Por Lincoln Penna

A indignação é a mais contundente atitude de inconformidade, logo é uma demonstração de vigor para que se possa dar sentido à vida. Aprendi isso com os velhos militantes comunistas a expressarem sua indignação diante das injustiças sociais. Dos mais antigos, quem talvez tenha manifestado melhor a indignação foi Astrojildo Pereira, a unir esse sentimento de revolta com o conhecimento da realidade há quase um século, ao reagir diante da entrega do país à cobiça dos interesses econômicos:

É preciso sacudir pelas entranhas os cegos que não querem ver e os surdos que não querem ouvir. Entre outras razões, porque não queremos que o Brasil se transforme num país de mudos.

Cabe um registro no que se refere à disposição de luta em nossa história. Refiro-me à existência de um partido de homens e mulheres que vêm resistindo há exatos 99 anos, pois foi no dia 25 de março de 1922 que um punhado de insurgentes movidos pela indignação firmou um compromisso histórico, para demonstrar que nem todos são ou devem ser objetos das taras de um modo de vida a combinar os resquícios perversos da escravidão com a continuada exploração do trabalho. É o caso do capitalismo que herdamos de nossa história colonial e neocolonial, a promover mais exclusão social, sob o comando de uma burguesia subserviente àqueles interesses econômicos aos quais se referia Astrojildo.

A trajetória dos comunistas tem sido objeto de muitas críticas, geralmente provocadas pela intensa e sistemática propaganda eivada de aleivosias a criar estigmas e a juntar a ignorância com os poderes da ideologia a serviço dos que comandam a violência contra o povo, além de deturparem os fatos históricos. Porém, o que tem prevalecido nas suas atividades políticas é o compromisso com o povo trabalhador e com os destinos da nação brasileira, com erros e acertos próprios de quem quer acertar e é cercado de tantas desconfianças.

Por outro lado, independentemente de seu objetivo estratégico, ou seja, a construção do socialismo, os comunistas sempre se colocaram a serviço de consensos mínimos na arena política, capazes de suprimir a opressão ou as orientações antinacionais. E com isso, concorrer para que se alcance a mais elevada condição possível de democracia política, aquela que de fato cumpre as demandas sociais acumuladas com o tempo e contemplem as massas populares.

Aos que permanecem na luta por um mundo mais justo e igualitário, aos que não renunciam à luta como forma de vida, e aos que não se eximem de compartilhar projetos libertários de modo a barrar alternativas contrárias à democracia, a saudação pela data extensiva a todas as tendências inspiradoras das tradições de luta, irmanadas às correntes que traduzem o espírito combativo do povo brasileiro. Todas ou em sua imensa maioria inspiradas no Partido Comunista do Brasil (PCB), oriundo da Seção Brasileira da Internacional Comunista, em cuja fundação esteve presente o mais ardoroso democrata de raiz, Astrojildo Pereira.

Democrata, sim, porque o conceito de democracia foi usurpado pela burguesia, que no dizer de Marx se explica em razão de as ideias dominantes de cada época sempre traduzirem os interesses da classe dominante. Da mesma forma, poderíamos dizer que toda interpretação da história costuma ter uma versão que atende à visão de mundo e de mando das classes dominantes. Daí, o uso e a apropriação indevida de vocábulos que são descaracterizados pelos que detém o poder político.

É sempre bom lembrar que diante da emergência de forças sociais a aspirarem mudanças estruturais, as classes detentoras do poder político lançam mão da suposta defesa da democracia contra a “subversão” ou “às ações terroristas”, temendo que as manifestações das classes subalternas consigam prevalecer e estabelecer o poder popular. Em 1964 os conspiradores golpistas criaram a falsa dicotomia entre as Reformas de Base e a democracia, que juravam defender, para justificar a ação que deteve o processo reformista em curso, e suprimiu a própria democracia.

A todos, mais do que nunca, a certeza de que a luta continua e a união dos povos de todo o mundo venha a construir a fraternidade universal, porque uma nova sociedade é possível.


LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.