Por Alcyr Cavalcanti –
Os tempos eram outros, a miséria total e absoluta ainda não havia chegado aos níveis alarmantes do século XXI. Havia desigualdade, mas nem tanta quanto agora em Tempos de Pandemia, onde legiões de despossuídos ficam ao desabrigo e as noites de domingo são muito tristes no isolamento social. Estamos nos anos oitenta e as noites cariocas em alguns lugares já demostravam um certo desgaste, o dinheiro já não jorrava como antes, mas as noitadas tinham de continuar fervilhando, pelo menos no subsolo do Hotel Meridien. Em uma estratégia de marketing a Boate Régine’s resolve manter viva as noites de domingo, tradicionalmente vazias, depois daqueles almoços que se estendiam até o final da tarde em uma comilança sem fim.
Teriam de funcionar de casa cheia de domingo a domingo, sem nenhum descanso no dia dedicado à família.
A solução foi oferecer aos convidados um espetacular jantar totalmente grátis, como diria o querido Serginho Cavalcanti uma “Free Mouth”, ou a popular “Boca Livre Total” a famosa BLT.. A sociedade que sempre adorou uma novidade aderiu em peso, A comida era de graça, mas as bebidas eram regiamente pagas, e como só consumiam Whisky escocês ou Champanhe francesa, de preferência Taittinger ou outras bem caras, o lucro era garantido.
O início do jantar era às oito da noite, na época eu era o fotógrafo oficial da boate, e cumpria contrato de trabalho no Globo que permitia depois de cumprir horário na pauta geral do jornal. As fotografias eram publicadas nas colunas sociais do Swann feita pelo Carlos Leonam e Fernando Zerlottini que era uma coluna diária e da Perla Sigaud (Hildegard Angel) em página dupla aos sábados.. O buffet era extremamente generoso, saladas diversas, frutos do mar e uma pasta ao estilo Bella Italia para refazer as energias depois de dançar freneticamente ao som da Donna Summer ou de Gloria Gaynor, as Rainhas da Noite, em todo o planeta. Eu procurava resistir aquelas iguarias, beliscava um pouco, um pratinho ou outro para preparar o estomago para as fartas doses de Jack Daniel’s ou de vez em quando um Manhattan, meu drink preferido, afinal eu “era da casa”, e tinha feito a velha política de boa vizinhança, desde os seguranças ao maitre. Lá pelas tantas da madrugada tinha de trabalhar no “piloto automático”, por dever de ofício não podia perder nenhum lance, eu conhecia meus limites e confiava na minha Nikon e no Flash Metz que nunca me deixaram na mão.
Todos saiam bem na foto, era o que interessava, porque no dia seguinte todos corriam para os jornais para ver se tinham saído na coluna social.
Como trabalhava de domingo a domingo, muitas vezes era chamado para sentar à mesa e me servir à vontade, raramente aceitava, por vários motivos, afinal estava a trabalho, e também como tinha à minha disposição todas as iguarias eu só aceitava depois de ter feito inúmeros clicks e com pessoas que a convivência constante mantinha relações cordiais. Bebericava um pouco, geralmente um copo de Chablis, vinho que estava na moda agradecia a gentileza e voltava de olhos bem abertos e ouvidos bem fechados, para não perder nenhum lance. Foi a época em que o conde Fred Chandon, amigo da Régine lançou uma versão nacional do champanhe Moet et Chandon.
Chegavam caixas do produto e alguns consumiam.
Eram noites e mais noites de festa, durante um tempo a “Free Mouth” foi um sucesso. A festa ia até ás três da madrugada, muitos empresários iam embora mais cedo, afinal já era segunda feira, o sol começava a brilhar e algum trabalho teria de ser feito para manter aquelas fortunas sempre a se multiplicar. Outros tempos, outros costumes, provavelmente não voltarão nunca mais.
O charme dos domingos à noite não mais existe.
ALCYR CAVALCANTI – Jornalista profissional e repórter fotográfico, trabalhou nos principais jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo e em agências de notícias internacionais. Bacharel em Filosofia pela Universidade do Estado da Guanabara (atual UERJ) e mestre em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor universitário, ex-presidente da ARFOC, ex-secretário da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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MAZOLA
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