitou esgotar as reservas comprando quinquilharias chinesas, americanas e europeias, conforme era tradição na política comercial brasileira. Agora, estamos esgotando as reservas de graça.
Fora do mercado financeiro, a bolsa vai resolver os problemas por si mesma, isto é, as ações vão muito provavelmente virar pó. Já estão indo. Também ali é o lugar da especulação desenfreada, pela qual alguns privilegiados sugam a mais valia do conjunto da sociedade propondo desesperadamente a redução de impostos, como é o caso da Fiesp e de Paulinho da Força – neste caso, uma evidência de que a burrice não divide classes no país. Nesse contexto, Paulo Guedes oferece à Pátria fantásticos remédios, como a aprovação das reformas.
O que é isso?, diria minha neta de dois anos. Então uma crise que transforma bilhões de investimentos em cinzas, em questão de horas e de dias, será superada com a reforma tributária, a reforma administrativa, o pacto federativo e não sei quantas mais outras reformas? Hipócrita. Farsante. Verme do mercado financeiro, onde está sendo acusado de fraude. Como pode dizer que essas reformas, todas inviáveis a curto prazo e inúteis a longo prazo, podem dar alguma contribuição, mínima que seja, ao enfrentamento da atual crise?
Que o mercado financeiro prepare-se para penar. Dessa vez, diferente de 2008/9, não haverá socorro por parte do Tesouro dos Estados Unidos porque o governo Trump, simpático ao setor produtivo e indiferente ao setor financeiro, não inundará o mercado de dólares como fizeram o Tesouro (US$ 7,5 trilhões) e o FED (cerca de US$ 15 trilhões), entre 2009 e 2014. No Brasil, o fantasma do neoliberalismo ronda o mercado, e enquanto durar essa sombra, vai tirar toda a perspectiva de recuperação, enquanto não houver uma mudança drástica da economia.
A história foi outra em 2009 e 2010, quando o governo Lula injetou nada menos que R$ 190 bilhões no mercado produtivo – não no mercado financeiro, diga-se de passagem – para financiar o investimento industrial. O resultado foi fantástico. Enquanto o mundo penava uma das maiores recessões da história, o Brasil crescia à taxa de 7,5% ao ano. A infinita
estupidez dos ideólogos de Guedes renegaram essa experiência e exigiram que s o BNDES devolvesse o dinheiro aplicado ao Tesouro, de forma a que o Tesouro nada fizesse com ele.
É inadequado atribuir ao coronavirus a tragédia em que estamos mergulhados. Ele apenas agrava a situação. A razão fundamental, no Brasil, é uma das políticas econômicas mais estúpidas jamais tentadas na história do capitalismo, inclusive no Chile do Pinochet. Este resguardou para o governo algumas estatais estratégicas do cobre, que reforçaram o orçamento público, enquanto aqui queremos liquidar com as empresas públicas estratégicas, como Petrobrás, Eletrobrás e outras 15, todas essenciais para o desenvolvimento.
É espantosa a cobertura legal que o Congresso de Rodrigo Maria e David Alcolumbre vem dando à política sórdida do governo Guedes. Também é espantosa a cobertura constitucional que o Supremo Tribunal Federal tem dado ao ministro da Fazenda. É igualmente espantoso que o Supremo tenha autorizado a venda sem licitação das refinarias da Petrobrás, a pedido de Guedes. Tudo isso é inominável. Estamos numa situação em que todos os poderes da República apodreceram, justificando sua derrocada de uma vez. Difícil imaginar outra saída.
JOSÉ CARLOS DE ASSIS é jornalista, economista, escritor e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 20 livros sobre economia política. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964. Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro. Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica.
MAZOLA
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